POR PEDRO FERRO
Todos os negócios procuram fazer dinheiro. Em alguns – como no sector financeiro –, o dinheiro é mesmo o fulcro do negócio, a matéria-prima e o produto acabado. E todos nós precisamos de ganhar dinheiro – excepto se formos muito ricos –, por boas razões, que seria supérfluo exemplificar.
Na escola, aprendemos que a moeda realiza funções muito importantes: unidade de conta, intermediária geral das trocas e reserva de valor. O mesmo se pode dizer do sistema financeiro: facilita os pagamentos, transforma poupança em investimento, gere e acomoda o risco da actividade económica, transmite informação. É não é difícil sustentar razoavelmente que a invenção do dinheiro e das finanças contribuiu para o progresso da humanidade.
Apesar disso, o dinheiro não tem, historicamente, muito boa imagem na opinião pública. O dinheiro seria vil: é o “vil metal” (como não se sabe bem quem disse, embora muitos dissessem coisas parecidas, de Aristóteles ao Papa Francisco, passando por Shakespeare e Dostoyevsky), e “o amor do dinheiro é a raiz de todos os males” (como disse S. Paulo). Também houve quem defendesse posições contrárias: por exemplo, para Samuel Johnson “there are few ways in which a man can be more innocently employed than in getting money”; e para Ayn Rand “money demands of you the highest virtues, if you wish to make it or to keep it”. Mas serão talvez posições minoritárias.
[quote_center]O dinheiro não é um bem inerte. Tem uma certa “vida”, uma espécie de radioactividade: de certo modo, é um activo “tóxico”[/quote_center]
Eu diria que todas as opiniões acima referidas encerram o seu bocadinho de verdade. Parece óbvio que o dinheiro é um bem instrumental, um “bem útil”, meio para alcançar outros fins. S. Paulo não diz que o dinheiro é a raiz de todos os males; o “amor do dinheiro” é que o seria. E esta asserção tem fundamento antropológico: a pessoa que “ama”, deseja e possui os bens finitos e relativos – como sejam o poder, a riqueza ou a glória… – como se fossem fins (em vez de os usar como meios) é possuída por aquilo que possui e é serva (em vez de senhora) daquilo que deseja.
Mas o problema não acaba aqui. O dinheiro não é um bem inerte. Tem uma certa “vida”, uma espécie de radioactividade: de certo modo, é um activo “tóxico”. Ninguém está imune ao “poder” do dinheiro e aos seus encantos. Não à toa disse Jesus, segundo Mateus, Marcos e Lucas, que “é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha, do que entrar um rico no reino de Deus”. A servidão do dinheiro – a avareza – provoca um endurecimento ou empedernimento do coração e um estreitamento da mente, uma certa mesquinhez intelectual e motivacional. Não é preciso ser marxista para reconhecer que as páginas de Marx sobre o dinheiro enquanto “fetiche”, capaz de corroer as relações humanas, na medida em que as mercantiliza, têm algum fundamento. E o dinheiro provoca também uma certa aditividade. Segundo o poeta latino Juvenal, “crescit amor nummi, quantum ipsa pecunia crescit”, o que pode traduzir-se livremente dizendo: quanto mais dinheiro se tem, mais se ama e deseja. Aliás, recentemente alguns neurocientistas sustentaram que o ganho monetário estimula o mesmo circuito de gratificação que a cocaína.
Estou longe de pensar que o dinheiro seja um mal. Pelo contrário, sem dinheiro é difícil fazer algum bem. O que quero dizer é que ninguém se pode considerar invulnerável às suas “tentações”. O dinheiro não corrompe, necessariamente, o seu possuidor, mas pode corromper. O que se pode talvez dizer é que o dinheiro – tal como o poder – “prova” a pessoa, coloca-a à prova, fazendo vir à superfície o seu melhor e o seu pior.
Nota:
“Ética Empresarial: Aplicações no sector financeiro”? Realiza-se a 9 e 10 de abril de 2018.
No dia 9 de Abril, a AESE realizou o Seminário “Ética Financeira”, reunindo especialistas de ambas as áreas de formação: os professores Jorge Soley, do IESE, e Pedro Ferro, Afonso Barbosa e Rafael Franco, da AESE. Nesta formação, organizada no âmbito da Cátedra de Ética na Empresa e na Sociedade AESE / EDP, os participantes tiveram a oportunidade de aplicar os fundamentos da ética empresarial a situações reais, identificando os pontos fracos dos sistemas de controlo e desenvolvendo a capacidade crítica sobre o desenho e o funcionamento dos sistemas de governance e controlo de gestão. O estudo de casos e as conferências colóquio permitiram identificar os aspectos críticos na implementação dos sistemas de controlo e compliance no sector financeiro e entender de forma abrangente os incidentes ocorridos nos últimos anos no sistema financeiro internacional.
Pedro Ferro, Professor da AESE e Director do Programa de Alta Direcção de Empresas