Não abarcando ainda a evolução da pandemia e das suas consequências no último mês, o primeiro Global Business Barometer lançado pela The Economist Intelligence Unit dá conta de um sentimento “ambivalente” face à crise provocada pela Covid-19. Se, por um lado, os executivos inquiridos não têm dúvidas de que estamos perante uma tempestade económica global que está para durar, por outro, parecem acreditar que os seus negócios poderão passar entre os pingos da chuva sem se molharem (muito). Seguem-se os principais resultados de um inquérito realizado em 118 países para aferir a forma como o sector privado está a olhar para a crise
POR HELENA OLIVEIRA
O FMI prevê que estejamos à beira da pior recessão económica desde a Grande Depressão e a Organização Mundial do Comércio reviu igualmente as suas projecções para o comércio global para 2020, antecipando uma quebra nos volumes totais entre 13% a 32%, dependendo da duração da pandemia e da eficácia das medidas tomadas para a mitigar.
Para tentar aferir o sentimento do sector privado face ao impacto da Covid-19, a forma como as empresas estão a reagir à crise e quais os seus planos para os três próximos meses, a The Economist Intelligence Unit (EIU), em parceria com a SAS, lançou o primeiro Global Business Barometer (GBB), inquirindo 2,758 executivos de 118 países no período entre 26 de Março e 6 de Abril. E, sem qualquer surpresa, quando questionados sobre os “mais significativos desafios” para as suas empresas nos próximos três meses, 72% dos executivos inquiridos escolheram “a escalada da pandemia de Covid-19”. As restantes opções, que estavam no topo das inquietações antes do surto pandémico ter tido lugar, foram remetidas para um visível segundo plano, com as preocupações com o proteccionismo e o défice de talentos e competências a serem referidos por 13% dos auscultados e as ciber-ameaças e fraude por 12%.
O GBB pediu aos respondentes que expressassem a sua opinião sobre o ambiente de negócios a nível global, regional e doméstico e sobre as perspectivas para as suas respectivas indústrias e empresas. O barómetro revelou que o pessimismo declina – apesar de não se transformar em optimismo – à medida que os conceitos avaliados mudam de dimensão e abstracção – como a economia global -, para questões mais “centradas” e concretas como as previsões para as respectivas empresas. Numa escala de – 50 (muito pior) para + 50 (muto melhor), a leitura para a economia global para os próximos três meses situa-se nuns pessimistas – 39.2, com o valor a melhorar ligeiramente para – 36.7 e – 36.4, respectivamente para “a economia da sua região” e “para a economia do seu país”. Ao nível da indústria, o barómetro global posiciona-se nos – 22.0 e, no que respeita às empresas individualmente, nos – 17.8.
De acordo com a EIU, uma das interpretações possíveis para estes resultados deve-se ao facto de um conjunto alargado de respondentes acreditar genuinamente que a indústria onde opera e a empresa em que trabalha se encontram, de alguma forma, isoladas das perturbações que a Covid-19 está a infligir na economia. Outras interpretações incluem a possibilidade dos executivos sentirem que conseguem exercer uma maior influência no destino das suas empresas e indústria face à economia global, tornando-os menos pessimistas ou, como sublinha a EIU, o facto de estes estarem a passar por uma espécie de dissonância cognitiva trazida pela pandemia, o que lhes permite expressar duas opiniões contraditórias em simultâneo: a de que a economia global, regional e local irá sofrer um abalo no próximo trimestre, mas que as suas próprias indústrias e empresas não serão directamente afectadas pelo mesmo.
Com algumas excepções, o padrão é consistente nas cinco regiões auscultadas e no interior dos respectivos países, com os executivos da América Latina a serem os mais pessimistas relativamente à economia regional (- 41) e à dos seus próprios países (- 43.4) comparativamente à economia global (- 37.4). O mesmo acontece com o sentimento dos executivos inquiridos no Médio Oriente e África, mais preocupados com o panorama regional do que com o global. Dado que muitos países destas regiões são extremamente dependentes da exportação de commodities e que o preço destas caiu consideravelmente nos últimos meses – e, em alguns casos, como o do petróleo, de forma muito precipitada – os resultados são compreensíveis.
Apesar de o inquérito GBB incluir executivos de 118 países, o barómetro confere especial atenção a 14 países da América do Norte, Europa e Ásia-Pacífico, os quais, em conjunto, representam quase 70% do PIB global e 56% do comércio global, de acordo com dados do Banco Mundial e do FMI.
Ao nível dos países, os executivos sedeados em Espanha e no Japão são os mais pessimistas de todos, seguidos de muito perto pelo Reino Unido. Os executivos japoneses são unânimes no seu pessimismo relativamente à economia global (- 45.2), com os espanhóis a serem os segundos mais pessimistas relativamente à economia regional (- 44.3), à do seu país ( – 46.2) e às suas empresas (- 23.1). De notar que o inquérito em causa foi realizado numa altura em que a Espanha se via a braços com um pico no número de casos e mortes devido à Covid-19, situação que, entretanto, apresentou algumas melhorias consideráveis. Já o Japão, que muitos acreditavam ter conseguido evitar o pior da pandemia estava, na altura, a assistir a um aumento dos casos, o que acabaria por resultar no adiamento dos Jogos Olímpicos e no decretar do estado de emergência.
Apesar de tudo, executivos mantêm (ainda) uma boa dose de optimismo
Serão poucas – se é que existe alguma – as indústrias que serão poupadas ao impacto da Covid-19, apesar de, e obviamente, algumas estarem a ser muito mais afectadas do que outras. O turismo e as viagens constituem um exemplo óbvio, bem como o sector dos bens de consumo (com excepção dos bens alimentares e outros essenciais). Com muitas fábricas encerradas um pouco por todo o mundo, a par das disrupções nas cadeias de abastecimento e da quebra na procura, prevê-se que o sector manufactureiro venha a sofrer um impacto muito negativo a curto e médio prazo.
O GBB analisou 21 indústrias no total, com especial prevalência em 14, pedindo aos respondentes que avaliassem o seu negócio em quatro áreas principais: crescimento das receitas, rentabilidade, quota de mercado e agilidade operacional. Apesar de todas as indústrias – com excepção para o retalho e para o e-commerce – demonstrarem leituras negativas para o crescimento das receitas e da rentabilidade, muitos executivos esperam que ambas as métricas estejam, no mínimo, a par dos valores registado na era pré-Covid. Assim e no geral, a rentabilidade cifrou-se em – 11.0 e o crescimento das receitas em – 1.0, resultados encorajadores nos tempos em que vivemos. Os serviços financeiros (- 1.2) e o sector manufactureiro (- 1.6) aproximam-se do optimismo em termos de rentabilidade, apesar dos ventos contrários que ambos enfrentam. No lado oposto, posiciona-se o entretenimento e os media, com – 10.9 e o sector da saúde a apresentar valores muito próximos (- 9.0).
De acordo com a EIU e com os dados recolhidos para este barómetro, os executivos parecem estar a planear duas estratégias para resistirem à tempestade causada pela Covid-19. Uma é conquistar quota de mercado. O retalho e o e-commerce (+ 6.7), a tecnologia e as TI (+ 5.1), e a construção e o imobiliário (+ 5.0) registam os valores mais elevados, com o resto dos sectores a obterem igualmente resultados positivos, com excepção para o dos bens de consumo (- 1.5), as viagens e o turismo (- 1.0) e os serviços profissionais (- 0.3).
No que respeita à “agilidade operacional”, não existem excepções, com todos os sectores a apostarem nesta segunda abordagem estratégica para se adaptarem às novas dinâmicas impostas pela Covid-19. Os executivos mostram-se optimistas no sentido de, nos próximos três meses, estarem mais fortes nesta área, com todas as indústrias a registarem valores positivos. A agilidade operacional inclui um conjunto variado de factores, como é o caso do trabalho remoto, horários flexíveis e outras formas de adaptação a tempos incertos sem sacrificar a produtividade.
Os executivos têm esperança de que a recuperação da crise causada pela pandemia seja rápida e, como sabemos, líderes de todo o mundo estão a reabrir as suas economias com vista à retoma e, em vários casos, contra os conselhos da Organização Mundial de Saúde. Mas os milagres raramente acontecem. Quarenta por cento dos executivos auscultados esperam que seja necessário “menos de um ano” até que os seus negócios recuperem, o que é animador, apesar de pouco provável. Mas 46% acreditam que a retoma poderá demorar entre 1 a 2 anos, com 10% a apontarem para um período entre 3 a 5 anos. Como remata o EIU, o primeiro valor parece ser realista e, o segundo, um desastre.
Fonte: https://globalbusinessbarometer.economist.com/
Editora Executiva