A aceleração dos impactos humanos sobre o clima, que se traduz já em verões particularmente longos, períodos de seca extensos, inundações e furacões mais severos e uma temperatura global que atinge recordes a cada ano que passa, concede máxima urgência a uma “descarbonização profunda”. É por este motivo que internalizar na mentalidade dos agentes económicos a necessidade de mudança de paradigma de longo prazo para os nossos sistemas energéticos, de transportes, alimentares, assim como para o nosso ordenamento do território ou as nossas cidades, constitui o principal desafio “pós-Paris”
POR PEDRO MARTINS BARATA

“Impossible isn’t a fact, it’s an attitude”, Christiana Figueres disse-o por diversas vezes. Ao longo de 21 anos, muitas Cassandras prognosticaram o fim do processo de negociação de um regime internacional de combate às alterações climáticas. Ao fim de 21 anos, a comunidade internacional acerta finalmente o passo pela opinião pública internacional e logra construir um regime flexível, sem dúvida mais ligeiro do que o anterior regime do Protocolo de Quioto, mas sem dúvida mais abrangente e mais duradouro.

As Cassandras não deixam contudo de ter razão – perderam-se vinte e um anos de compromisso internacional, justamente aqueles anos em que a aceleração da globalização e o crescimento rápido das trocas comerciais internacionais levaram a um aumento sem precedentes na exploração dos combustíveis fósseis no planeta. Paris contudo coloca em questão todo esse tipo de crescimento. Não directamente através das contribuições ou metas nacionais inscritas para já no acordo: estas são manifestamente insuficientes conforme foi reconhecido mesmo na própria Cimeira; mas através de dois tipos de mecanismo que coloca em vigor: a transparência internacional – o facto de todos os compromissos dos diferentes países serem escrutinados pela opinião pública, e o facto de o escrutínio desses compromissos se centrar na sua compatibilidade com trajectórias que evitem os maiores impactes das alterações climáticas. E temos uma referência: na segunda metade do século, o mundo deverá atingir as emissões zero, a total descarbonização do planeta.

Daí falar-se actualmente em “descarbonização profunda”, a ideia de que não nos servem apenas mudanças relativamente lentas e cosméticas nos sistemas económicos, mas a de que a emissão de gases com efeito de estufa deve ser eliminada e como tal um conjunto enorme de actividades humanas devem ser repensadas à luz desse imperativo. A aceleração dos impactes humanos sobre o clima, que se fazem já sentir em verões particularmente longos, períodos de seca extensos, inundações e furacões mais severos e uma temperatura global que atinge recordes a cada ano que passa concede máxima urgência a essa descarbonização.

[quote_center]O desafio de Paris é um desafio tecnológico, mas também de cidadania[/quote_center]

Daí decorre o principal desafio que se coloca pós-Paris: o internalizar na mentalidade dos agentes económicos a necessidade de mudança de paradigma de longo prazo para os nossos sistemas energéticos, de transportes, alimentares, assim como para o nosso ordenamento do território ou as nossas cidades. Um exemplo recente: a China decidiu, também por imperativos climáticos e económicos, suspender a construção de centrais em carvão no país. Leu bem: suspender a construção. Porquê? O volume de capacidade em construção ameaça por um lado ficar obsoleta com a progressão dramática das renováveis no país, e as populações locais, mesmo numa nação com ainda pouca democracia interna, já manifestaram claramente a sua oposição a mais centrais, dados os impactes imediatos na saúde pública. Outro exemplo recente: a nível mundial, a construção de capacidade de produção eléctrica renovável superou, pela primeira vez, a capacidade não renovável. Países como Portugal, Dinamarca ou Suécia atingiram recordes de utilização das suas energias renováveis. Tudo isto enquanto nos Estados Unidos entram em comercialização proximamente dois modelos de automóveis eléctricos “for the rest of us”: o Chevy Bolt e o Tesla modelo 3.

O desafio de Paris é portanto um desafio tecnológico, mas também um desafio de cidadania. Enquanto a atitude de muitos agentes em Portugal for o típico wait and see do seguidores e não dos líderes, o País continuará, em áreas-chave da descarbonização, a perder oportunidades de se reposicionar enquanto pólo de inovação e criatividade. É por isso que é necessário activar a cidadania dos portugueses, exigindo políticas que dêem os sinais correctos sobre o caminho a traçar nos próximos vinte anos, criar espaço para a inovação na descarbonização (nos sectores dos transportes, na mobilidade inteligente, nos “smart grids”). O papel do tecido empresarial português, desde a maior empresa até à startup mais pequena, irá ser crucial.

O dia 4 de Novembro não representa apenas o começo formal de um novo regime climático. É sobretudo o começo, espera-se, de uma nova era de relações internacionais e acção global rumo à descarbonização. O nosso planeta merece. Continua a ser a nossa única Casa Comum.

Pedro Martins Barata, membro do Expert Adisory Group SBTi Net Zero Standard, co-presidente do Painel de Peritos da Task Force para o Mercado Voluntário de Carbono e Partner da Get2c