“Caritas in Veritate” propõe uma nova ordem mundial. Já elogiada como “desafiante e inovador”, a Encíclica de Bento XVI importa a todos, nestes tempos de crise, incluindo políticos e economistas. O VER reúne algumas das muitas reacções nacionais e internacionais (dentro e fora da Igreja Católica) a esta 296ª encíclica Papal que, com base nos princípios basilares da Caridade e da Verdade, defende o “desenvolvimento integral” dos povos
POR GABRIELA COSTA

.
.

Apesar de já se terem ouvido críticas à indiferença dos media portugueses relativamente à publicação da encíclica social de Bento XVI, a verdade é que o conteúdo essencial da “Caritas in Veritate”, publicada no passado dia sete de Julho, está a receber o apreço e admiração de instituições e analistas dos mais diversos quadrantes ideológicos, políticos, económicos ou sociais portugueses, a exemplo das reacções internacionais, que se multiplicam, nos últimos dias, um pouco por todo o mundo.

Consensual é que o texto é um convite à mudança dos paradigmas do mundo contemporâneo, propondo um conjunto de orientações capazes de enfrentar a actual crise financeira, a partir da criação de uma autoridade política global, que seja regida pelos princípios da solidariedade e da subsidiariedade e que trabalhe em prol do bem comum. A referência explícita do Papa à economia de mercado levou até à sugestão, por um banqueiro e professor de Economia na Universidade Católica de Milão, de que o nome de Bento XVI deverá ser indicado para o prémio Nobel da Economia.

Apresentada em Fátima por D. Jorge Ortiga, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), a encíclica Papal foi já considerada “muito oportuna”pelos bispos portugueses, que defendem que todos os agentes políticos e sociais a deveriam ler e que esta pode “enriquecer a sociedade portuguesa”. O VER reúne algumas das muitas reacções nacionais e internacionais (dentro e fora da Igreja Católica) a esta 296ª Encíclica Papal e a terceira de Bento XVI, que, a partir da encíclica “Populorum progressio” de Paulo VI, publicada em 1967, defende o “desenvolvimento humano e integral” dos povos, com base nos princípios basilares da Caridade e da Verdade.

NACIONAL
Francisco Sarsfield Cabral, jornalista
“Não por acaso, a encíclica Caritas in Veritate” foi divulgada nas vésperas do encontro do G8 em Itália. O encontro de Bento XVI com Barack Obama evidencia a importância do diálogo dos católicos com pessoas de outras religiões ou de nenhuma religião. Estes factos mostram que a Igreja quer estar presente ao mundo e tem uma palavra a dizer sobre ele. Não que a Igreja possua soluções técnicas, políticas ou económicas. Mas tem algo mais importante: é ‘perita em humanidade’, como dizia Paulo VI”.

D. Jorge Ortiga, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa e arcebispo primaz de Braga
“Se esta Encíclica fosse lida e meditada por todos os cristãos, em primeiro lugar, e particularmente também pelos políticos, num tempo que se aproxima de campanhas eleitorais e de eleições, de programas que vão ser elaborados, estou convencido que seria muito útil, e há aqui um conjunto de orientações que poderão enriquecer muito a sociedade portuguesa”.  Não lhes fará mal nenhum [aos políticos] ler e reler, particularmente na elaboração dos seus programas, no que diz respeito à justiça, ao bem comum, à solidariedade, ao princípio da subsidiariedade, à questão dos direitos e dos deveres. [A encíclica Caritas in Veritate] chega na hora exacta”.

Bagão Félix, Economista e professor catedrático
“A palavra-chave desta Encíclica é a de desenvolvimento humano. Um desenvolvimento integral, autêntico, libertador, pluridimensional. Um desenvolvimento associado à ética e à responsabilidade pessoal e social. À justiça distributiva e não apenas á justiça contratual e comutativa. À capacidade de conciliar Mercado, Sociedade e Estado. À afirmação do princípio da subsidiariedade para ‘governar a globalização’. À necessidade de ultrapassar a ideologia tecnocrática dominante”.

D. Carlos Azevedo, presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social e Bispo Auxiliar de Lisboa
“Impelir a globalização para metas de humanização solidária, oferecer uma orientação cultural personalista e comunitária, proceder a uma nova e profunda reflexão sobre o sentido da economia, lançar uma revisão profunda e clarividente do modelo de desenvolvimento, eis o exercício profético da Igreja, fiel à sua missão, patente e acessível a todos. Sentimo-nos como que diante de uma grande e bela tapeçaria tecida pela caridade na verdade e passando por todos os temas actuais da sociedade em vias de globalização. Importa examinar com objectividade a espessura humana dos problemas actuais.”

Alfredo Bruto da Costa, presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz
“O Papa evita que se confunda caridade com sentimentalismo, com um conjunto de bons sentimentos muitas vezes inconsequentes. A encíclica não é sobre a crise, mas sobre o desenvolvimento humano. Uma nova ordem política e financeira internacional justifica-se pelo facto de os Estados estarem a perder o seu poder político, porque a actividade económica e financeira não tem fronteiras. Temos de saber colocar o problema da economia para além da dicotomia capitalismo-socialismo. O mercado em estado puro não existe, existe num contexto de valores, de poder”.

“O primeiro capital a preservar e a valorizar é o Homem, a pessoa, na sua integridade” – Bento XVI, na encíclica Caritas in Veritate .
.

João César das Neves, economista e professor catedrático
“Esta encíclica marca uma nova época na doutrina social da Igreja. Se a Rerum Novarum lançou a doutrina social da Igreja na questão operária, a Populorum Progressio, na segunda metade do século XX, lançou a nova linha que é do desenvolvimento e é à volta disto que o Papa introduz um trabalho de uma profundidade teológica superior a qualquer texto anterior”.

João Proença, Secretário geral da UGT
“Muitas destas matérias [contidas na encíclica Caritas in Veritate] estão na agenda das preocupações dos parceiros, nomeadamente, ao nível da OIT. O facto de Bento XVI o referir tem maior impacto”.

Padre José Augusto Duarte Leitão, responsável da AEFJN-Portugal (Rede África Europa Fé e Justiça)
“[O desenvolvimento] deve ser integral e universal, inclusivo e participativo, subsidiário e solidário, justo e amigo do bem comum, ecológico e sustentável, fundado no amor e na verdade”.

Carvalho da Silva, líder da CGTP
“É útil que Bento XVI tenha referido algumas das preocupações dos sindicatos e trabalhadores, mas esperava mais do Chefe da Igreja católica. O documento também deve ser um recado para os diversos níveis da Igreja católica e para que todos defendam o movimento sindical”.

Henrique Pinto, teólogo e director da Associação CAIS
“A Igreja oferece à globalização e ao momento de actual crise económica e financeira, um elaborado, amplo e importante tratado sobre o desenvolvimento humano integral. Da distribuição da riqueza ao respeito pela vida, do ambiente à urgência de uma reforma da ONU, este trabalho de Bento XVI denuncia com grande actualidade, clareza e rigor a ausência de verdade no ser humano, chamado ao desenvolvimento ou à superação de si mesmo pela prática da “caritas” nascida da verdade inerente ao incondicional reconhecimento do outro”.

Ulisses Garrido, membro do grupo Economia e Sociedade da CNJP e vice-presidente do Fórum pela Paz e pelos Direitos Humanos
“O mundo tem necessidade duma renovação cultural profunda e dum regresso aos valores essenciais. Bento XVI abre caminho para uma nova síntese humanista”.

Encíclica analisada hoje no Funchal
Esta quarta-feira, 15 de Julho, realiza-se às 18 horas, na Igreja do Colégio (Funchal) a primeira de duas conferências sobre a nova encíclica de Bento XVI, Caritatis in Veritate. A iniciativa da Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE) na Madeira contará com a presença do Bispo do Funchal, D. António Carrilho, e terá como orador convidado o padre Mário Rui Pedras, assistente nacional da ACEGE e especialista em doutrina social da Igreja.Para o dia 7 de Setembro está já marcada outra conferência, com o economista e político Bagão Félix. A entrada nos dois eventos é livre.

INTERNACIONAL
CIDSE, rede europeia de organizações católicas para o desenvolvimento
“[Esta encíclica] envia um forte sinal aos líderes mundiais. O Papa afirma que a actual crise financeira mostra que a economia não deveria ser um processo independente da moral e dos sistemas políticos. Centrar apenas no lucro e nos interesses individuais conduziu-nos a consequências viciantes”.

Comunicado da Agência das Nações para apoio dos Refugiados (ACNUR)
“O apelo aos direitos inalienáveis dos imigrantes é de extrema importância num período em que as políticas de combate à imigração ilegal não levam em consideração os direitos humanos do indivíduo e, principalmente, dos refugiados, pessoas que fogem da guerra e da perseguição. Como relembrou Bento XVI, é necessário governar o fenómeno migratório através de políticas que respeitam, em qualquer situação, os direitos da pessoa”.

Cardeal Raffaele Martino, presidente do Pontificio Conselho da Justiça e da Paz
“O que está contido na encíclica já faz parte da política externa da Santa Sé e é o que propomos às organizações internacionais há muito tempo. Apesar de a Igreja não ter soluções técnicas a propor, tem o dever de iluminar a estrada a percorrer”.

Lesley-Anne Knight, secretária-geral da Cáritas Internacional
“A encíclica oferece passos concretos que os políticos deveriam explorar, para nos colocar novamente na estrada do verdadeiro desenvolvimento. A encíclica lembra-nos que a finança e os negócios podem favorecer toda a humanidade, e não apenas os accionistas. Um regresso a um modelo equitativo baseado na responsabilidade comum é primordial para terminar com a diferença entre aqueles que têm muito e aqueles que nada têm”.

Amnistia Internacional
“Num momento em que os migrantes são vistos, muitas vezes, como um problema, é de grande importância o convite do Papa a levar em consideração os direitos que, hoje, estão em risco, devido à crise económica e profissional, e de políticas para a segurança que confundem palavras como migrantes e clandestinos”.

Ettore Gotti Tedeschi, banqueiro e professor de economia italiano que defende a atribuição do Nobel da Economia a Bento XVI
“O insuficiente crescimento económico deve-se à queda da natalidade nos países desenvolvidos (ainda que de modo diferente nos Estados Unidos e na Europa). O Papa Bento XVI foi o único que pôs em relação a crise e a queda da natalidade”.

Santiago Carrillo, ex-líder comunista espanhol
“Bento XVI copia Marx e é um demagogo”

Padre Hans Langendorfer, secretário da Conferência Episcopal Alemanhã, no encontro das 36 Conferências Episcopais europeias
“O papa é optimista e realista ao mesmo tempo, acrescentou Padre Hans. Ele teve a coragem de convidar para uma conversão do desenvolvimento e da mentalidade”.

Encíclica na linha das prioridades de Obama
Logo após a sua participação na 35ª Cúpula do G8, realizada na cidade italiana de L’Aquila, Barack Obama foi recebido no Vaticano, pelo Papa. Depois de ter questionado o presidente dos Estados Unidos da América sobre os resultados do encontro, recebendo uma resposta optimista – “foram muito produtivos”, disse Obama -, Bento XVI ofereceu ao líder da principal potência mundial uma cópia de sua nova encíclica, ‘Caritas in Veritate’, autografada. O presidente dos EUA prometeu que iria “lê-la durante o voo” que efectuou de seguida, com destino ao Gana, no âmbito da sua primeira visita ao continente africano na qualidade de presidente dos EUA. Antes do encontro com o Papa, Obama reuniu-se com o Secretário de Estado do Vaticano, Cardeal Tarcisio Bertone, a quem confidenciou que muitos dos temas contidos nesta nova encíclica estão na linha das prioridades da administração norte-americana.
© 2009 – Todos os direitos reservados. Publicado em 14 de Julho de 2009

Jornalista