Vivemos rodeados de mapas, metas e métricas. Mas e se o verdadeiro caminho passasse por se perder? Por sair da rota e escutar o que o silêncio — e a floresta — têm para ensinar? Talvez a liderança mais corajosa seja aquela que começa com um passo fora do trilho. É que por vezes é precisamente num espaço de aparente desorientação que reencontramos o propósito — esse sol interior que dá sentido ao nosso lugar no mundo e nas organizações
POR PEDRO LOUPA

Vou propor-lhe um desafio no início deste artigo. Não se assuste, não há regras (ufa!), embora sim algumas recomendações. Não vá pensar que sou outro guru desses que vêm dizer-lhe como viver a sua vida enquanto fazem yoga sobre um iate.

Imagine-se no meio da natureza. Não num parque urbano com wi-fi e bancos de madeira reciclada. Mas naquela natureza profunda, quase selvagem, onde o silêncio não é apenas ausência de ruído — é presença. Uma presença que impõe respeito. Que às vezes assusta. Assusta porque lembra que somos pequenos, frágeis… e, se estiver na Índia, talvez até um McMenu ambulante para um tigre de Bengala. Convenhamos: entre tanto snack processado e vida sedentária, não somos o prato mais saudável — mas, para o tigre, provavelmente ainda servimos.

Tranquilize-se. Vamos regressar a um lugar mais seguro. Aquele onde o vento acaricia, o rio murmura e o sol da tarde lhe aquece a pele. Está aí. A respirar. A sentir. O que emerge nesse instante? Medo? Paz? Angústia? Alívio? O que sobra quando o barulho de fora se cala?

Olhe à volta. Vê caos? Conflito? Ou uma dança — desajeitada, talvez, mas harmoniosa? Cada espécie, por mais pequena ou irritante (sim, até o mosquito que arruina o entardecer), cumpre um papel essencial para o equilíbrio do ecossistema. A natureza não elimina o que a incomoda: integra-o. Ajusta-se. Aprende. Regula-se. E tudo se sustenta graças a um fluxo invisível, uma energia que conecta todas as partes.

O sol do ecossistema organizacional

Na natureza, essa energia pode ser o sol. Mas se olharmos para as organizações humanas… o que ocupa esse lugar central? O CEO? Os fundadores? Os investidores?

Não. É o propósito.

O propósito é esse “sol” que sustenta o ecossistema. É o que dá sentido, o que conecta as partes, o que une os “mosquitos” e os “tigres” numa visão comum — ainda que cada um cumpra uma missão distinta.

O que a natureza nos pode ensinar sobre cultura organizacional

Nas minhas sessões de mentoria — especialmente as que acontecem a caminhar por florestas reais (sim, reais, não por trilhos de um jardim urbano) — há algo de fascinante no que emerge. A palavra sobra. Não faço grandes intervenções. Só caminhamos. Como se o bosque tivesse pequenos duendes — metafóricos ou talvez não — que sussurram respostas ao ouvido dos mentorados. E as respostas aparecem. Não por magia, mas por conexão: com o ambiente, consigo mesmo, com o essencial.

Eu só acompanho. Sou o guia na floresta. Mas, na verdade, é a floresta quem nos guia.

E aqui entra a provocação: e se olhássemos para as nossas organizações como olhamos para um ecossistema vivo? Sobreviveriam? Ou desabariam como castelos de cartas com muito branding e pouco sentido?

Num ecossistema real, tudo tem uma função. Ninguém é irrelevante. E quando algo se desliga da sua essência, o sistema sente. Por isso, quando o propósito de uma organização é apenas uma frase redigida por um copywriter inspirado em Pessoa (ou, vá, pelo ChatGPT com aspirações poéticas), é natural que a cultura não floresça. Porque o propósito não é um slogan — é uma pulsação. É o “para quê” que une, que orienta, que vitaliza.

Quando cada pessoa se alinha com esse pulsar — o da organização e o seu próprio — o que emerge é coerência, pertença, vida.

Se é uma “formiga” e sente que o propósito não o nutre… talvez esteja na hora de caminhar esses 10 km diários e procurar o seu verdadeiro ecossistema.

Um bom exemplo contrário? A [empresa] Patagonia. Lá, o propósito não é marketing: é prática. Está nas decisões, nos materiais, nas formas de operar. Eles não falam apenas da natureza — escutam-na. E, a partir daí, constroem a sua cultura.

A natureza dá-nos pistas. Mostra-nos como funciona um sistema vivo. Sussurra-nos — quando a ouvimos — que não se trata de competir, mas de coexistir. Não de sobreviver, mas de integrar.

E agora, algumas perguntas

Em que parte do ecossistema está?
Reconhece-se como parte viva do sistema — ou apenas sobrevive nele?
Está alinhado com o propósito que sustenta o ambiente à sua volta? E com o seu próprio?
Atrever-se-ia a sair do mapa para se encontrar?

Será que conhece mesmo o seu propósito?
E o da sua equipa?

Eu sou apenas o guia. Estou por aqui, caso queira explorar.
Mas a floresta… ah, a floresta ainda tem muito mais para lhe dizer.

Catalisador de Liderança Humana e Consciente. Autor do livro “12 Passos para Ser um Líder Consciente”. Fundador da HumanityE, mentor e conferencista internacional, guia líderes e organizações na criação de ecossistemas humanos onde a tecnologia serve a alma, a liderança é um ato sagrado e o trabalho se torna arte coletiva.

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