Vivemos num mundo onde a polarização vai ganhando palco e as ideias sobre um tema se declaram, cada vez mais, em polos opostos. E uma pessoa que tenha uma opinião e uma atitude moderada é por vezes acolhida com condescendência. Mas o que é que isto tem a ver com a liberdade? Absolutamente tudo.
POR MARGARIDA TEIXEIRA DE SOUSA
Ao procurar algumas referências a este tema, encontrei novamente a definição de liberdade de Thomas Hobbes em Leviatã e onde descreve a liberdade de modo simples: “é livre quem não encontra obstáculos (exteriores) nem entraves ao seu movimento”. Pensei imediatamente que esta definição era uma falácia, e depois percebi, que em pleno séc. XXI, esta definição de “liberdade” pode de facto ser a que mobiliza tantas pessoas (até de forma inconsciente e mesmo sendo uma falácia): querer viver sem problemas, sem entraves ao ego, viver ao sabor do lhes que apetecer, do que a sociedade for ditando, porque you only live once. E claro que é um argumento válido. Mas falamos então de libertinagem, não de liberdade. Eis a questão.
Explico a diferença: liberdade, como forma de expressão, resume-se a “tudo me é permitido, mas nem tudo convém” (1 Cor 6,12); já a libertinagem diz-nos “sei que posso fazer tudo e não me tentem impedir”. (Não sendo possível, num preciso momento, a coexistência das duas, mas a nossa vida nos ir demonstrando que vamos vivendo ambas).
E por isso, em nome da libertinagem, achando assim que estamos a ser muito livres, abre-se o campo do vale tudo. “Porque eu posso” é quando se instala a falsa sensação de liberdade numa aparência de bem-estar. E o mundo vai-se tornando assim mais polarizado (um exemplo é a guerra de poder de Putin ou o fenómeno contínuo das redes sociais, como tantos outros pequenos e grandes exemplos que deixo ao olhar de cada um). Mas a pergunta continua a ressoar neste vazio que fica da nossa ilusão de liberdade “De que é que ando à procura?”.
Por outro lado, quase todos ouvimos esta frase que vai atravessando gerações e tem o seu valor em sabedoria acumulada: “máxima liberdade, máxima responsabilidade”. Significa que a liberdade, na sua expressão, diz respeito ao direito de agir por vontade própria, isto é, do livre arbítrio, sem depender de terceiros e desde que não prejudique algo ou alguém. E por isso, a nossa máxima responsabilidade é o mesmo que dizer ” desde que não prejudique algo ou alguém” ou “mas nem tudo me convém”. Porque o âmago da liberdade é o amor. E tantos são os temas centrais ao funcionamento da vida social e política da sociedade que carecem desta liberdade.
Explica também Santo Inácio de Loyola, em «Princípio e Fundamento», texto de Exercícios Espirituais, «[…], o conceito de ser livre na relação com as coisas: […] donde se segue que o homem tanto há de usar delas (das coisas) quanto o ajudam para o seu fim, e tanto deve deixar-se delas, quanto disso o impedem. Pelo que é necessário fazermo-nos indiferentes a todas as coisas criadas, em tudo o que é concedido a liberdade do nosso livre arbítrio e não lhe está proibido; de tal maneira que, da nossa parte, não queiramos mais saúde que doença, riqueza que pobreza, honra que desonra, vida longa que curta, e consequentemente em tudo o mais, mas somente desejemos e escolhamos o que mais nos conduz para o fim para que somos criados.» [EE 23]
É, de facto, esta “boa indiferença” que nos liberta, quer seja pela nossa forma de ser, quer seja na forma de nos expressarmos. Provavelmente, o que tantos de nós precisam, e até procuram. Se é exigente? É. Se nos deixa mais felizes? É claro que sim!
Concluindo, e a propósito, também, desta ressaca comemorativa de 1974, vale a pena pensarmos no que é a liberdade como um todo, e actualmente, para cada um de nós: o que é que ela representa no nosso quotidiano, na relação com as pessoas que nos são próximas, o que vamos fazendo e nos traz descanso, e perceber, sem grandes expectativas, o que é que a liberdade que este amor ao próximo vai gerando nos nossos gestos e nas nossas palavras.
Termino com a responsabilidade de oferecer esta reflexão e agradecer a vida do (meu) pastor, que no dia 26 Abril completou mais uma volta ao quarteirão e talvez seja a pessoa que mais me tem ensinado a ser livre. Com tudo o que isso implica, acredito profundamente que é também nas relações de amizade que vivemos e exercitamos a nossa liberdade.
MARGARIDA TEIXEIRA DE SOUSA
Licenciada em Gestão e Mestrado em Empreendedorismo e Inovação Social. Trabalha na ACEGE