A economia portuguesa sofre de baixo crescimento, salários reduzidos, grande desigualdade, forte endividamento, fracas produtividade e competitividade. Perante isto, alguns propõem cortar agora cerca de 20% da força laboral, eliminando um dos cinco dias de trabalho semanal. Isto, à primeira vista, é uma ideia desmiolada. Mas, ouvindo pessoas inteligentes e responsáveis dizer disparates, obriga-nos a fazer um esforço para entender a lógica
POR JOÃO CÉSAR DAS NEVES

É importante começar por esclarecer os contornos da proposta. O que está em causa é fechar um dia adicional por semana (uns propõem sexta-feira, outros quarta) na totalidade das empresas, excetuando naturalmente os serviços que funcionam sem paragem. Além disso, é preciso que seja o mesmo dia para todas as atividades, como hoje acontece com o fim-de-semana, evitando os bloqueios, atrasos e confusões gerados por umas operarem com outras fechadas. Este projeto difere de várias alternativas que aparecem misturadas. Quando, por exemplo, alguns funcionários só trabalharem quatro dias, mas as empresas continuarem a funcionar cinco, isso não tem efeitos sistémicos, equivalendo apenas a aumento do salário-horário e dos custos laborais.

Esta clarificação mostra também como fazer “testes pilotos” neste tema é bastante espúrio. Seria tão tolo como alguns experimentarem passar a falar sueco ou conduzir do lado esquerdo da rua. Quaisquer resultados desses ensaios seriam bastante diferentes do efeito que pessoas, empresas e economia sentiriam quando todos adotassem o novo sistema.

A motivação desta redução do número de dias úteis sai naturalmente do espantoso aumento da produtividade nas últimas décadas, que tem levado historicamente a sucessivas reduções das horas de ocupação. Quando os nossos antepassados trabalhavam de sol a sol seis dias por semana, o horário ultrapassava as 70 horas; hoje os contratos falam de cerca de metade, entre 35 e 40. Uma das formas como isso se verificou foi limitando os dias de atividade. No final dos anos 1960 começou-se a falar em Portugal da “semana inglesa”, não trabalhando no sábado à tarde. Vinte anos depois, por volta da entrada na CEE, o fim-de-semana passou a ter dois dias completos, que agora se quer estender a três.

Compreendendo a justificação, vê-se imediatamente que Portugal devia ser o último país europeu a adotar essa medida. Com o produto por trabalhador mais baixo da União, junto com a Grécia e a grande distância dos demais, somos obrigados a labutar mais horas que a maioria. Segundo a OCDE, em 2019, antes da perturbação pandémica, Portugal era o quarto país da Comunidade com mais horas anuais por trabalhador (atrás de Grécia, Chéquia e Polónia). Sendo assim, começar a experiência por cá não faz nenhum sentido. Que países mais ricos e eficazes comecem, e nós depois logo veremos.

Aquilo que, surpreendentemente, anda omisso das discussões, é a redução drástica da produção que o país sofreria com essa medida. Quando os portugueses trabalhassem quase menos um quinto do que hoje trabalham, a quantidade de bens e serviços produzidos e, consequentemente, o bem-estar nacional, desceriam fortemente. É verdade, como os defensores alegam, que a produtividade subiria, mas por más razões. Aumento saudável de produtividade é obter mais com o mesmo trabalho, não reduzir menos o produto que o emprego, o que representaria decadência. Assim, à segunda ou terceira vista, a proposta é tão desmiolada como à primeira.

Por que razão a ideia continua a germinar? Claro que existem muitas empresas em Portugal altamente produtivas e competitivas que, como nos países ricos, podem perfeitamente adotar já uma semana de quatro dias sem dificuldades. O nosso problema é que essas representam uma minoria e, para todo o resto, o efeito da descida do emprego seria devastadora.

O que isto quer dizer é que, aplicando a sério a semana de quatro dias na economia portuguesa, iríamos reduzir o produto, atrasar o progresso, piorar a competitividade e agravar a desigualdade. Isso favoreceria apenas um punhado de atividades de alta produtividade, ou todas aquelas que, pagas por impostos, não se preocupam com a produtividade.

Esta constatação revela, finalmente, o mistério da origem da proposta. Porque esta circunstância de sacrificar o bem comum a favor de alguns até nem é assim tão estranha. Há 25 anos que sucessivas políticas de vários governos têm sido meras variantes da mesma orientação, beneficiado os privilegiados à custa da dinâmica da economia. Pensões de reforma, salários públicos, subsídios e tantas outras regalias, pagas com a descapitalização do Estado e das empresas, constituem exemplos paralelos da semana de quatro dias. Foi assim que chegámos à situação de apatia produtiva, endividamento esmagador e forte desigualdade que hoje nos carateriza.

É bom lembrar que, em todos os casos, essas propostas ruinosas vinham sempre justificadas com excelentes argumentos retóricos. O que confirma uma velha regra: saber um bocado de economia é muito pior do que não saber nada.

Economista, professor catedrático na Universidade Católica e Coordenador do Programa de Ética nos Negócios e Responsabilidade Social das Empresas