Neste momento, a expetativa é que o plano de vacinação resulte e que o próximo inverno, no final de 2021, seja menos cruel que o atual. O dia da primeira vacina e a identidade do primeiro vacinado não passarão de curiosidades na história; verdadeiramente importante será o dia em que pudermos dar por terminada a pandemia. É por aí que se faz o caminho, rumo ao futuro, sem deslumbre pelo presente. Até lá, tentamos não ceder ao cansaço e desânimo

POR MIGUEL CASTANHO

Não há caminho, faz-se caminho ao andar – assim cantou o poeta António Machado e o combate à pandemia de COVID-19 no ano que findou não foi exceção. As expectativas quanto ao desfecho da pandemia evoluíram com a própria pandemia e essas expectativas, por sua vez, ditaram o curso dos nossos comportamentos. Numa primeira fase, foi a esperança de que a pandemia não batesse à porta da Europa; numa segunda fase, que se desvanecesse rapidamente; depois, que chegasse uma vacina milagrosa; finalmente, a estupefação de uma segunda vaga avassaladora, concomitante com a aprovação das primeiras vacinas. Neste momento, a expetativa é que o plano de vacinação resulte e que o próximo inverno, no final de 2021, seja menos cruel que o atual. Até lá, tentamos não ceder ao cansaço e desânimo.

De todo o caminho percorrido fica um novo olhar dos portugueses sobre a investigação científica. Tipicamente discreta e recatada, nunca a atividade de investigação científica foi tão exposta, tão avidamente acompanhada pelo público e tão interpelada. Enquanto o mundo político fazia recair sobre o desenvolvimento de vacinas a solução para o problema (em detrimento de medicamentos e testes inovadores, por exemplo), o desenvolvimento de vacinas ganhou o estatuto de uma corrida e o mediatismo de uma competição, como se o importante fosse criar a primeira vacina, não a melhor. A investigação é uma viagem no desconhecido e a capacidade de prever o futuro, limitada. A vacina em testes mais adiantados no início da pandemia não terminou os testes clínicos no verão, conforme inicialmente previsto, e a vacina que liderava a corrida foi retardada, não sendo a primeira a ser aprovada. Para agravar as imponderabilidades, no final de 2020 surgiu, no Reino Unido, uma nova estirpe do SARS-CoV-2 de grande infecciosidade. 

Alguns pontos-chave da ação das vacinas são desconhecidos, como a eficácia específica nas faixas etárias mais elevadas e o efeito sobre a capacidade dos vacinados contagiarem outras pessoas. Mais importante ainda para o futuro, é necessário ter em conta que a vacinação só resultará coletivamente quando a maior parte da população adquirir imunidade. Contando com a eficácia média das vacinas e o ritmo previsto para o plano de vacinação, não contamos atingir este ponto antes do Outono de 2021, numa perspetiva otimista. Só no inverno de 2021 saberemos realmente se o plano de vacinação resultou.

Independentemente do vórtex mediático que se tem mantido desde o início desta pandemia, em investigação científica o futuro é sempre mais importante que o passado: não conta como tudo começa; verdadeiramente importante é como acaba. O dia da primeira vacina e a identidade do primeiro vacinado não passarão de curiosidades na história; verdadeiramente importante será o dia em que pudermos dar por terminada a pandemia. É por aí que se faz o caminho, rumo ao futuro, sem deslumbre pelo presente.

Professor Catedrático no Instituto de Bioquímica da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa