Como podemos olhar de forma positiva para o Ano Novo? Não é fácil: 2024 começou mal e 2025 um bocado pior. Em Portugal tínhamos então um governo de gestão e agora um governo minoritário, com todos os poderosos sacrificando o interesse nacional à ânsia eleitoralista. No mundo, as guerras pioram, as sociedades dividem-se, as democracias enfraquecem e os líderes irresponsáveis aumentam. Vivemos tempos sombrios, e as trevas ainda se vão agravar, ninguém sabe quanto e até quando, antes de as coisas melhorarem. Será possível considerar esta situação com confiança? A resposta é afirmativa a três níveis de crescente importância
POR JOÃO CÉSAR DAS NEVES
O primeiro é uma análise objetiva da circunstância. Os problemas são muitos e graves, mas a causa de todos eles, tão diversos e em locais tão longínquos, é a mesma. Tudo o que sofremos advém, em última análise, de uma das forças mais destruidoras da civilização: o medo.
A humanidade vive uma das épocas de maior progresso e transformação da sua história. Na tecnologia, geoestratégia, finanças, medicina e múltiplas outras áreas, surgem continuamente novidades revolucionárias que abrem possibilidades antes inimagináveis. Se isso traz muitas vantagens reais e potenciais, também cria incerteza, insegurança, abana as bases em que nos fundamos e aumenta o grau geral de ansiedade. Hoje, mesmo nas atividades mais sólidas, ninguém sabe o dia de amanhã. A consequência é a perda de confiança nos poderes tradicionais, a subida da demagogia, do extremismo e da agressividade. Vendo bem, podemos reconduzir a este elemento quase todos os dramas que nos assombram.
Olhando desta forma, ressalta logo que a realidade é muito mais ambígua do que parece. Afinal, os problemas são simplesmente a outra face dos grandes desenvolvimentos. O quadro só é sombrio porque tendemos a esquecer os ganhos e a atender aos custos, mas há que admitir que as grandes sombras que nos cobrem são o efeito lateral de grandes luzes que se levantam.
Apesar disso, não é fácil estar otimista nestes momentos de encruzilhada. As épocas antigas de grande transformação também suportaram grandes angústias, que só floresceram após graves confrontos e sofrimentos para reequilibrar a situação. Não é fácil ser otimista, mas isso não impede que se tenha esperança. Porque a esperança não depende dos contornos da realidade, mas da forma como se olha para eles. A esperança surge em qualquer enquadramento, como resultado de duas certezas que nenhuma transformação pode abalar.
A primeira é que o juiz do mundo não é o sucesso, mas o amor. As forças dominantes da realidade não são a riqueza, a fama ou o poder, mas a misericórdia, a humildade e o serviço. Aquilo que realmente conta na nossa vida, aquilo que fica quando tudo acaba, não é uma vida prazenteira, uma carreira recompensadora ou uma obra abundante, mas a felicidade que se espalhou nos próximos. Esta mudança de perspetiva não é fácil e choca de frente com a mentalidade dominante, a qual, aliás, já mostrou a todos o seu falhanço. Mas, apesar de não ser fácil olhar a vida desta forma, isso depende apenas de nós.
O terceiro nível, ligado à segunda certeza que fundamenta a esperança, esse já não depende de nós. É algo que vem de fora. Todos nós, com a sabedoria dos antigos, éramos capazes, com bastante esforço e de forma muito imperfeita, descobrir a superioridade do amor face ao sucesso. Um punhado de sábios, distribuído por todas as culturas, chegou, pelo menos parcialmente, a essa certeza. Mas nenhum de nós poderia, por si, descobrir aquilo que só soubemos porque nos foi anunciado. Algo que surgiu há 2025 anos e justifica o ano jubilar que agora começa: o Amor criou o mundo e não o abandonou, mesmo quando o sucesso o perverteu. O próprio Amor veio ao mundo, fez-se carne e habitou entre nós. E apesar dos ricos, famosos e poderosos terem morto o Amor, Ele ressuscitou ao terceiro dia e está connosco até ao fim dos tempos.
Por isso há 2025 anos que todos os anos, por mais sombrios que pareçam, são positivos. Positivos na realidade ainda frágil, mas, sobretudo, positivos na esperança que nada abala.
Economista, professor catedrático na Universidade Católica e Coordenador do Programa de Ética nos Negócios e Responsabilidade Social das Empresas