O aparente paradoxo ‘Finança e Humanidade’ – um dos temas a ser discutido no evento de Assis a ter lugar, online, em Novembro próximo – fez-nos refletir sobre o importante tema da educação e literacia financeira, enquanto instrumento essencial para mitigar a segregação dos que à sua margem se encontram. A desconstrução desse paradoxo será feita quando aceitarmos que a Finança pode e deve servir o Homem e que não há Finança sem Humanidade
POR MARIA ANA BARATA

Enquadrada na iniciativa ‘Economia de Francisco’ e no módulo de preparação organizado pela ACEGE, um grupo de jovens portugueses empenhou-se em debater o tema ‘Finança e Humanidade’, procurando soluções concretas que diferentes instituições poderão propor para promover a educação e literacia financeira a curto, médio e longo prazo. O produto desta frutuosa discussão será partilhado com o Papa Francisco como um pequeno contributo que deverá incitar-nos a melhor cuidar da nossa Casa Comum.

O ponto de partida desta discussão foi a perceção de que a Finança, sob forma de produtos financeiros mais ou menos complexos, está presente na vida de todos nós. Essa perceção acarreta uma consequência gravíssima: quem não tiver o discernimento de perceber que vivemos num mundo financializado, viverá à margem. E consequentemente, somos coniventes com esta nova forma de segregação em sociedade: a da marginalização financeira.

A marginalização financeira teve origem na crescente divergência entre a Finança e a Humanidade. Uma construção humana, pensada para promover os bons hábitos de aforrar, de gerir e de investir, paulatinamente enveredou por um caminho prolixo e alheio à possibilidade e dever de servir a Humanidade. Eis o aparente paradoxo.

As falhas deste progressivo afastamento entre a Finança e a Humanidade ocorrem em ambos os lados. Recorrentemente o mundo da Finança fracassa ao não se tornar acessível e ao não se humanizar. Por utilizar uma linguagem muito técnica e muitas vezes ininteligível, recorrendo ao uso de anglicismos desnecessariamente complexos, a Finança afasta aqueles que dela precisam e quem esta deveria servir. Paralelamente, também nós temos falhado ao nos desinteressarmos de querer perceber e conhecer a Finança nas suas mais diferentes formas de nos servir. É na interseção destas duas falhas que se torna gritante a importância de promover a educação e literacia financeira. E é este o pretexto para se desconstruir o paradoxo.

A educação e literacia financeira são parte integrante de um objetivo mais lato de promoção de educação de qualidade, identificado pelas Nações Unidas em 2015 como um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável que farão parte da Agenda global até 2030, representando a visão comum para a Humanidade. Apesar deste objetivo ser intuitivo, o nosso mundo financializado, onde são aceites distintas formas de marginalização, faz-nos ver que há um longo caminho a percorrer neste domínio.

Conceder que argumentos que privilegiam a eficiência económica possam justificar a falta de progresso no domínio da educação e literacia financeira é condenar as gerações futuras a viver no mesmo mundo financializado e alheio à marginalização de tantos que têm direito a ser incluídos no projeto comum. Neste sentido e com este repto em mente, durante a sessão de grupo discutimos a importância da educação e literacia financeira e refletimos sobre as palavras do Papa Francisco, que na Encíclica Laudato si’, ou em português, Louvado sejas, sobre o cuidado da Casa Comum, nos relembrou de que “Renunciar a investir nas pessoas para se obter maior receita imediata é um péssimo negócio para a sociedade.”

Destas palavras retirámos a importante mensagem de que a Educação é a chave para nos libertarmos, a Nós e aos Outros, com quem partilhamos o privilégio de habitar a Casa Comum. E ao confrontarmos esta mesma mensagem com o aparente paradoxo entre Finança e Humanidade, na verdade concluímos que o futuro da Finança poderá ser muito mais humanizado, já que aceitámos o desafio de transformar a Finança num bem acessível e universal, ao serviço de todos nós. Ninguém disse que era fácil, mas no final valerá a pena.


1 Objetivo de Desenvolvimento Sustentável n.º 4: Educação de Qualidade, disponível em: https://unric.org/pt/objetivo-4-educacao-de-qualidade-2/
2 Encíclica Laudato Si’ sulla cura della Casa Comune, v. 128, disponível na sua versão original em: http://w2.vatican.va/content/francesco/it/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html

Maria Ana Barata é licenciada em Direito pela Faculdade de Direito de Lisboa, mestre em Direito pela European University Institute, encontrando-se atualmente a terminar o doutoramento em Direito Financeiro na European University Institute em Florença (Itália).