Arrancou ontem a acção REPARAR, iniciativa de voluntariado empresarial promovida pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa com o objectivo de beneficiar, com pequenos arranjos, 25 casas de pessoas idosas utentes do seu Serviço de Apoio Domiciliário. Até ao dia 30 deste mês, colaboradores da Galp, EDP, Delta, Auchan e Montepio, entre outras empresas, arregaçam as mangas e deitam mãos à obra, para pintar, consertar, organizar ou limpar áreas das habitações dos idosos carenciados que residem nos bairros históricos da capital, quase sempre isolados e sem rede familiar
POR GABRIELA COSTA

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Enquadrado no Ano Europeu do Voluntariado, o projecto REPARAR arranca nesta segunda quinzena de Junho com a sua primeira acção, reunindo equipas de trabalhadores de um conjunto de empresas convidadas pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) a aderir à iniciativa, no âmbito das suas estratégias de RS. A ideia nasceu da preocupação da instituição com o “retrato de exclusão social e vulnerabilidade” que caracteriza os utentes do seu Serviço de Apoio Domiciliário – cerca de três mil idosos carenciados.

Regra geral, estas pessoas “não possuem rede familiar, levam uma vida solitária, social e emocionalmente isolada e residem sozinhas em habitações degradadas e com pouco conforto”, particularmente nas zonas histórica e central de Lisboa: as freguesias da Sé, Santa Catarina, Socorro, São João, Anjos, São Jorge de Arroios, Coração de Jesus, São José, Prazeres, Santo Condestável e Alcântara circunscrevem geograficamente o conjunto de habitações a reparar, envolvendo pinturas interiores, reparações de mobiliário, pavimentos, solucionamento de problemas eléctricos não especializados, problemas de canalização não especializados e apoio na deficiente organização e limpeza, entre outros.

Minimizar este problema social “exige uma reflexão e intervenção urgente” que garanta à terceira idade viver “de uma forma digna, activa, participada e incluída”, defende a SCML. Na opinião de Leonor Araújo, administradora da SCML as pessoas idosas de Lisboa “encontram-se no centro das preocupações”. Com a realização da acção REPARAR, a instituição pretende “alertar e sensibilizar a sociedade portuguesa para as consequências do envelhecimento demográfico, nomeadamente no que se refere ao empobrecimento, isolamento, solidão e desamparo dos mais idosos”. Motivar “para a acção e para a participação cívica” é o que se pede, neste ano em que se incentiva o voluntariado.

Melhorar as condições de habitabilidade e de conforto de alguns idosos utentes da instituição é o desafio proposto às equipas de trabalhadores da Galp Energia, EDP, Montepio, Delta Cafés, Grupo Brodheim, Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Montepio, Delta Cafés, Servilusa, Auchan, H-Tecnic e Eurest que, para além de disponibilizarem o tempo dos colaboradores que são voluntários do projecto, suportam os custos inerentes às intervenções, nomeadamente os trabalhos preparatórios e materiais, com cada empresa a apadrinhar uma ou mais casas.

A acção conta ainda com o apoio da Sair da Casca, do GRACE – Grupo de Reflexão e Apoio à Cidadania Empresarial e da Arquitectos Sem Fronteiras Portugal. Em declarações ao VER, Nathalie Ballan, sócia fundadora da Sair da Casca, explicou que, no âmbito desta parceria, a consultora apoiou a SCML na criação do nome e do conceito de comunicação do projecto, em colaboração com a agência de comunicação WINICIO. Paralelamente, reviu a estratégia da acção, criou o modelo de operacionalização do REPARAR, em conjunto com a SCML, e identificou e convidou algumas das empresas aderentes e elaborar o plano de comunicação do projecto. De sublinhar que “toda a participação da Sair da Casca foi realizada em regime de pró bono, sendo esta uma das suas contribuições no que respeita ao Ano Europeu do Voluntariado”.

Assimetrias marcam vivência sénior
Da população idosa que reside sozinha em Lisboa, 59 por cento vive uma realidade de total isolamento diário. As barreiras arquitectónicas ou as condições de saúde obstaculizam a mobilidade destas pessoas que, por outro lado, não possuem qualquer rede de suporte familiar ou social de vizinhos ou amigos. Esta é uma das mais preocupantes conclusões do diagnóstico que serviu de base à elaboração do Plano Gerontológico Municipal de Lisboa para 2009-2013, em que a SCML participou. No que se refere concretamente à população idosa de Lisboa, ficou ainda claro que a maioria das pessoas idosas vive na mesma casa há mais de trinta anos, mas 65 por cento dos inquiridos gostaria de poder fazer obras na sua residência.

Um terço (29 por cento) considera mesmo que o estado geral de conservação da casa é a principal razão para a insatisfação com a sua situação de vida e, quando questionados sobre os seus projectos de futuro em relação à habitação, 26 por cento dos idosos inquiridos afirma que gostaria de ficar a viver na sua casa, desde que fossem efectuadas reparações.

As condições de habitabilidade e conforto (ou falta dele) são uma das principais razões da exclusão social. Entre os principais pontos críticos identificados estão as “assimetrias em termos de qualidade do habitat com repercussões na qualidade de vida e na manutenção e promoção da autonomia das pessoas que avançam em idade”, a “situação de vulnerabilidade dos indivíduos que vivem sós e em condições precárias de conforto na habitação” e o “envelhecimento do edificado”.

Em Lisboa, a população idosa correspondia a 24 % do total de habitantes, de acordo com os dados do Censos 2001, número que terá crescido significativamente, segundo estudos mais recentes, e que deverão ser conhecidos em rigor a partir de Julho, quando forem conhecidos os resultados do Censos 2011.

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Exemplo do que acontece actualmente em todas as cidades, particularmente nas grandes metrópoles, este número reflecte bem a tendência demográfica generalizada para o envelhecimento a que a Europa vem assistindo desde o final do século passado, considera a SCML. Acresce que “uma parte muito relevante” das pessoas idosas pertence às classes mais pobres, reside sozinha, tem dificuldades de acesso a cuidados de saúde especializados e leva uma vida muito solitária, social e emocionalmente isolada: “há pessoas idosas que simplesmente não saem de suas casas, em particular porque as barreiras arquitectónicas ou a sua condição de saúde obstaculizam a sua mobilidade, e muitos passam vários dias sem falar com outras pessoas porque não possuem qualquer rede de suporte familiar ou social”, alerta a instituição.

Só na zona histórica e central de Lisboa, maioritariamente habitada por pessoas idosas, existem 29 mil casas que necessitam de grandes intervenções e 121 mil que necessitam de pequenas e médias reparações. Antigas, a esmagadora maioria destas habitações apresentam barreiras arquitectónicas graves, como degraus e ausência de elevador, e metade das casas possuem um máximo de três divisões, quase sempre sem qualquer tipo de climatização.

Estes “entraves” contribuem para colocar a população sénior de Lisboa “num lugar cimeiro no que se refere às preocupações sociais, exigindo uma intervenção urgente onde se enquadra a acção REPARAR. De resto, os utentes do Serviço de Apoio Domiciliário da SCML são pessoas economicamente carenciadas e sem rede familiar de suporte que, em muitos casos, apresentam um elevado grau de dependência física (resultante de doença ou de acidente) o qual não lhes permite realizarem sozinhas as actividades quotidianas básicas de alimentação e higiene pessoal, o que justifica ainda mais a concretização desta acção que, depois desta primeira fase a implementar até ao final do mês, se pretende continuada.

Voluntariado para uma nova cidadania
No âmbito nas celebrações do Ano Europeu do Voluntariado, o projecto REPARAR constitui uma actividade paralela ao III Seminário de Inovação e Empreendedorismo Social, que se realiza a 1 de Julho, na Fundação Calouste Gulbenkian, sob o mote “O voluntariado e a Responsabilidade Social na construção de uma nova cidadania”.

Promover o voluntariado “e, sobretudo, o voluntariado empresarial como peça fundamental da política de Responsabilidade Social da empresa” é o grande objectivo da Santa Casa ao associar estas duas iniciativas. Com o III SIES, pretende-se promover a reflexão e o debate sobre o tema, bem como a participação cívica do meio empresarial, como formas de mitigação e resolução de problemas sociais mas também e, sobretudo, como “um incentivo à mudança positiva, promovendo o desbravar de novas soluções e de novas estratégias de intervenção na sociedade”.

Reflectir e debater o voluntariado e a Responsabilidade Social das empresas como formas de mitigação e resolução de problemas sociais; divulgar boas práticas e novas abordagens, nomeadamente através da apresentação de experiências relevantes e inovadoras de voluntariado, RS e participação cívica; e promover a consolidação de uma rede de parceiros nas áreas da inovação e do empreendedorismo social e do voluntariado são os objctivos do evento que integra uma conferência intitulada “Cidade Solidária: Voluntariado, Cidadania e Responsabilidade Social”;  uma mesa redonda sobre “O desafio das empresas no desenvolvimento social” e painéis dedicados às temáticas “ A inovação e o empreendedorismo social através do voluntariado” e “Desenvolvimento social sustentável: O desafio do século XXI”. Para mais informações, consulte o Programa.

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Jornalista