A lei 100/2019 de 06 de Setembro de 2019 que aprovou o Estatuto do Cuidador Informal, além de estabelecer medidas de apoio, veio regular os direitos e os deveres do cuidador informal. De entre um conjunto de apoios prevê, por exemplo, um subsídio de apoio, o direito ao descanso, apoio psicossocial e medidas de apoio à integração no mercado de trabalho. Pena é que a sua concretização esteja a ser tão lenta e difícil
POR LILIANA GONÇALVES

São cada vez mais as pessoas em Portugal que cuidam de um familiar dependente, existindo uma tendência cada vez maior para se transferir o cuidar para o domicílio, responsabilizando assim as famílias, assumindo as mulheres uma maior responsabilidade do cuidado em casa, tendo um papel frequentemente subestimado.

Em 2014, o Inquérito Nacional de Saúde estimava que existiam, aproximadamente, 1,1 milhões de pessoas “com 15 ou mais anos [que] prestava[m] assistência ou cuidados informais a outras pessoas que tinham problemas de saúde ou relacionados com a velhice”, “mais de 85% (948 mil) prestava esses cuidados sobretudo a familiares” e 470 mil dedicavam mais de dez horas por semana à prestação de cuidados. Contudo, permanece ainda por conhecer o perfil e as necessidades dos cuidadores informais no nosso país. Os dados disponíveis resultam, essencialmente, de extrapolações a partir de estudos noutros países ou de amostras pouco representativas.

Os números avançados pela Eurocarers apontam para a existência de 827 mil cuidadores em Portugal. Se atendermos ao número de pessoas dependentes no autocuidado no domicílio, (que rondam os 110.355, das quais 48.500 se encontram acamadas) e as pessoas abrangidas pelo complemento de dependência de 1º grau e 2º grau, poderemos estar a falar de 220 mil pessoas. Se analisarmos ainda as pessoas a quem é atribuído o subsídio por assistência de terceira pessoa (que, em finais de 2019, contabilizava cerca de 13 mil pessoas), percebemos que não se torna consensual a forma de analisar os dados e chegar a um número de cuidadores informais que seja o mais aproximado da realidade portuguesa.

A lei 100/2019 de 06 de Setembro de 2019 que aprovou o Estatuto do Cuidador Informal, além de estabelecer medidas de apoio, veio regular os direitos e os deveres do cuidador informal. De entre um conjunto de apoios prevê, por exemplo, um subsídio de apoio, o direito ao descanso, apoio psicossocial e medidas de apoio à integração no mercado de trabalho.

Contudo, concretizar uma lei que todos esperam ver aplicada no terreno tem sido difícil. Aguardado por muitos dos cuidadores informais, que se viram fora das medidas de apoio do Estatuto do Cuidador Informal (ECI), com o anunciado término dos projectos-piloto (que tiveram uma duração de 12 meses), a 31 de maio de 2021, e abrangeram 30 concelhos do território continental, é esperada ainda, à presente data, a regulamentação do Estatuto a nível nacional. Fora dos concelhos-piloto, as pessoas podem pedir o reconhecimento do Estatuto do Cuidador Informal, mas vêem-se fora de acesso às medidas de apoio.

Para além da burocratização do processo – o que condicionou os pedidos de acesso ao estatuto – há ainda a referir que não foi realizada uma campanha de divulgação a nível nacional e que a desinformação é muita, o que dá lugar a dificuldades acrescidas para quem não domina a literacia digital.

Por outro lado, se se reflectir nos valores do subsídio atribuídos ao cuidador, rondado em média, 281,96€ mensais, estamos a falar de valores francamente baixos para quem cuida e para as pessoas cuidadas, o que deixa estas pessoas expostas a uma maior vulnerabilidade e risco de pobreza.

É indigno e não são dadas as condições adequadas para cuidar!
Por conseguinte, importa pensar numa mudança de fundo na lei, que permita alterar a condição de recursos que lhe está na base e a atribuição de um valor fixo e que este possa ser situado entre o valor do Indexante de Apoios Sociais e o Salário Mínimo Nacional. O cuidador informal, necessita do descanso periódico e o gozo de férias, bem como, assegurado o apoio nas situações de emergência.

Além do urgente alargamento da medida do estatuto do cuidador com a regulamentação a nível nacional, será importante que a carreira contributiva dos cuidadores informais não fique esquecida e que a legislação laboral proteja os cuidadores informais. Por outro lado, que haja um investimento das verbas orçamentadas não só nos subsídios, mas também nas medidas de apoio, como vagas para o descanso ao cuidador informal e aumento do número de profissionais para acompanhar os cuidadores, como por exemplo psicólogos; uma rede alargada por regiões com equipas de apoio aos cuidadores, não esquecendo o papel das autarquias e suas juntas de freguesia.

Os dados mais recentes do ISS, I.P., revelados no passado dia 5 de Novembro no 3º Encontro Nacional de Cuidadores Informais organizado pela Associação Nacional de Cuidadores Informais, facultados pela Secretária de Estado da Acção Social, Dr.ª Rita Mendes, dão conta do reconhecimento apenas de 11980 cuidadores informais, 2.954 dos quais provenientes de cuidadores de trinta concelhos onde foram implementados os projectos-piloto. Foi reconhecido o Estatuto a cerca de 5.985 cuidadores, mas só 530 beneficiaram do subsídio. É apontado que metade dos indeferimentos resultam dos requerentes não preencherem os critérios, nomeadamente o grau de parentesco, a titularidade das prestações e a sujeição a condição de recursos.

A Secretária de Estado da Acção Social anunciou neste evento que a regulamentação do Estatuto que generaliza a aplicação a todo o Continente vai ser aprovada a curto prazo, e que estarão a ser preparados outros diplomas que visam a simplificação dos processos de reconhecimento. Anunciou novidades, como a possibilidade de permitir o reconhecimento a mais do que um cuidador principal para uma pessoa cuidada e prever a majoração da comparticipação na contribuição do cuidador para o Seguro Social Voluntário (e que lhe permite contar este tempo para a reforma) de 25% para 50%, apontando também ” o descanso do cuidador” como prioritário.
Apesar dos anúncios, as dificuldades em fazer chegar a o Estatuto do Cuidador Informal a quem cuida, mantêm-se. Os apoios continuam a ser escassos, e a maioria dos cuidadores são excluídos de acesso aos seus direitos. Mantém-se a dúvida: para quando a regulamentação a nível nacional? Para quando apoios que realmente sejam condignos com as necessidades dos cuidadores? Para quando uma cooperação interministerial entre a área social e da saúde que permita pôr a rede de cuidados em prol das pessoas? Para quando uma mudança que nos permita desburocratizar os sistemas de acesso a medidas de apoio? Urge apoiar a rede informal de suporte dos cuidados em Portugal.

Liliana Gonçalves

Presidente da Associação Nacional de Cuidadores Informais