A psicologia chama-lhe a “tríade negra” e relaciona-a com a busca desmesurada de poder. Muitas vezes sobrepostas, o narcisismo, o maquiavelismo e a psicopatia são características comuns a um significativo número de pessoas que exerce posições de liderança, tanto na arena política como no mundo empresarial e que, sendo mestres na arte da manipulação, conseguem seduzir muitos seguidores. Sempre existiram ao longo da história da espécie humana e, em pleno século XXI, não é difícil encontrá-los. Basta olhar à nossa volta
POR HELENA OLIVEIRA
“Tal como a traça é atraída pela chama, os narcisistas são facilmente atraídos pelo poder e pela influência”. Quem o afirma são os psicólogos Niklas Steffens e Alexander Haslam, num estudo intitulado “o apelo narcisista das teorias de liderança”, sendo secundados pelo famoso psicólogo Robert Hare, que estuda os traços narcísicos e psicopatas dos líderes, e que afirma que este tipo de pessoas “são predadores sociais e, como todos os predadores, buscam continuamente uma fonte de alimentação e, onde quer que obtenham poder, prestígio ou dinheiro, é fácil encontrá-los”.
Ao longo de toda a história da espécie humana, são muitos os exemplos de pessoas que ocuparam posições de poder e que não o souberam utilizar de forma responsável ou digna. E, pior do que isso, são os múltiplos casos de outros tantos que, a juntar à sede de poder, exibiram desvios de personalidade que, em casos graves, conduziram a regimes déspotas ou a lideranças completamente ausentes de ética ou moral.
A liderança é um dos temas mais pesquisados nas ciências psicológicas e em outras ciências sociais e comportamentais. É rotineiramente vista como vital para o sucesso e vitalidade de várias formas de actividade colaborativa, não só nas organizações e na política, mas na sociedade em geral, o que tem fornecido o estímulo para uma enorme quantidade de investigação teórica e aplicada sobre a temática. E a verdade é que, de acordo com vários estudos e na actualidade, o poder continua a atrair pessoas impiedosas e narcisistas, que manifestam também uma grave falta de empatia e consciência e que encontram nesse mesmo poder o alimento necessário para satisfazer os seus impulsos desviantes.
Os exemplos de políticos com traços psicopáticos ou narcisistas são facilmente identificáveis. Geralmente, são autoritários, tentam subverter a democracia, reduzir a liberdade de imprensa e reprimir a dissidência. São obcecados pelo prestígio nacional, e muitas vezes perseguem grupos minoritários. E também os há corruptos e desprovidos de princípios morais, sem mostras de qualquer arrependimento pelo mal que praticam ou por quem prejudicam.
Já nas empresas, os líderes narcisistas e com tendências psicopatas encarnam muitas das características associadas ao protótipo do “bom líder”, tais como carisma, autoconfiança, força e energia. São também frequentemente extrovertidos, liderando facilmente discussões, destacando-se em situações de grupo, ao mesmo tempo que atraem e inspiram seguidores. Demonstram igualmente uma motivação exacerbada para a obtenção de poder, desenvolvendo com mestria tácticas de manipulação e de domínio social.
Se olharmos à nossa volta – sem ser preciso ir longe – não faltam exemplos deste tipo de líderes e, na verdade, parece que os há em contínua abundância. E por que motivo é que os mesmos são eleitos, tanto para cargos políticos, como para posições de chefia nas empresas, em particular nas de grande dimensão?
O conceito de “tríade negra” existente na psicologia e que define traços de personalidade “malévolos” como a psicopatia, o narcisismo e o maquiavelismo, é muitas vezes utilizado para definir este tipo de líderes, ao mesmo tempo que consegue explicar, pelo menos em parte, a motivação que existe para serem eleitos, seja pelos próprios cidadãos, seja pelos conselhos de administração das empresas.
E vale com certeza a pena definirmos de forma mais abrangente estes três traços – que muitas vezes se sobrepõem – na medida em que nos ajudará a perceber como actuam quem os detém e porque é que os mesmos sentem uma atracção irresistível por cargos de poder na política ou nas organizações.
A denominada “tríade negra” dominante em alguns tipos de personalidade pode ser variável e manifestar-se mediante graus diversos mas, e no geral, partilha traços comuns no que aos seus três componentes diz respeito. E as pessoas que os evidenciam são egoístas, significativamente orientadas para o domínio social, impulsivas e manipuladoras, carecendo também de empatia. Mas, e apesar de desagradáveis, estes três traços de personalidade podem ser considerados “normais” quando considerados dentro do espectro alargado das particularidades humanas. Os homens mostram tipicamente níveis mais elevados dos três traços em causa do que as mulheres e o narcisismo é o mais amplamente investigado da tríade no contexto organizacional.
Os narcisistas são reconhecidos por manterem uma visão exageradamente positiva do “eu”, exibindo comportamentos de “grandiosidade” e de autopromoção. São mestres em expressar arrogância, superioridade, ao mesmo tempo que possuem uma auto-imagem significativamente inflacionada. Na maioria das vezes, não utilizam comportamentos e estratégias socialmente apropriados para satisfazer a sua necessidade de reconhecimento e de auto-aperfeiçoamento, tornando-se agressivos e/ou perigosamente dominantes.
Por seu turno, os maquiavélicos dominam a arte da manipulação com uma estratégia a longo prazo, são cínicos e utilizam tanto tácticas pró-sociais como anti-sociais para alcançar os seus objectivos. As suas principais fontes de motivação são o poder, o estatuto e o sucesso.
Dos três, são os psicopatas os mais anti-sociais. Impulsivos, manipuladores, insensíveis e sem capacidade para sentir ou demonstrar empatia, revelando em simultâneo uma enorme dificuldade para controlar os seus impulsos anti-sociais. São igualmente propensos a comportamentos de alto risco, dominam as práticas intimidatórias e podem mesmo ser violentos.
Em suma, as pessoas que apresentam estes tipos de personalidade têm uma enorme dificuldade ou mesmo incapacidade de compreender os sentimentos dos outros, bem como de ver o mundo através de qualquer perspectiva que não a sua própria. Não têm aquilo que denominamos como “consciência” e não experimentam sentimentos de culpa quando se comportam de forma imoral. Consideram-se sempre superiores aos demais, sentindo prazer em manipular ou controlar as pessoas. Ao mesmo tempo, precisam de se sentir respeitados e admirados e gostam de ser o centro das atenções.
Vários estudos demonstram também que pessoas com traços narcisistas e psicopatas têm um forte desejo de domínio e são desproporcionadamente comuns em posições de liderança. E a verdade é que existem muitas provas – e exemplos – de que as pessoas com personalidades pertencentes à tríade negra são atraídas para o mundo empresarial e político.
Por outro lado, e na medida em que pessoas “dominantes” parecem ser competentes (mesmo que não o sejam), não só desejam alcançar posições de liderança, como também têm uma maior probabilidade de surgir como líderes ou de serem promovidos a tal. Ou seja, existe igualmente um amplo suporte empírico no que respeita à relação positiva entre traços de personalidade “sombrios” e a emergência de líderes. Através de uma boa autopromoção, assumindo riscos, navegando na política ou emergindo em tempos de crise, estas personalidades têm uma enorme probabilidade de se destacarem acima de outros potenciais candidatos e, portanto, posicionam-se mais fácil e eficazmente para futuras oportunidades de liderança.
Mas é assim tão mau quanto parece ser-se dono destes traços de personalidades? Depende
Obviamente que é fácil assumir que estes traços “sombrios” são universalmente maus. No entanto, existem igualmente muitos estudos que alertam para que este pressuposto possa ser excessivamente simplista e que os comportamentos desviantes que compõem a tríade negra podem integrar também algumas vantagens, tanto no campo político como no empresarial.
Por exemplo, o excesso de confiança do CEOs (mais proeminente nos narcisistas) está positivamente relacionado com fortes competências para a inovação Os líderes narcisistas (sejam políticos ou empresariais) podem fornecer orientação e apoio em tempos de crise, parecerem competentes e agradáveis (embora geralmente a curto prazo) e, agindo com determinação, fornecem visão e inspiração, sendo corajosos e confiantes. Adicionalmente, podem igualmente ajudar na recuperação de algum choque em particular e, além disso, parecem resistir à influência social, tendo também níveis elevados de desempenho. Especialmente em tempos de crise e mudança, os líderes narcisistas podem ser eficazes e prosperar mais facilmente, uma vez que exprimem assertivamente o seu ponto de vista e são considerados como dignos de confiança.
Por seu turno, os maquiavélicos são bons administradores, têm boas capacidades de negociação e são auto-controlados. Os líderes que pontuam mais alto no que respeita aos traços maquiavélicos demonstram também um conjunto mais alargado de comportamentos socialmente apropriados.
Por último, que traços mais comuns unem os líderes psicopatas? De acordo com o já citado especialista nesta matéria, Robert Hare, os psicopatas possuem uma ausência profunda de empatia; utilizam as pessoas de forma cruel e sem qualquer tipo de remorso para atingir os seus fins; seduzem as vítimas com um charme hipnótico que mascara a sua verdadeira natureza de mentirosos compulsivos, de mestres na arte de enganar e de manipuladores sem coração. Com tendência para se aborrecerem facilmente, procuram estímulos constantes, pois o que os inflama é ganharem “jogos” da vida real, ao mesmo tempo que retiram todo o prazer possível do poder que têm relativamente aos outros. Mas a verdade é que os atributos mais visíveis e atribuídos a estes “líderes de sucesso” estão relacionados com a necessidade constante de serem estimulados e de não conseguirem lidar com situações em que nada acontece. E, como afirma John Ronson, autor do livro: The Psychopath Test: A Journey Through the Madness Industry. “quando se procura um líder de sucesso, a ideia é que ele não se sente quieto, mas que esteja constantemente a pensar em novas formas de fazer as coisas”. E é por isso que alguns psicólogos reconhecem estes traços como positivos, como por exemplo, a frieza sob situações de pressão, própria de líderes de sucesso e também de psicopatas.
É preciso não esquecer igualmente – e como vários outros estudos demonstram – que os líderes com níveis elevados de psicopatia, tanto no campo político como no empresarial, tendem a ser vistos como carismáticos e criativos, sendo detentores de um bom pensamento estratégico e de excelentes capacidades de comunicação. E o que acontece muitas vezes é que o encanto de um psicopata pode suavizar as questões comportamentais, fazendo dele o líder perfeito aos olhos dos seus seguidores.
No entanto, e voltando ao potencial que estes três traços de comportamento têm para ajudar a que os seus detentores sejam eleitos ou escolhidos como líderes, não fazem deles, necessariamente, bons CEOs ou bons políticos. Ao mesmo tempo, e apesar da abundante literatura existente sobre a tríade negra, não existe uma equivalência directa entre narcisismo e/ou a psicopatia e a eficácia da liderança, sendo vários os exemplos que, pelo contrário, demonstram a existência de efeitos negativos directos na mesma. Por exemplo, os líderes narcisistas prejudicam a qualidade das decisões da equipa ao inibirem a troca de informações, os líderes maquiavélicos abusam da sua posição de liderança para satisfazerem os seus interesses pessoais, sendo vistos como desonestos e como supervisores abusivos e os líderes psicopatas concentram-se no reforço da sua própria posição enquanto implementam um clima de medo.
Desta forma, se isto é bom ou mau, depende das circunstâncias. Alguns líderes com este tipo de traços de personalidade podem ser elogiados como visionários e como modelos a seguir, mas também podem destruir empresas inteiras ou, quando eleitos politicamente, podem incorrer facilmente em comportamentos populistas ou serem “tentados” facilmente por esquema de corrupção ou outro tipo de actos eticamente condenáveis.
E porque são eleitos políticos com traços psicopatas?
A maioria das pessoas sente-se atraída por líderes (ou candidatos) com personalidades vencedoras e os psicopatas tendem a ter os tipos de personalidade que as levam a gostar deles e a os admirarem. Apresentam-se como “amigos”, sendo fácil cair na sua armadilha, e são mestres a lidar com as emoções de quem os segue.
Por outro lado, e na actualidade, os meios de comunicação social podem ter também a sua quota-parte de culpa no “endeusamento” deste tipo de dirigentes , pois adoram uma estrela luminosa, especialmente uma com carisma. Como sabemos, o jornalismo de investigação sólido de outros tempos tem sido, em vários casos, substituído pelo “jornalismo do entretenimento”, o que confere o palco e as luzes necessárias para a ascensão destas “estrelas”.
As personalidades com fortes traços de psicopatia não estão concentradas na verdade e no serviço, mas sim em apresentar o tipo de imagem que a multidão deseja louvar, sendo excelentes actores que sabem exactamente como a deve manipular. E porque muitas pessoas não olham para além da “superfície”, o psicopata brilhante ganha rapidamente poder e popularidade.
Adicionalmente, os psicopatas também tendem a subir ao poder quando as pessoas precisam de ser “resgatadas” de alguma situação que as faça sentir prejudicadas comparativamente aos outros. Isto porque enquanto as pessoas normais têm problemas em se auto-elogiarem ou mentirem sobre as suas capacidades, o psicopata sente-se perfeitamente à vontade para mentir à multidão sobre as suas qualificações, realizações e capacidades. Ou seja, estes políticos apresentam-se como os heróis que são necessários para resolver os problemas mais prementes num preciso momento.
E, estando apenas interessados no seu próprio prazer e poder, manipulam as pessoas à sua volta para conseguirem o que querem. Quando vêem uma porta de entrada para o poder, abrem-na sem hesitações, e quando atingem o seu auge, fazem tudo o que podem para o reter, tornando-se difícil removê-los, porque irão chantagear, ameaçar e eliminar qualquer pessoa que se interponha no seu caminho.
Um outro dado importante nas pesquisas sobre o poder e a tríade negra é que, até há pouco tempo, se acreditava que o pressuposto era que estas pessoas tendiam a conquistar posições poderosas para si próprias exactamente porque possuíam traços de narcisismo, maquiavelismo ou psicopatia. Contudo, pesquisas recentes sugerem que o próprio poder pode ser terreno fértil para fazer crescer ainda mais este tipo de personalidades.
O que só baralha ainda mais a equação.
Editora Executiva