Portugal é o país da UE com menor número de filhos por mulher, e para garantir a renovação geracional precisa aumentar, para o dobro, esta média. O PSD nomeou uma Comissão para elaborar um conjunto de propostas de incentivo à natalidade, que dá ênfase aos benefícios na área fiscal, mas face à “necessidade de estabilidade financeira”, o líder do partido não se compromete com a concretização de uma estratégia nacional sobre esta matéria, no curto prazo
POR GABRIELA COSTA

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“Não deixaremos de ter em conta as propostas da comissão da natalidade quando olharmos para o código do IRS”. Foi com esta garantia, de que a política de natalidade será articulada com a reforma do código do IRS (a qual será apresentada, esta sexta-feira, à ministra das Finanças), que Pedro Passos Coelho reforçou, a 15 de Julho, no Porto, a determinação do Governo em catalisar o “entendimento e compromisso” de todos para a resolução dos problemas estruturais que Portugal enfrenta nesta matéria.

Para o primeiro-ministro, é urgente “conseguir unir os agentes sociais, os agentes económicos e os agentes políticos” para encontrar saídas conjuntas para as questões demográficas e para o desemprego, através “de uma estratégia que seja verdadeiramente nacional”.

Discursando na qualidade de presidente do PSD, durante a apresentação, no Auditório da Alfândega do Porto, do primeiro relatório da Comissão Independente para uma Política de Natalidade para Portugal – a qual foi lançada no encerramento do Congresso Nacional do partido, em Fevereiro, tendo em vista a constituição de uma equipa, presidida pelo professor Joaquim Azevedo, para estudar um conjunto de medidas que conduzam a uma inversão de tendência a médio prazo em matéria de natalidade, em articulação com “a visão de todos os outros partidos para este problema” –, Passos Coelho admitiu, contudo, que as medidas agora apresentadas não podem ameaçar a estabilidade financeira do país.

“Não sei a consequência orçamental e fiscal destas medidas. Teremos que encontrar também alternativas que possam acomodar estes impactos. Sabemos que temos enquanto sociedade um objectivo relevante, que é garantir a estabilidade. Se não, não há políticas de natalidade que nos valham”, rematou. Apesar da dimensão do problema demográfico que Portugal enfrenta no que toca ao envelhecimento progressivo da população, o líder do PSD não se compromete com a concretização desta estratégia para a natalidade, pelo menos no curto prazo.

No total foram definidas 29 medidas, distribuídas por sete eixos de actuação, da área fiscal ao emprego, educação, saúde ou solidariedade. Segundo a própria Comissão (que também sublinha não ter feito previsões sobre o impacto financeiro das medidas que propõe, matéria que ultrapassa a sua competência), a proposta centra-se “na criação de apoios inequívocos para os casais que querem ter filhos”, diminuindo os obstáculos que fazem com que haja uma discrepância significativa entre o número de filhos desejado e o real.

E a realidade, segundo o Inquérito à Fecundidade (IFEC) 2013, realizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), é que actualmente as mulheres portuguesas têm, em média, apenas um filho. E a intenção e o desejo de ter famílias numerosas não existe na esmagadora maioria da população: em média, os casais planeiam vir a ter 1,8 filhos e consideram que o número ideal de filhos numa família é 2,3.

Apesar de mais de 85% das mulheres e homens apontarem o desejo de “ver os filhos crescerem e desenvolverem-se”, a “realização pessoal” e a possibilidade de “ver a família aumentar” como as principais razões subjacentes à decisão de querer ter filhos (tanto entre casais que já eram pais, como entre os que ainda não têm filhos), certo é que a substituição de gerações está efectivamente em risco: Em 2013, as mulheres tiveram, em média, 1,21 filhos em Portugal. Mas para assegurar a renovação geracional seria necessário que tivessem tido, pelo menos, 2,1 filhos.

É neste contexto que a promoção da natalidade deverá ser uma prioridade europeia nos próximos cinco anos, como já na última semana de Junho o líder do PSD tinha sugerido, afirmando que iria propor isso mesmo no Conselho Europeu. Na sua opinião, expressa em declarações à imprensa, “esta questão tem uma dimensão que não é estritamente nacional”, sendo necessários “instrumentos à escala da União Europeia para actuar em matéria de natalidade”, os quais ultrapassam os aspectos de natureza fiscal e orçamentais (relacionados com a obtenção de fundos europeus) abrangendo também a legislação laboral.

Evolução da população portuguesa: 1991- 2013 (INE)

Mais justiça fiscal, mais filhos
Uma das áreas em maior destaque no Relatório apresentado pela Comissão do PSD é a da fiscalidade. Desde logo, propõe-se a redução de 1,5% no IRS para o primeiro filho e de 2% para o segundo, e seguintes. É apontado que estas reduções incidam directamente sobre as taxas previstas na tabela de IRS, não ultrapassando 1760,72 euros por dependente, em cada ano. O objectivo é caminhar para uma redução progressiva, ao longo dos próximos 5 anos.

Sobre esta matéria, vale a pena referir que cada vez menos portugueses têm arriscado a ter famílias com três ou mais filhos. Comparativamente ao Censos de 2001, que registou 250 mil famílias numerosas, as quais representavam 7% do total de famílias no País, o último Censos, realizado em 2011, assinalou a existência de 150 mil famílias numerosas, representando 4,8% do total.

“A promoção da natalidade deverá ser uma prioridade europeia nos próximos cinco anos” – Pedro Passos Coelho

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Agora, a Comissão de peritos que preparou o dossier de incentivo à natalidade propõe que a taxa do imposto passe a depender do número de filhos, a exemplo do que está definido na proposta da Comissão do IRS, mas com mais vantagens para as famílias. O objectivo é substituir o actual sistema de quociente conjugal pelo de quociente familiar, numa aproximação ao modelo francês.

Na prática, com esta medida os filhos passariam também a ser considerados no apuramento do rendimento colectável que é sujeito à taxa e aos escalões de IRS. Deste modo, as despesas com saúde, educação e habitação seriam atribuídas “per capita”, incluindo todos os membros do agregado familiar. Os peritos sugerem que as deduções à colecta de despesas passem a ser atribuídas individualmente, pelos montantes actualmente em vigor.

Adicionalmente, recomenda-se que a possibilidade de deduzir despesas de saúde e educação passe a ser extensível aos avós, que cada vez mais, perante a crise económica e o desemprego, suportam encargos com os netos.

Por outro lado, as famílias de mais baixos rendimentos, que não têm colecta de IRS suficiente para abaterem as deduções, beneficiariam igualmente deste desconto, através de um crédito de imposto concedido por via de um “cheque” do IRS no valor dessas deduções.

Outro benefício fiscal, este dedicado às famílias numerosas, diz respeito à redução do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) para os agregados familiares com três ou mais filhos. A Comissão propõe que se recupere uma proposta que o PSD chegou a apresentar na Assembleia da República, e da qual desistiu entretanto. Nas mesmas condições, é aconselhada a diminuição do valor do Imposto sobre Veículos (ISV) para viaturas com lotação superior a cinco lugares, essenciais para famílias numerosas. Sugere-se também que o Governo promova acordos com as seguradoras para reduzir o valor destes contratos.

A nível fiscal, os onze peritos do grupo de trabalho liderado pelo professor da Universidade Católica defendem ainda que a Taxa Social Única suportada pelas famílias no salário das empregadas domésticas possa ser dedutível no IRS. Finalmente, os vales sociais atribuídos pelas empresas aos seus trabalhadores, para serviços educativos (amas, creches e escolas, ATL, actividades extracurriculares, centros de estudo), medicamentos e vacinas, transportes, vestuário e transportes, devem passar a estar isentos de IRS e de TSU, conclui a Comissão.

Os incentivos à natalidade são defendidos por cerca de 94% das mulheres e 92% dos homens que participaram no Inquérito à Fecundidade, incluindo os que não querem vir a ter filhos. E a medida de incentivo referida como “a mais importante” foi precisamente “aumentar os rendimentos das famílias com filhos”, através da redução de impostos e do aumento das deduções fiscais.

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Flexibilidade no trabalho para os pais
Já a medida de incentivo à natalidade apontada como a segunda mais importante no inquérito realizado pelo INE e pela FFMS foi “facilitar as condições de trabalho para quem tem filhos, sem perder regalias”.

Ora, na área laboral, a Comissão nomeada por Passos Coelho propõe a possibilidade de a mãe ou o pai serem substituídos, depois da licença parental, e durante um ano, por um trabalhador desempregado contratado em part-time, pago a 100%; a redução até quatro horas do horário de trabalho, para pais de filhos até aos seis anos, com um corte mais baixo no salário; o apoio à contratação de grávidas e de mães e pais com filhos até aos três anos, com isenção de TSU; a partilha flexível e em simultâneo da licença parental; e o alargamento da aplicação dos vales sociais (isentos de IRS e TSU, como referido) nas despesas com filhos.

Além das propostas na área fiscal e do emprego, a Comissão para a Política da Natalidade em Portugal nomeada por Passos Coelho defende uma redução do custo de vários serviços essenciais, incluindo a redução do preço das creches, um maior acesso à saúde e descontos nas facturas da luz, da água e nos transportes públicos,com o objectivo de aliviar os encargos das famílias numerosas.

Na Educação, o relatório defende a “revisão dos critérios de comparticipação dos custos das creches, atendendo à dimensão da família”. Estes equipamentos escolares devem flexibilizar horários, considera-se também. Por outro lado, é recomendada a diminuição da despesa com materiais escolares, bem como a consagração da prioridade aos irmãos na inscrição nas escolas, o que já é prática em algumas.

No acesso à Saúde, os peritos da Comissão defendem a atribuição obrigatória de médico de família a todas as mulheres grávidas, o que surpreendentemente não está ainda hoje garantido, e a prestação também obrigatória de cuidados de saúde nos primeiros seis anos de vida das crianças.

É sugerida a alteração do critério de cálculo dos rendimentos que determina a isenção de taxas moderadoras, de modo a que o número de filhos conte para esse cálculo, o que não sucede actualmente. Os “medicamentos específicos” no âmbito da infertilidade deverão, no futuro, ser comparticipados a 100%, ao mesmo tempo que se alarga a idade de tratamentos para a infertilidade até aos 42 anos e se reforça a capacidade dos centros dedicados a este problema, conclui o relatório.

Por último, as medidas elaboradas com vista a incentivar a natalidade em Portugal integram um compromisso social que abrange propostas que permitiriam reduzir os custos de serviços essenciais, sobretudo para as famílias numerosas (com três ou mais filhos).

Defendendo a aplicação de tarifários familiares de água, resíduos e saneamento que tenham em consideração o consumo per capita, para efeitos de atribuição do escalão, e condições mais vantajosas na aquisição de passes nos transportes em função da dimensão da família, a Comissão sugere ainda a criação de bancos de recursos (de livros, material desportivo, etc.) e a certificação das “Organizações Amigas da Criança e da Família”.

Num país que é um dos mais envelhecidos do mundo e que apresenta a menor taxa de natalidade da Europa a 28, a temática volta a estar na agenda. Mas a agenda é de papel, pelo que resta aguardar até que ponto, e face aos constrangimentos orçamentais e fiscais sublinhados por Passos Coelho na apresentação desta iniciativa do PSD, estas medidas irão ser implementadas, na prática, permitindo a necessária “prioridade nacional” traduzida, por ora, num conjunto de recomendações.

“Por um Portugal amigo das crianças, das famílias e da natalidade (2015-2035)”

Medidas para uma política de inversão

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Na sequência das várias opções estratégicas que estudou, a equipa de peritos da Comissão Independente para uma Política de Natalidade para Portugal apresenta um conjunto ponderado de 29 medidas em várias áreas, que servem de base a uma política de promoção da natalidade em Portugal. Alertando para a necessidade de prosseguir uma estratégia integrada que tenha em conta todas estas medidas, o grupo de trabalho defende que, face “à complexidade do fenómeno social aqui em apreço, a inversão da situação actual requer a consideração de um conjunto articulado, transversal e coerente de medidas de política”, bem como a discussão aprofundada nos diversos quadrantes da sociedade, sobre um problema “que a todos diz respeito”:

EIXO POLÍTICO:
1. Colocar as crianças, as famílias e a natalidade como prioridade na agenda política em Portugal e na Europa;
2. Construir um compromisso social e político para a natalidade;

EIXO JUSTIÇA FISCAL
1. Redução de 1.5% na taxa de IRS para o primeiro filho e de 2% para o segundo descendente e seguintes, relativamente a cada escalão;
2. Revisão da forma de apuramento das deduções à colecta de IRS e respectivos limites, sob o lema “cada filho conta”;
3. Deduções à colecta de despesas de saúde e educação por avós;
4. Alterações do IMI permitindo aos municípios a opção pela redução da taxa a aplicar em cada ano, tendo em conta o número de membros do agregado familiar;
5. Redução da taxa de ISV a agregados familiares com três ou mais dependentes;
6. Abatimento ao rendimento líquido global da Segurança Social suportada pela entidade patronal de serviços de apoio doméstico.

EIXO HARMONIZAÇÃO RESPONSÁVEL TRABALHO-FAMÍLIA
1. Possibilidade de substituição da mãe durante um ano, após o período de licença parental;
2. Part-time de um ano, posterior à licença parental, pago a 100%, com substituição do pai/mãe por um trabalhador desempregado;

3. Apoio à contratação de mulheres grávidas, mães e pais com filhos ate aos 3 anos de idade, através da isenção da TSU;
4. Partilha flexível e em simultâneo da licença parental;
5. Alargamento do âmbito de aplicação / utilização dos vales sociais.

EIXO EDUCAÇÃO E SOLIDARIEDADE SOCIAL
1. Flexibilização dos horários das creches;
2. Revisão dos custos com creches;
3. Prioridades nas escolas para irmãos;
4. Diminuição da despesa com manuais escolares.

EIXO SAÚDE
1. Cuidados de saúde na gravidez e nos primeiros seis anos de vida e atribuição obrigatória de médico de família a todas as mulheres grávidas;
2. Alargamento do apoio médico em situações de infertilidade;
3. Alargamento do acesso às taxas moderadoras.

EIXO COMPROMISSO SOCIAL
1. Dinâmicas integradas locais de apoio às crianças e às famílias;
2. Apoio à melhoria de processos e certificação de “organizações amigas da Criança e da família”;
3. Tarifários familiares de água, resíduos e saneamento;
4. Criação e desenvolvimento de “Bancos de Recursos” ao serviço das crianças e das famílias;
5. Ocupação de tempos de férias e pós-escolares;
6. Passe-estudante e passe-família para transportes públicos;
7. Apoio à contratação de técnicos para instituições sociais que apoiam grávidas.

FACILITADOR
1. Criação e desenvolvimento do Portal Família;
2. Campanha de informação sobre as causas de infertilidade.

Jornalista