A vida não está fácil para ninguém, mas o universo empresarial está envolto num jogo no qual nem todos os líderes querem participar. O trabalho híbrido continua a dar cartas, os trabalhadores ganharam poder, os gestores andam de cabeça perdida e os líderes esforçam-se para encontrar a melhor fórmula para envolverem os empregados ao mesmo tempo que olham para os índices de produtividade e para as receitas dos seus negócios. Será que o ano de 2023 trará alguma ordem neste novo mundo do trabalho?
POR HELENA OLIVEIRA
O ano de 2022 não foi fácil para os líderes. O declinar do empenho e bem-estar dos funcionários resultou numa perturbação imensa nos locais de trabalho em todo o mundo. Alguns trabalhadores reavaliaram as suas vidas profissionais e outros repensaram completamente as suas carreiras. Muitos transitaram para o trabalho híbrido, dividindo o tempo entre o trabalho em casa e o trabalho no escritório. Seguiram-se debates sobre a frequência com que deveriam estar no escritório e quem poderia tomar essas decisões, na medida em que os trabalhadores se tornaram muito mais exigentes. Tal contribuiu para o azedar das relações empregador-empregado e, em casos extremos, os líderes exigiram que todos os trabalhadores regressassem ao local a tempo inteiro ao mesmo tempo que os empregados escolheram simplesmente ignorar as regras.
E uma coisa é certa: a forma como trabalhamos e vivemos mudou e, tal como em muitas outras alturas, é na adaptação que nos tornamos mais fortes. Como habitualmente, a reconhecida empresa de análise e consultoria Gallup, que tem como objectivo ajudar líderes e organizações a resolver os seus problemas mais urgentes, publicou o seu relatório State of the Global Workplace 2022 e dele extraiu o que considera serem as seis mais importantes lições aprendidas pelos líderes em 2022 e qual o seguimento que lhes devem dar ao longo deste (ainda) novo ano e na medida em que as tendência laborais se encontram ainda numa verdadeira baralhação.
Ausência de envolvimento dos trabalhadores é uma grande ameaça
Como já se declarou milhões de vezes, o envolvimento dos trabalhadores é fundamental para a produtividade, moral, desenvolvimento e retenção da força de trabalho de cada organização. Os empregados verdadeiramente empenhados sentem-se entusiasmados e agradados com o seu trabalho e local de trabalho, sendo o seu desempenho consistentemente melhor, bem como a sua retenção, comparativamente aos colegas menos envolvidos. Um dado curioso da investigação da Gallup – e que tem sido referido em várias esferas e por especialistas distintos – assenta no facto de o envolvimento dos trabalhadores ter atingido níveis recordistas, quando o vírus letal embateu em força e foram encetados esforços hercúleos para salvar as empresas e apoiar os seus empregados. Todavia, e segundo a consultora, com o arrastamento da pandemia, os esforços de liderança diminuíram coincidindo com um menor envolvimento da força laboral em meados de 2021.
Apesar dos dados neste caso em particular reportarem aos Estados Unidos, é de sublinhar que, no início de 2022, o nível de envolvimento dos funcionários caiu para um mínimo de sete anos, com 32% a mostrarem-se empenhados e 17% activamente desvinculados do trabalho. A queda continuou ao longo de 2022, uma vez que os níveis de envolvimento permaneceram relativamente inalterados.
Assim, e olhando para o futuro próximo, a estagnação do envolvimento dos trabalhadores assume-se como uma das maiores ameaças não só para as empresas, mas também para a economia, na transição para o ano de 2023 e no seu seguimento.
Todavia, a verdade é que há males que vêm por bem. Se por um lado já existiam muitas organizações dedicadas a melhorar o envolvimento da sua força laboral, o que lhes permitiu enfrentar melhor a tempestade e superar os seus concorrentes menos atentos, também foram muitas outras que, depois do susto apanhado, decidiram inverter este panorama e estabeleceram como uma das suas prioridades darem melhores condições aos seus trabalhadores para aumentarem o seu envolvimento e o sentimento de pertença à empresa. Ou seja, e em 2023, esta questão continua a ser fulcral e os líderes têm de a manter como prioritária nas suas agendas.
Não queremos voltar ao passado
O tema já é recorrente, mas a sua importância mantém-se actual. E sim, estamos a falar do trabalho híbrido e da flexibilidade a que os trabalhadores rapidamente se habituaram e que, apesar do desejo contrário de muitos líderes, veio para ficar. No estudo da Gallup, que faz eco de muitos outros, um terço dos trabalhadores híbridos e seis em cada 10 trabalhadores que se encontram exclusivamente no regime do trabalho remoto afirmam ser “extremamente provável” procurarem novas oportunidades de trabalho, caso o seu empregador decidir não oferecer flexibilidade do trabalho à distância no futuro.
Todavia, nem todos são adeptos deste regime, preferindo o presencial. Assim, uma boa aposta por parte das empresas seria perguntar e negociar com os trabalhadores as diversas modalidades que existem no universo laboral da actualidade, numa tentativa de encontrar uma solução que funcione para ambas as partes. Como também todos sabemos de cor e salteado, empregados contrariados empenham-se menos, têm maiores probabilidades de sofrer de stress e de esgotamento profissional, a par de uma maior propensão para deixarem a empresa, trocando-a por outra que corresponda às suas preferências. Com a crise da atracção e retenção dos talentos a ser igualmente um problema no universo empresarial, muitos empregadores não poderão dar-se ao luxo de perderem trabalhadores produtivos e empenhados para a concorrência.
Todavia, muito trabalho nesta área há ainda a fazer. Por exemplo, as equipas híbridas têm de aprender a coordenar os seus horários de uma forma que optimize a colaboração de todos na satisfação das necessidades dos clientes (e deles próprios), os gestores têm de encontrar a fórmula certa para melhor gerir esta modalidade mista e os líderes têm de estar simultaneamente atentos à produtividade do seu negócio e ao bem-estar dos colaboradores. A verdade é que esta revolução laboral, ainda em curso, está a conferir poder aos trabalhadores, com muitos a negarem o regresso ao “trabalho normal” que antecedeu a pandemia.
Trabalhar no escritório não é sinónimo de uma saudável cultura organizacional
No que respeita à cultura organizacional e de acordo com o estudo da Gallup em 2022, uma das conclusões que mais surpreende assenta no facto de os trabalhadores híbridos se sentirem mais próximos da cultura da sua organização do que os trabalhadores que nela trabalham presencialmente. Este resultado desafia a ideia de que trabalhar “no escritório” é sinónimo de “cultura empresarial”. Esta temática é também uma das mais discutidas por parte dos líderes empresariais, pois as opiniões não reúnem consenso. Para a consultora, é verdade que as interacções presenciais são valiosas mas, ao que tudo indica, os trabalhadores em regime híbrido parecem estar a “receber mais”, na medida em que a flexibilidade de que gozam fá-los sentir que a empresa não só está interessada no seu bem-estar, como também lhes oferece um bem-vindo “certificado de confiança”. Este sentimento permite fortalecer os laços entre empregadores e empregados.
Adicionalmente, o trabalho híbrido pode ajudar as organizações a abandonar “ o modo como sempre fizemos as coisas”, desde que haja uma clarificação das expectativas de ambas as partes. Por outro lado, e como os líderes parecem estar a aprender, o novo regime híbrido está (e continuará) a obrigar a uma reinvenção do significado, propósito e experiência da cultura da empresa. Há que redefinir o “porquê” e o “como” por detrás das suas estratégias, práticas e normas de trabalho e encorajar o trabalhadores a envolverem-se mais, sentindo-se por isso mais “incluídos”na nova ou futura cultura organizacional, a qual é definida, em última análise, pela forma como se trabalha em conjunto.
Por outro lado, o trabalho híbrido está a obrigar os gestores a reinventarem-se a si mesmos, simplesmente porque são eles a “cola” que mantém as equipas unidas. A pandemia, o trabalho remoto e o regresso ao local de trabalho tornaram a sua tarefa cada vez mais complicada, pois são eles o elo de ligação entre líderes exigentes e os membros das equipas, funcionando tanto como tradutores das necessidades de uns e outros, mas também como bodes expiatórios quando as coisas não correm bem.
Com a maioria dos trabalhadores preferir neste momento trabalhar em modo híbrido, a análise da Gallup demonstra que fardos cada vez mais pesados são carregados nos ombros dos líderes. Desde a coordenação diária de empregados que não têm o mesmo horário e não trabalham no mesmo sítio até à incapacidade de terem acesso às interacções em tempo real das equipas que estão a gerir. Como resultado, o número de gestores “híbridos” com problemas de burnout está a aumentar e a sua ligação ou sentimento de pertença à empresa a diminuir comparativamente aos seus congéneres que gerem equipas que estão apenas em trabalho remoto ou presencial.
Os gestores em causa têm como função fomentar e estimular a produtividade, a colaboração, o empenho e a equidade a nível da equipa. São igualmente responsáveis por incorporar a cultura e os valores da empresa, confiando frequentemente em gestores de outras funções para obter ajuda, aconselhamento e apoio. Contudo e nesta transição, muitos gestores parecem ter perdido algumas das ligações informais que facilitavam e tornavam o seu trabalho mais agradável. Para a Gallup, fornecer a estes gestores mais apoio, formação, comunicação e oportunidades de reconstruir as suas relações e redes será imperativo este ano.
Os assassinos da produtividade
Apesar de muitas empresas terem aprendido, ao longo da pandemia, que o bem-estar mental e físico dos seus trabalhadores é fundamental para a sua performance, envolvimento e longevidade, outras tantas existem que continuaram de olhos fechados face a esta premissa. De acordo com o estudo da Gallup, são muitas as organizações em que o bem-estar dos empregados foi desolador durante toda a pandemia, não sendo 2022 uma excepção. Nos Estados Unidos, e como reporta a Gallup, três em cada 10 empregados relataram situações de esgotamento profissional “muito frequentemente” ou “sempre” no ano transacto, com quatro em cada 10 a revelaram que o seu trabalho teve um impacto negativo na sua saúde mental nos últimos seis meses. Um outro dado preocupante assenta no facto de os trabalhadores estarem crescentemente a perder a fé nos seus empregadores, com apenas 24% dos inquiridos para o estudo da Gallup a concordarem fortemente que estes últimos se preocupam com o seu bem-estar.
Este declínio do envolvimento com a empresa e com o trabalho que fazem teve e continua a ter um enorme impacto no número de trabalhadores que simplesmente abandonam os seus locais de trabalho com o objectivo de preservar a sua saúde mental.
E como alerta não só a Gallup, abordar questões de saúde mental não é apenas um movimento defensivo, mas sim a chave para atrair, envolver e reter talentos. Quando a consultora perguntou aos participantes no estudo o que mais ambicionavam no seu próximo emprego, a resposta nº 1 foi mais remuneração, mas um segundo lugar muito próximo foi ocupado por “um maior equilíbrio trabalho-vida e um melhor bem-estar pessoal”
As organizações que querem ganhar a guerra de talentos deste ano precisarão de uma proposta clara de valor no que respeita à saúde mental e bem-estar dos seus colaboradores, sob pena de os verem bater com a porta caso tal não exista – o famoso “quiet quitting” que se popularizou em 2022.
Por outro lado e de acordo com o famoso pai da gestão moderna, Peter Drucker, os locais de trabalho existem para criar e servir clientes. Infelizmente, nos últimos anos, tanto empregados como clientes têm vindo a perder a confiança nas organizações em que trabalham e nas marcas que os acompanhavam há muito. Ou seja, a satisfação e a confiança dos clientes estão em declínio. No relatório da Gallup e por outro lado, apenas 29% dos empregados concordam fortemente que se orgulham da qualidade dos produtos ou serviços que prestam, com somente 23% a concordarem fortemente que a sua organização cumpre as promessas feitas aos clientes. E esta falta de confiança, a par do menor envolvimento dos trabalhadores, está a prejudicar a capacidade das organizações de ganhar e manter clientes.
Quando a organizações são capazes de envolver empregados e fazê-los sentirem-se ligados à sua cultura, os dividendos que recebem traduzem-se numa força de trabalho que é quatro vezes mais susceptível de se orgulhar do local onde trabalham e de fornecer os melhores produtos e serviços possíveis aos clientes.
Em última análise, diz a Gallup, o crescimento orgânico é alimentado pela aquisição e retenção de clientes e são as marcas que constroem uma força de trabalho forte e focada no cliente que irão sobreviver.
Editora Executiva