Se Péricles entrasse numa sala de reuniões moderna, talvez franzisse o sobrolho ao ver PowerPoints projetados em ecrãs brilhantes, mas não se enganem: ele entenderia de imediato o que está em jogo. Liderar uma cidade-estado em guerra ou gerir uma equipa na era digital podem parecer mundos distintos, mas as raízes da liderança permanecem as mesmas. Os antigos gregos não tinham software de gestão, mas dominavam algo ainda mais poderoso: a arte de inspirar, convencer e tomar decisões estratégicas. Entre o eco das sandálias na ágora e o ruído dos sapatos modernos num open space, há lições que atravessam os séculos e se mantêm surpreendentemente atuais
POR PEDRO COTRIM
Desde os tempos antigos, a liderança sempre esteve no coração do progresso humano. Na Grécia clássica, Péricles, o icónico estratega de Atenas, não apenas moldou a democracia, mas demonstrou que o verdadeiro líder é aquele que alia pensamento estratégico à ação prática. Hoje, enquanto enfrentamos um mundo em constante transformação, revisitamos os princípios que os gregos já compreendiam: a arte de administrar, liderar e inspirar é, acima de tudo, uma lição atemporal.
A Ágora e o nascimento da colaboração
A ágora grega não era apenas uma praça pública; era um vibrante espaço de debate, onde ideias eram trocadas, conflitos resolvidos e decisões cruciais tomadas. De muitas formas, a ágora foi o primeiro protótipo das modernas salas de reuniões. Líderes e cidadãos apresentavam argumentos persuasivos, buscando soluções coletivas.
Nos dias de hoje, as empresas que promovem a colaboração ativa entre as suas equipas replicam este modelo de debate democrático. Reuniões eficazes exigem escuta ativa, argumentação bem fundamentada e respeito mútuo, práticas que os gregos consideravam essenciais para o progresso da pólis.
A estratégia de Péricles: otimização de recursos
Durante a Guerra do Peloponeso, Péricles enfrentou o desafio de manter Atenas competitiva contra Esparta, uma potência militar superior em terra. Sabia que a força de Atenas residia na sua frota marítima e nos seus recursos económicos. Assim, investiu estrategicamente em áreas onde Atenas tinha vantagem, como o comércio e as alianças marítimas.
Aqui está uma lição direta para os gestores modernos: em tempos de escassez, saber alocar recursos de forma eficiente é a chave para o sucesso. Estratégias como «gestão lean» e «foco no core business» estão ecoadas na liderança visionária de Péricles.
Oratória: o poder de influenciar
Os gregos clássicos entendiam que a comunicação era uma ferramenta de poder. Grandes líderes, como Péricles, eram também mestres na retórica. As suas reflexões, como o famoso «Discurso Fúnebre», não apenas inspiravam os cidadãos, mas fortaleciam a moral em tempos de crise.
Hoje em dia, o papel da comunicação é igualmente crítico. Um CEO que domine a arte de transmitir a sua visão de forma clara e empática é capaz de mobilizar equipas inteiras. Inspirar com palavras não é apenas um dom, mas uma habilidade que pode ser desenvolvida.
Sócrates e o questionamento como ferramenta de gestão
Se Péricles era um estratega, Sócrates foi o mestre do questionamento. Acreditava que a sabedoria verdadeira vinha do questionar constante, um princípio que, para os gestores modernos, é fundamental. «Porque fazemos as coisas desta forma?» ou «Que outras possibilidades existem?» são perguntas que podem desbloquear soluções inovadoras.
No mundo corporativo, onde muitas vezes o status quo é aceite sem contestação, incorporar o «método socrático» pode abrir novos horizontes estratégicos.
Ética e o líder filósofo
Platão, aluno de Sócrates, idealizou o conceito de governantes-filósofos em «A República», argumentando que os líderes mais eficazes são aqueles que combinam ética, sabedoria e visão. No contexto atual, onde questões como sustentabilidade e diversidade são prioritárias, a liderança ética torna-se indispensável.
Gestores que priorizam valores, ao invés de apenas lucros imediatos, constroem organizações resilientes e respeitadas. Afinal, o bom líder não só toma decisões com base em números, mas também considera o impacto humano e ambiental.
A tecnologia como um novo Olimpo
Embora os gregos dependessem de deuses mitológicos para explicar o mundo, hoje dependemos da tecnologia. A inteligência artificial, a análise de dados e as plataformas digitais oferecem um novo «Monte Olimpo» aos gestores. Contudo, tal como os deuses gregos podiam ser caprichosos, a tecnologia exige supervisão e ética.
Como Prometeu, que trouxe o fogo à humanidade, cabe aos gestores modernos trazer as ferramentas tecnológicas para as suas equipas, garantindo que sejam usadas para o progresso e não para a destruição.
Resiliência em tempos de crise
Os gregos clássicos enfrentaram catástrofes, desde invasões persas até pandemias, com uma resiliência notável. A capacidade de Atenas de se reconstruir após a derrota na Guerra do Peloponeso é um testemunho da importância de nunca desistir, mesmo diante de adversidades.
Hoje, em tempos de incerteza global, os líderes precisam de cultivar esta mesma resiliência. Ser proativo, manter a calma e buscar soluções criativas são qualidades que definem os gestores que se destacam.
O legado eterno
Os princípios de liderança dos gregos clássicos continuam a ressoar nos desafios de hoje. A sabedoria de Péricles, Sócrates e Platão oferece lições valiosas para gestores que desejam não apenas liderar, mas transformar.
Em última análise, ser líder é, como os gregos nos ensinaram, uma busca incessante pelo equilíbrio: entre estratégia e ética, entre ação e reflexão. Afinal, a liderança verdadeira, como disse Aristóteles, «não é governar, mas servir».
Bibliografia
– Aristóteles. Ética a Nicómaco. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009.
– Platão. A República. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
– Thucydides. The History of the Peloponnesian War. London: Penguin Classics, 1972.
– Jaeger, Werner. Paideia: A Formação do Homem Grego. Lisboa: Edições 70, 1995.
– Senge, Peter. The Fifth Discipline: The Art and Practice of the Learning Organization. New York: Doubleday, 1990.
– Kagan, Donald. Pericles of Athens and the Birth of Democracy. New York: Simon & Schuster, 1991.
– Heródoto. Histórias. São Paulo: Editora 34, 2013.
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