O duplo papel da pandemia enquanto acelerador da transformação e amplificador de forças disruptivas é o fio que percorre o 24º Annual Global CEO Survey realizado pela consultora PricewaterhouseCoopers, que publicou recentemente os resultados do inquérito feito a 5050 CEOs em 100 países e territórios, ao longo de Janeiro e Fevereiro de 2021. Optimistas no que respeita à retoma económica mundial nos próximos 12 meses, apesar de conscientes da incerteza que continua a marcar o presente e o futuro próximo, os líderes empresariais inquiridos sabem que só conseguirão atingir bons resultados se apostarem na confiança e na transparência. Num mundo desgastado, a lista de ameaças e prioridades também mudou e há que saber responder à pergunta: como é possível fazer mais e melhor?
POR HELENA OLIVEIRA

Um ano após o deflagrar da pandemia e com o acelerado ritmo do desenvolvimento de vacinas (apesar de novos problemas que têm vindo a surgir relacionados com a sua “eficiente” administração), parece estar mais perto um vislumbre da recuperação económica ansiosamente desejada. E apesar dos detalhes desta possível retoma não serem ainda claros, uma das poucas certezas que temos é a de que não podemos simplesmente voltar à forma como as coisas eram antes. A pandemia revelou deficiências fundamentais no nosso sistema global, fraquezas nos modelos de funcionamento das empresas e outros desafios que irão, decerto, moldar o mundo em que vivemos nos próximos anos. Todavia, e ao longo deste atípico e último ano, também libertou energia e criatividade, à medida que os líderes foram procurando e implementando soluções duradouras para novos problemas.

No geral, a maioria dos CEOs inquiridos assume-se como bastante optimista relativamente a uma retoma económica global, a qual será assente na aceleração digital nas empresas “provocada” pela pandemia, prometendo aumentos na produtividade e outros benefícios, apesar de existir, em simultâneo, uma preocupação generalizada e crescente no que respeita às ciber-ameaças e à disseminação da desinformação. Por outro lado, e embora a confiança os CEOs face ao aumento das suas receitas tenha registado uma melhoria, tal não os isenta de uma enorme ansiedade no que respeita à trajectória da pandemia, à incerteza das políticas fiscais e reguladoras, e, em menor grau, às alterações climáticas.

Como se pode ler 24º Annual Global CEO Survey da PwC, os números contam uma história, mas sabemos que há mais do que números na maioria das histórias. E foi por isso que os resultados das 5.050 respostas ao inquérito, recolhidas em Janeiro e Fevereiro de 2021, foram combinados com insights qualitativos, resultantes de entrevistas com executivos de topo no Inside the Mind of the CEO e da análise Take on Tomorrow, publicada entre Janeiro e Março, que abordam as questões mais prementes de hoje para ajudar os líderes a pensar no que se seguirá amanhã. E, cruzando toda esta informação e de acordo com a consultora, o momento parece ser o adequado para os líderes empresariais olharem para atrás e perguntarem: como é possível fazer as coisas melhor?

De acordo com a PwC, responder a esta pergunta é um imperativo que terá reflexo em todos os aspectos dos modelos operacionais das empresas, mas que terá de ser sustentado por um enfoque significativamente maior na confiança e na transparência. Este é certamente o caso das alterações climáticas, sobre o qual e até agora a acção empresarial deixa ainda muito a desejar, a par das exigências crescentes dos investidores e demais stakeholders. E é também o caso da cibersegurança, que muitas empresas relegaram para o domínio dos CIOs, quando o que é realmente necessário é uma abordagem estratégica destinada a dominar a complexidade empresarial, estabelecendo ao mesmo tempo um quadro de governação e responsabilidade partilhada. A lista poderia continuar, mas a conclusão a que chaga a PwC é a de que os líderes empresariais são capazes de empreender mudanças quando é necessário fazê-lo, mas terão de pensar de uma forma diferente e de avaliar continuamente as suas decisões e acções tendo em conta os impacto societais mais alargados.

Vejamos, então, as prioridades e ameaças assinaladas pelos CEOs entrevistados e de que forma é possível enfrentá-las colectivamente.

Optimismo significativo relativo ao crescimento da economia global

Quando questionados sobre as suas expectativas relativamente à economia global, 76% dos CEOs acreditam que a mesma irá melhorar nos próximos 12 meses. Este resultado torna-se ainda mais relevante na medida em que representa um acréscimo de 20 pontos percentuais face ao anterior recorde de optimismo obtido ao longo dos muitos anos em que a PwC incluiu esta mesma pergunta nos seus inquéritos. Por outro lado, esta percentagem elevada marca igualmente uma recuperação significativa em relação ao inquérito de 2020 e sobre o qual o VER escreveu, quando apenas 22% dos CEOs esperavam uma melhoria da economia global. Na altura, estavam igualmente longe de imaginar que um vírus desconhecido iria mergulhar o mundo numa pandemia sem igual, o que causaria uma contracção do PIB global na ordem dos 3,5% em 2020, o que se traduziria no seu pior desempenho desde a Grande Depressão.

Este optimismo dos CEOs reflecte igualmente o desenvolvimento e a administração das vacinas contra a Covid-19 em muitos países do mundo (lamentavelmente não em todos) e, apesar de estarmos longe de podermos respirar tranquilamente, a verdade é que estes executivos de topo vislumbram já um caminho em frente, não só para a economia global, mas também para as suas próprias organizações: 36% dos CEOs afirmam estar muito confiantes quanto à perspectiva de crescimento das suas receitas ao longo do próximo ano e 47% afirmam o mesmo para o período dos próximos três anos, o que marca igualmente uma significativa reviravolta face aos resultados obtidos em 2020.

De acordo com a PwC, existem razões para sustentar este sentimento. A consultora analisou os níveis de confiança dos CEOs desde 2008 para determinar tanto a trajectória como a força do PIB global e os resultados, com excepção para o ano de 2020, têm consistentemente produzido projecções precisas. Com base nas respostas deste ano, é estimado que o crescimento global possa aumentar até 5% – um valor apenas ligeiramente inferior às recentes projecções do FMI de que a economia global crescerá 5,5% em 2021 e em linha com a análise separada da PwC que sugere que este voltará à sua dimensão pré-pandémica no quarto trimestre de 2021 ou no início de 2022.

Assim, e à medida que os líderes se preparam para a tão esperada recuperação, quais as abordagens de gestão que as empresas devem reter depois do “modo de resposta rápida” que a maioria delas abraçou durante 2020? Uma tomada de decisão célere e de alta qualidade – a marca distintiva das respostas pandémicas por parte de muitas empresas – estará no topo da lista do “a manter” da maioria dos líderes, com as prioridades a incluírem que a gestão de topo se concentre nas grandes questões societais, o envolvimento com as pessoas em todos os níveis da organização, a revisão frequente das decisões mais críticas e a antecipação possível de consequências disruptivas.

A ansiedade persistente

Apesar da confiança demonstrada, os CEOs estão perfeitamente conscientes das ameaças externas que os cercam, começando pelo óbvio: a pandemia e a possibilidade de outras crises sanitárias ocupam o lugar cimeiro na lista das inquietações para este ano, com 52% a mostrarem-se “muito preocupados” com as mesmas.

Na altura em que a PwC estava a recolher as respostas para o seu inquérito (Janeiro e Fevereiro últimos), novas variantes da Covid-19 estavam já a ser seguidas em todo o mundo, os esforços de administração de vacinas eram desiguais entre os países desenvolvidos e mais ricos e os governos em muitos mercados emergentes estavam a lutar para obter as suas doses. Em pouco mais de um mês, o panorama continua praticamente igual, sendo que este “poder de permanência” da pandemia levantou uma série de questões específicas para os CEOs. Ou seja, a ansiedade não está a desaparecer e são muitos os que acreditam que algumas das medidas implementadas para conter o surto pandémico continuem a ser necessárias, com especialistas de várias áreas da saúde a alertar para a possibilidade de a Covd-19 se tornar endémica e com repetições esporádicas graças à globalização.

No que respeita às demais ameaças, a PwC alerta para o modesto aumento das alterações climáticas enquanto uma prioridade. No ano passado, 24% dos CEOs assinalaram as alterações climáticas como uma preocupação extrema, a qual foi este ano referida por 30% dos inquiridos. Mas o que pode parecer um salto significativo no “particular”, se analisado no contexto da ansiedade crescente sobre quase todas as ameaças, representa apenas um aumento marginal. Adicionalmente, 27% dos CEOs revelaram estar “nada preocupados” ou “pouco preocupados”com as alterações climáticas e 60% dos inquiridos afirmaram não ter em conta as mesmas nas suas estratégias de gestão de risco. Uma boa notícia reside no facto de os CEOs estarem mais abertos à elaboração de relatórios sobre o impacto ambiental das suas operações (43%).

Em contraste com a lenta ascensão das preocupações climáticas, as ciber-ameaças transformaram-se rapidamente numa significativa fonte de ansiedade. Ocupando a posição número dois na lista das inquietações, foi citada por 47% dos CEOs, em comparação com 33% no ano passado. Entre os CEOs da América do Norte e da Europa Ocidental, foi até considerada como a principal ameaça, sendo que o que provavelmente influenciou a resposta foi o aumento dos ciberataques de alta visibilidade durante 2020, alguns revelados apenas semanas antes de o inquérito ter sido realizado.

Os ciber-ataques constituem a principal preocupação em particular para os CEOs dos sectores da gestão de activos e património, seguros, dos fundos de investimento, da banca e dos mercados de capitais, e também da tecnologia. Como afirma um os inquiridos, Uday Kotak, fundador e CEO do Kotak Mahindra Bank com sede na Índia, “durante a COVID, temos testemunhado um aumento da fraude no sistema bancário. A ideia de perder o dinheiro dos meus clientes por roubo é o que me mantém acordado durante a noite. Assim, embora a Covid tenha provocado um aumento significativo na adopção de transacções digitais, também aumentou os riscos associados ao digital”.

A propagação da desinformação, crescente e acelerada, constitui uma “grande preocupação” para 28% dos entrevistados, comparativamente a apenas 16% no ano passado, o que é igualmente reflexo dos actuais níveis de confiança historicamente baixos. Para os líderes empresariais que precisam de construir esta confiança, ser transparentes sobre a eficácia dos produtos e partilhar informação transparente poderá ajudar. Albert Bourla, presidente e CEO da empresa farmacêutica americana Pfizer – que se associou à empresa alemã BioNTech para desenvolver uma das primeiras vacinas a obter aprovação regulamentar generalizada – reconhece a importância da transparência e da confiança no incentivo à vacinação Covid-19. “Vamos concentrar-nos em vacinar o maior número de pessoas possível e gerar informação que convença até os mais cépticos (…). Temos de ensinar às pessoas que a decisão de não a tomar não é uma decisão que apenas as afectará a si próprias, mas algo que terá efeitos perniciosos em toda a sociedade”.

À medida que as empresas aumentam também as suas parcerias externas para permitir soluções digitais mais adequadas, “colocando-as”, muitas vezes, “em cima” de estruturas informáticas já existentes, a complexidade criada tende a gerar um risco cibernético cada vez maior. A tentação é de concentrar os esforços de segurança em painéis digitais de risco, vigilância e iniciativas técnicas. Mas os líderes que levam a sério a sua cibersegurança precisam também de adoptar a simplicidade no seu diálogo estratégico sobre os seus modelos de negócio, ecossistemas e processos internos.

O aumento da preocupação dos CEOs relacionado com as ciber-ameaças e com a desinformação coincide com a rápida aceleração da transformação digital de muitas empresas durante os esforços pandémicos, os quais e como sabemos não estão ainda a abrandar.

Quase metade dos CEOs planeia investimentos a longo prazo na ordem dos 10% ou mais no que respeita à transformação digital. Todavia e paradoxalmente, apesar dos níveis elevados de preocupação relativos aos ciberataques, menos de 25% dos mesmos estão também a planear aumentar os seus gastos em cibersegurança e privacidade de dados em 10% ou mais.

A aceleração digital induzida pela pandemia teve um aumento menos visível na adopção de tecnologia analítica e de inteligência artificial (IA) para uma tomada de decisão mais informada e coesa. Assim, e de acordo com a PwC, o fosso entre os líderes adeptos destas novas tecnologias e os demais está a aumentar. As empresas na vanguarda estão a incorporar mais profundamente a IA em aplicações centradas no cliente, bem como em aplicações de back-office e gestão de risco, ao mesmo tempo que abordam com redobrada atenção o enviesamento algorítmico de modo a que os seus stakeholders confiem nos resultados.

Pessoas e produtividade

Quando solicitados a dar prioridade aos resultados societais que as empresas devem ajudar a produzir, os CEOs colocam a criação de uma mão-de-obra qualificada, instruída e adaptável no topo da lista. Ao mesmo tempo, um número crescente de CEOs procura aumentar a competitividade da sua organização através de investimentos digitais na força de trabalho; 36% pretendem concentrar-se na produtividade através da tecnologia e da automação, o que representa mais do dobro da quota dos CEOs que disseram o mesmo em 2016.

Claro que a manifestação destas intenções tem o seu lado negativo, uma vez que a produtividade através da automação ameaça deixar muitos trabalhadores para trás. Apesar de apenas 20% dos CEOs estarem “extremamente preocupados” com a desigualdade económica como uma ameaça às suas perspectivas de crescimento, a pandemia ampliou as assimetrias entre indivíduos, empresas e países, e levantou questões sobre como podemos recuperar o progresso social e económico. Como defendem os autores do relatório, a requalificação dos trabalhadores para permitir a sua plena participação na força de trabalho significa criar economias e sociedades mais inclusivas e sustentáveis que atraiam as pessoas e que permitam estabelecer ligações mais profundas entre a humanidade e a economia.

Sendo o aumento da produtividade um importante motor da recuperação económica, é preciso não esquecer que os governos que procuram mitigar o impacto da pandemia, tanto a nível económico como social, contraíram dívidas substanciais. Assim, talvez não seja surpreendente que a incerteza relativa às políticas fiscais tenha “subido”na lista de ameaças identificadas pelos CEOs (classificou-se em sétimo lugar face à 15ª posição no ano passado). Como afirma Jeroen Drost, da SHV Holdings, “estou bastante confiante de que dentro de alguns anos, a economia, no geral, estará de volta à sua trajectória: menos ‘acidentada’, menos global e talvez menos interligada ou mais equilibrada”. Todavia, acrescenta, “penso que este ‘estar de volta’ não será completo, porque acredito que haverá um par de mudanças fundamentais no comércio global, nomeadamente ao nível do impacto da geopolítica, da política local, do encerramento de fronteiras e da introdução de impostos transfronteiriços”.

As empresas baseadas em plataformas, por exemplo, que aumentaram significativamente os seus lucros durante a pandemia, poderão enfrentar o aumento de impostos digitais provenientes de múltiplas fontes. Além disso, estamos a entrar numa era de maior transparência fiscal, o que sendo já uma realidade em algumas partes do mundo, representará uma mudança radical em muitos outros países. Existe também um apelo crescente, por parte da opinião pública, para a responsabilização das empresas, nomeadamente sobre quanto e onde estas pagam os seus impostos.

Por outro lado, e como alerta também a análise feita pela PwC, o tom da discussão em torno da política fiscal, especialmente em tempos de desafios económicos, tende para o confronto. Mas o que é identificado como crucial neste momento é a colaboração baseada no equilíbrio e na justiça. O equilíbrio é necessário porque os impostos constituem uma questão global na medida em que afecta onde os países investem, onde as empresas operam e onde as pessoas trabalham. A equidade pode receber um impulso das métricas aplicadas pelo capitalismo dos stakeholders , as quais visam estabelecer normas para a comunicação/reporte das contribuições fiscais. E neste caso, a transparência tem um longo caminho a percorrer até ser capaz de gerar a confiança desejada.

Em suma, e passado um ano sobre o surgimento da pandemia global, os CEOs acreditam que se está a virar uma página, tanto na trajectória económica mundial, como nas suas próprias possibilidades de reinventar o futuro. Aproveitar esse potencial exigirá a construção da confiança e a obtenção dos resultados sustentados, ansiosamente esperados num mundo que se encontra totalmente desgastado.

Editora Executiva