Há doze mil anos o mundo saía do seu último período glacial. Nada nem ninguém à face da terra tinha escapado aos impactos desse fenómeno climatérico global. Há pouco mais de 4 anos o mundo voltou a assistir surpreso ao eclodir de um outro cenário igualmente global, sem paralelo no horizonte da nossa história recente. Uma pandemia numa escala e velocidade que a humanidade não estava preparada para conter
POR FRANCISCO VIEIRA

Há 4 anos iniciamos o confinamento e o mundo foi gradualmente desligando. As imagens dos aviões amontoados nas pistas dos aeroportos, avenidas antes fervilhantes de vida e movimento agora sem ruido nem vivalma, não se repetirão provavelmente no período de gerações.

E um dos principais motores do crescimento e progresso da humanidade, a energia, viu de repente os seus níveis de procura descerem a pique. Pela segunda vez nos últimos 50 anos (a primeira foi em 2009 – crise do sub prime) em 2020 o mundo consumiu menos energia que no ano anterior. E as notícias não foram todas más já que as emissões de carbono nesse ano registaram também um decréscimo proporcional.

Quando a procura abranda, gera-se excesso na oferta e os preços descem. O preço da eletricidade no mercado grossista diário em Portugal, que na década anterior se situou numa franja entre os 50 e 60 euros por MWh, era em Abril 2020 de 18 euros. Nesse mesmo mês o crude chegou a cotar a 16 dólares por barril e a referência do Gás Natural na Europa (TTF) registou em Maio 2020 um valor inferior a 4 euros por MWh, face aos 15-20€MWh que tradicionalmente caracterizaram o mercado nos anos anteriores. Parecia que as regras do jogo se tinham invertido e que grande parte da capacidade de geração de energia instalada no mundo se tornaria ociosa.

E assim permanecemos até que as vacinas e a ciência nos devolveram a confiança e o gradual regresso à atividade económica. No terceiro trimestre de 2021 começam a desenhar-se sinais de stress nas cadeias de abastecimento, depauperadas e sem recursos para responder a uma retoma com pressa em afirmar-se.

O mercado da energia mais uma vez lidera a resposta e assistimos a partir de setembro 2021 a uma escalada de preços difícil de antecipar. No final desse ano o crude cotava a 80 dólares, o Gás Natural (TTF) aproximava-se dos 140 euros e o preço spot da eletricidade no mercado grossista em Portugal ultrapassava os 200 euros. Tudo isto ainda sem a invasão da Ucrânia, que viria a ocorrer em fevereiro do ano seguinte (2022).

A escalada continua. Em março 2022 o preço da eletricidade em Portugal atinge os 283 euros e o Gás Natural TTF os 345 euros em agosto 2022. Os governos e Comissão Europeia entram em pânico. O impacto nos mercados financeiros e na taxa de inflação põe um ponto final a um longo período de dinheiro barato na Europa e nos Estados Unidos. Entretanto as mesmas empresas do setor energético impactadas em 2020 pela contração recorde das suas receitas, apresentam em 2022 resultados excepcionais que suscitam na Europa as famosas windfall taxes.

Entretanto a Europa acorda para um novo cenário que permanecia longe do horizonte dos cidadãos: a sua própria segurança de abastecimento, agora com os fornecimentos de gás russo em risco. A verde Alemanha que numa tirada de populismo e eleitoralismo tinha antes decidido descontinuar as suas centrais nucleares, vira-se agora em força para o carvão, porque pior que as emissões de CO2 é deixar morrer as indústrias ou as pessoas.

Os esforços na agenda da Transição Energética prosseguem, ainda que porventura a um ritmo inferior ao que seria desejável. Indiscutivelmente vemos hoje a circular nas nossas cidades e estradas muito mais veículos híbridos e elétricos que há 4 anos. A paisagem alterou-se nalgumas zonas do nosso território, com vastas áreas cobertas por painéis solares foto voltaicos. O decréscimo de preço destes mesmos painéis levou à sua multiplicação exponencial em telhados e instalações de autoconsumo.

Mas há um indicador que não mexe desde há mais de 30 anos: a componente das fontes fósseis de energia no balanço energético mundial. Em 1990 o petróleo, carvão e gás forneciam 81% do total das necessidades energéticas mundiais. Em 2022 o mundo consumiu muito mais energia que em 1990 (mais 70%), mas as fontes fósseis continuaram a assegurar 80% das necessidades globais. Já se vê que os objetivos de descarbonização são de difícil e complexa realização, e talvez fosse desejável um pouco mais de realismo, a par da ambição, no estabelecimento das metas.

Os últimos 4 anos foram realmente importantes para compreender a volatilidade do setor e a forma como teremos de gerir os nossos recursos energéticos no futuro. A estabilidade de preços não será mais uma realidade. A forte penetração de fontes renováveis no mix de geração de eletricidade gera perplexidades (preços nulos nalgumas horas) que até agora não se apresentavam. A geopolítica dos materiais críticos para o fabrico de baterias e demais equipamentos de uma economia descarbonizada, já começa a deixar claras as tensões que aí veem (China, a toda-poderosa no domínio das principais cadeias de abastecimento). Nuclear e Captura de Carbono serão indispensáveis ao avanço desta transição que todos desejam social e economicamente responsável.

Portugal tem seguido um trajeto consistente nesta agenda da transição energética, graças a uma visão transversal às diversas forças políticas que têm assumido a missão de governar o país. Fazemos votos de que a nova equipa prossiga o mesmo rumo, com ambição, mas com plena consciência dos impactos na competitividade da nossa economia e do bem-estar dos nossos concidadãos.

Francisco Vieira

Diretor do AMEG e Professor da AESE Business School