Segundo as estimativas da União Europeia, 60% das empresas, das quais 95% são PME, recebem com atrasos, sendo que uma em quatro falências resulta de atrasos de pagamento. 158 milhões de euros poderiam ser poupados em custos de financiamento e o pagamento dentro do prazo poderia contribuir para a criação de 6,5 milhões de postos de trabalho.
POR LUÍS JORDÃO PEREIRA

Nas últimas décadas, a Comissão Europeia fez grandes esforços para combater os atrasos nos pagamentos que provocam insolvências e complicam a gestão financeira das empresas, reduzindo drasticamente a sua rentabilidade e a sua competitividade no mercado. Uma investigação efectuada pela Comissão e publicada num artigo de 2006 revelou os seguintes motivos nos atrasos de pagamento nas transacções comerciais:

– problemas financeiros – 23%
– atrasos de pagamento intencionais – 35%
– ineficiência administrativa – 17%

Na maioria das vezes, os atrasos nos pagamentos na União Europeia não só afectam a liquidez das empresas, como também influenciam o emprego, originando uma situação de falta de contratação de novos trabalhadores ou de demissão dos actuais. As consequências dos pagamentos efectuados após o prazo de pagamento contratual ou legal podem ser muito graves para a economia da União Europeia, causando aproximadamente uma em cada quatro falências e levando à perda de cerca de 450 mil postos de trabalho todos os anos.

Uma primeira tentativa de regular esta área com uma recomendação sobre os prazos de pagamento nas transacções comerciais foi feita em 2000 com a adopção de uma abordagem comum de combate aos atrasos de pagamento através da Directiva 2000/35/CE.

Porém, e em termos cronológicos, as directrizes da União Europeia não foram o primeiro esforço para combater os atrasos nos pagamentos. As sanções por atrasos de pagamento em que é exigido ao devedor o pagamento de juros ao credor são bem conhecidas em todas as legislações europeias. O seu principal objetivo é desencorajar pagamentos atrasados em transacções comerciais por meio da penalização.

Mencione-se ainda que a Convenção das Nações Unidas sobre Contratos para a Venda Internacional de Mercadorias (Viena, 1980) é um documento onde muitas das disposições legais das Directivas da União Europeia sobre pagamentos em atraso podem ser encontradas. É considerado um tratado multilateral de sucesso, destinado a unificar regras tradicionalmente abordadas apenas em sistemas jurídicos nacionais. As regras desta convenção são mais rígidas e potencialmente mais bem sucedidas do que as das Directivas da União Europeia.

Em 29 de Junho de 2000, o Parlamento Europeu e o Conselho adoptaram a Directiva 2000/35/CE relativa ao combate aos atrasos de pagamento nas transacções comerciais. O objectivo da Directiva foi, além de assegurar que o pagamento contratual se tornasse razoável, reduzir os pagamentos em atraso, uma vez que, como se afirmava na introdução do documento, os atrasos nos pagamentos conferem aos devedores uma vantagem financeira adicional que torna ainda mais difícil o lento processo de cobrança de dívidas.

As primeiras medidas de protecção para combater os atrasos de pagamento em transacções comerciais na Directiva 2000/35/CE foram a eliminação da necessidade de uma notificação antes de o pagamento ser considerado atrasado e a fixação da data final do prazo de pagamento em 30 dias, exigindo que os Estados Membros assegurassem o pagamento de juros a partir do dia seguinte à data de pagamento ou do prazo especificado no contrato.

As disposições da Directiva limitavam-se aos pagamentos nas transacções comerciais, não se aplicando às transacções com consumidores nem às taxas de juro. Os prazos de pagamento foram deixados para as legislações nacionais e para as partes no contrato, estipulando apenas as consequências do atraso no prazo fixado pelo contrato ou estipulado por lei, mas prevendo um prazo de pagamento nos casos em que não seja estipulado pelas partes ou pela lei. A Directiva dizia respeito não só às transacções comerciais entre empresas, mas também às transacções entre empresas e órgãos públicos; também se aplicava a empresas públicas.

Após a adopção da Directiva a partir do ano 2000, o prazo médio de pagamento na União Europeia estabilizou-se, mas os diferentes prazos de pagamento nas transacções comerciais permaneceram um grande problema, uma vez que as suas disposições eram brandas e de fraca aplicação. Além disso, estas disposições legais da União Europeia, nesta altura, destinavam-se a combater os atrasos de pagamento nos Estados Membros, mas também a atenuar o problema das transacções transfronteiriças, garantindo direitos mínimos aos credores. Acrescente-se que as diferenças entre as regras de pagamento nos Estados Membros foram tidas, pelo Parlamento Europeu e pela Comissão Europeia, como um obstáculo ao bom funcionamento do mercado interno da União Europeia.

Mais tarde, a Comissão Europeia constatou que os atrasos nos pagamentos em transacções comerciais continuavam a ser um problema na União, em parte devido às deficiências da Directiva 2000/35/CE. A situação era mais problemática nos países do Sul da Europa onde, no período 2000-2010, o prazo para as autoridades públicas pagarem pelos bens e serviços adquiridos variou entre cinco e seis meses. Verificou-se que 60% das PME eram frequentemente pagas com atraso em valores que superavam os 30% do seu volume de negócios.

Em 2007 apenas 21,7% das empresas cumpria os prazos de pagamento a fornecedores em Portugal, o que representava um diferencial de 19 pontos percentuais face à situação na Europa. Especialmente durante o período da crise económica (2008), as consequências negativas derivadas dos atrasos nos pagamentos foram muito mais prejudiciais às empresas devido à dificuldade de acesso a financiamento.

A situação levou a Comissão Europeia a introduzir regulamentações novas e mais rígidas para mitigar as preocupações com pagamentos atrasados. Uma nova Directiva (2011/7/UE) foi adoptada em 16 de Fevereiro de 2011 e pretendia promover uma mudança para uma cultura de pagamentos pontuais, de modo a que todas as disposições foram criadas para desencorajar pagamentos em atraso e impedir o estabelecimento de prazos contratuais de pagamento excessivamente longos. Em 2012 a diferença nos prazos de pagamento entre Portugal e a Europa tinha aumentado para 21 pontos percentuais e apenas 17,6% das empresas cumpriam os prazos acordados.

A Directiva vem então implementar uma série de medidas que podem ser agrupadas em cinco pontos principais:

– É estabelecida uma meta de 30 dias para pagamentos feitos por órgãos do sector público a empresas pela compra de bens e serviços. Em circunstâncias particulares, este limite pode ser aumentado para 60 dias.
– O novo regulamento reconhece a liberdade contratual nas transacções entre empresas, ou seja, as empresas têm de pagar as suas facturas no prazo de 60 dias, salvo acordo em contrário e desde que não seja manifestamente injusto.
– As empresas têm direito a reclamar juros por pagamentos em atraso e a obter compensação pelos custos da sua recuperação.
– É estabelecida uma taxa de “juro de mora legal” definida como uma taxa de juro simples calculada pela soma de pelo menos oito pontos percentuais a uma taxa de referência, sendo proibido às autoridades públicas definir uma taxa de juro mais baixa para pagamentos em atraso.
– Ficam estabelecidos procedimentos de cobrança de créditos indiscutíveis, de modo a que os títulos executivos possam ser obtidos no prazo de 90 dias de calendário desde o início da acção do credor ou do pedido em tribunal.

Até 6 de Agosto de 2014, todos os Estados Membros transpuseram as disposições da Directiva para a legislação nacional. O calendário da sua implementação variou entre os estados Membros da União Europeia. Croácia, Chipre, República Checa, Irlanda, Itália e Malta adoptaram as novas regras em 2012. Seguiram-se em 2013 Áustria, Bulgária, Dinamarca, Grécia, Estónia, Finlândia, Hungria, Letónia, Lituânia, Polónia, Portugal, Roménia, Eslováquia, Eslovénia, Espanha e Reino Unido. Alemanha, Holanda e Suécia adoptaram a Directiva em 2014. A grande maioria dos países seguiu à letra as recomendações da Directiva; França e Estónia, contudo, permitiram prazos de pagamento mais longos para transacções no sector da saúde.

Ao estimular mais disciplina no cronograma de pagamentos dos governos, esperava-se que essas medidas produzissem melhorias substanciais no fluxo de caixa das empresas, que reduzissem custos e que evitassem falências devido ao autofinanciamento limitado. Após a transposição da Directiva Europeia de Pagamentos para a legislação nacional em 2013, verificou-se uma melhoria na percentagem de empresas cumpridoras, ocorrendo uma redução no diferencial com a Europa até 2015. A partir deste ano o diferencial voltou a aumentar, tendo atingido os 27 pontos percentuais em 2020, ano em que apenas 16,4% das empresas pagaram nos prazos acordados, relegando Portugal para a posição de terceiro pior país no cumprimento de prazos de pagamento a fornecedores, apenas ultrapassado pela Roménia e por Israel nesta classificação infeliz.

Segundo as estimativas da União Europeia, 60% das empresas, das quais 95% são PME, recebem com atrasos, sendo que uma em quatro falências resulta de atrasos de pagamento. 158 milhões de euros poderiam ser poupados em custos de financiamento e o pagamento dentro do prazo poderia contribuir para a criação de 6,5 milhões de postos de trabalho.


Referências:

European Commission (1998). Proposal for a European Parliament and Council Directive Combatting Late Payment in Commercial transactions (COM/1998/126), Brussels
European Commission (2000). The Directive 2000/35/EC of the European Parliament and the Council on Combatting Late Payments in Commercial Transactions, OJ L 200
European Commission (2011). The Directive 2011/7/EC of the European Parliament and the Council on Combatting Late Payments in Commercial Transactions, OJ L 48
Mijatović, M. D., & Gongeta, S. (2014). Combatting Late Payments In Commercial Transactions In The European Union. Pravo-teorija i praksa, 31(10-12), 17-29.
Shopovski, J. (2016). Late Payments In Commercial Transactions In The European Union: Are We Getting Better?. Available at SSRN 2805736.
Vukmir, B. (2006). Pecuniary obligations in commercial contracts (Article 174 of the Law of Obligations), Law and Taxes, (April), pp. 3–7


Números referentes a Portugal: Análise Informa D&B

Luís Jordão Pereira

Engenheiro e Economista. Coordenador do programa Compromisso Pagamento Pontual e membro da ACEGE