A medida de implementação do regime de contabilidade de caixa relativamente ao pagamento do IVA, anunciado em Conselho de Ministros é, sem dúvida, uma medida positiva para a economia portuguesa, principalmente nesta altura em que existe um sufoco generalizado nas PME relativamente à liquidez para fazer face aos vários pagamentos
POR SOFIA SANTOS

A medida de implementação do regime de contabilidade de caixa relativamente ao pagamento do IVA, anunciado em Conselho de Ministros é, sem dúvida, uma medida positiva para a economia portuguesa, principalmente nesta altura em que existe um sufoco generalizado nas PME relativamente à liquidez para fazer face aos vários pagamentos. E, portanto, pagar IVA de uma factura não liquidada só contribuía, ainda mais, para este estrangulamento do sistema.

É necessário, no entanto, esclarecer que este não é o chamado “Regime de Caixa do IVA”, ou o vulgarmente denominado “IVA com recibo”. No regime de caixa, o IVA de uma factura que nunca é paga, nunca é devido ao Estado. Ou seja, caso uma factura não seja paga pelo cliente, a empresa prestadora de bens e/ou serviços nunca terá o ónus de pagar IVA sobre um valor que nunca recebeu.

O regime de Caixa (IVA com Recibo) é praticado, com maior ou menor amplitude, já há vários anos, em diferentes países europeus (Reino Unido, Irlanda, França, Itália, Bélgica, Alemanha, Holanda). No Reino Unido, por exemplo, o sistema em vigor é aquele em que o IVA não é pago caso a factura nunca seja paga.

O actual enquadramento de crise mundial tem levado alguns destes países a alargarem o âmbito da aplicação da medida, por forma a diminuírem a pressão financeira sobre as empresas (por exemplo, o Reino Unido quase que duplicou o limite de facturação necessário para se poder aderir a este regime).

Já no passado, o Governo Português começou a aplicar o regime de Caixa para o sector dos Serviços de Transporte Rodoviário Nacional de Mercadorias tendo, a 13 de Dezembro de 2008, anunciado o sistema de auto-liquidação para todas as relações comerciais entre empresas e sector público, para facturas acima de 5 mil euros sem, no entanto, se ter consubstanciado em actividades práticas nas empresas, uma vez que, afinal, carecia de aprovação unânime por parte das instâncias da União Europeia (Conselho Europeu).

Com esta medida deu-se mais um passo, apesar do facto do IVA ter de ser pago ao final dos 12 meses seguintes à sua emissão, independentemente de a factura ter sido liquidada ou não. Ou seja, o ónus fica ainda a cargo do fornecedor, uma vez que esse IVA terá sempre de ser pago. O regime aprovado em Portugal e que entrará em vigor em Outubro abarca apenas as empresas com facturação até 500 mil euros, sendo, na minha opinião, necessário aumentar este valor até aos 2 milhões, valor também já proposto pela Comissão Europeia numa comunicação em Dezembro de 2012. Para chegarmos a esse valor, é necessário que o Estado-membro consulte o Comité do IVA da Comissão Europeia previamente, apesar de não acreditar que, neste caso em particular, surjam problemas de maior.

De qualquer forma, esta medida agora aprovada pelo Governo é um bom primeiro passo no que respeita ao alívio temporário de pressão sobre a tesouraria das PME. Na realidade, este sistema vem permitir às empresas uma maior flexibilidade de tesouraria a 12 meses, pois conseguem, ao menos, este adiamento face ao pagamento de um potencial IVA de facturas nunca recebidas. Por outro lado e como, em média, as facturas demoram 90 dias a ser pagas, este prazo permite, assim, que os atrasos de pagamento crónicos na economia portuguesa não sejam ainda mais agudizados pelo pagamento do IVA.

Outro factor importante é o facto de o momento da dedução do IVA passar também a estar associado ao momento do pagamento da factura. Na realidade, o sistema existente até agora incentivava o não pagamento das facturas. Uma empresa, além de não pagar uma factura a um fornecedor, podia deduzir o valor desse IVA nas suas contas mensais ou trimestrais com o Estado, o que era uma completa injustiça e irracionalidade do sistema

Penso que o que se espera com esta medida é que este alívio de curto prazo na tesouraria das empresas lhes permita também conseguir pagar de forma mais atempada aos seus fornecedores e, desta forma, ter início um círculo virtuoso. Esta injecção indirecta de capital na economia poderá contribuir para o aumento da liquidez e mesmo da criação de emprego a médio prazo. No entanto, para que a sua potencialidade seja atingida, é necessário pensar que esta medida deve ser implementada acompanhada pela aplicação de uma outra medida também aprovada em Conselho de Ministros no dia 26 de Abril de 2013.

Na realidade, o Governo transpôs, em Abril, a directiva europeia referente aos atrasos de pagamento, tendo-se tornado obrigatório, para Portugal, que os pagamentos a fornecedores entre empresas ocorram a 60 dias, e que entre empresas públicas e outros organismos estatais esses pagamentos ocorram, em regra, em 30 dias e, no máximo, a 60 dias. Esta medida é de uma importância extrema se tivermos consciência que, em 2011, os incobráveis aumentaram 11%, tendo-se atingido o valor de 6 mil milhões de euros em facturas não pagas. Estes valores são brutais quando os comparamos com os montantes de redução da despesa que têm sido anunciados pelo Governo. Na realidade, se todas as facturas fossem pagas, poder-se-ia ter uma injecção de dinheiro na economia na ordem dos 5 ou 6 mil milhões de euros. O que implicaria que toda a redução de despesa necessária teria um impacto muito menor na economia.

Em suma, estão a ser dados os primeiros passos para que as PME possam começar a respirar um pouquinho melhor. Mas é necessário juntar os esforços de todos, sejam empresas, Estado ou  população. É necessário que o nó existente relativamente ao não pagamento a fornecedores comece a ser desfeito. É necessário algum agente económico dar o primeiro passo. Com estas duas medidas do Governo, um primeiro passo está dado. Agora o Estado terá de pagar a 30 ou 60 dias, e as grandes empresas deveriam dar o exemplo no cumprimento dos 60 dias de pagamento.

Principalmente aquelas cotadas em bolsa e com políticas de sustentabilidade deveriam dar, de imediato, esse exemplo, tão necessário para o País.

CEO da Systemic