«Somos uma empresa que faz uma reunião do Conselho de Administração na noite de Natal porque a cotação da bolsa caiu cinco pontos»
POR JOÃO CÉSAR DAS NEVES

Quando todos acederam à sala virtual, Helena, a CEO da empresa, começou a reunião zoom com uma desculpa:

«Bem-vindos. Agradeço a vossa presença e peço perdão por convocar um Conselho de Administração a esta hora na véspera de Natal. Fui muito pressionada para a marcar com urgência, não só por vários dos grandes acionistas, mas até por alguns de vós. Procurarei fazer este encontro tão breve quanto possível, para poderem voltar aos vossos festejos, mas temos uma emergência: a cotação das ações voltou a cair cinco pontos na última sessão da bolsa antes das festas. Preciso do vosso parecer sobre a gravidade da situação e as eventuais medidas a tomar. Quem quer começar?»

Todos sabiam que seria Raúl, o administrador financeiro, o primeiro a falar. Era sempre o primeiro, e falava muito.

«Eu repito aquilo que tenho andado a dizer há meses: a questão não é tanto a situação atual, mas as perspetivas. Todos sabem que uma guerra comercial entre os EUA e a Europa é muito provável. O aumento das despesas militares, ambientais e sociais vão pressionar os orçamentos nestes anos, e isso complicará o equilíbrio financeiro e o crescimento económico do país. A conjuntura é sombria. Todos estes fatores pressionam a empresa, que tem de estar ágil, leve e …»

Nesse momento Alice, a administradora jurídica, interrompeu a verve do colega.

«Desculpa, Raúl, mas nós conhecemos as tuas teorias, e esta não parece a altura para explanações. Tenho 15 pessoas à espera na sala para continuar o jantar. Além disso, não estão aí as causas da queda recente. O que a Helena quer saber, parece-me, tem a ver com medidas drásticas: reduzir pessoal, fechar fábricas, rever parcerias, até vender alguns dos nossos negócios laterais.»

Nesse momento o administrador de operações, Eduardo, começou a falar, mas não se ouvia nada. Várias vozes disseram para ele clicar no “unmute” e só então disse:

«Sabem todos que não estou preocupado com estes movimentos na bolsa. Se a nossa linha estratégica é sólida, e eu penso que é, devemos evitar reações de pânico, reduzindo a atividade. Temos de explicar a todos os acionistas que estamos a aplicar o plano de fundo aprovado, o que demora tempo a mostrar resultados. Além disso…

«Eu acho», interrompeu Ana, a administradora responsável pela gestão de pessoal, «que é preciso com urgência alterar drasticamente a nossa estrutura de fabricação. Os produtos de puericultura, que não têm perspetivas de procura a prazo, devem ser reduzidos ou até descontinuados. Os casais hoje não têm bebés. O que têm é cães e gatos. A prioridade deve estar a linha para animais de estimação.»

Nesse momento começou um debate com várias vozes a tentarem fazer-se ouvir. Foi no meio dessa confusão que, de repente, todos os participantes na reunião receberam simultaneamente, no “chat” do zoom, a mesma mensagem:

«Não temais, pois anuncio-vos uma grande alegria, que o será para todo o povo: Hoje, na cidade de David, nasceu-vos um Salvador, que é o Messias Senhor. Isto vos servirá de sinal: encontrareis um menino envolto em panos e deitado numa manjedoura. Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens do seu agrado.»

O insólito da situação gerou um momento de silêncio, até que Alice perguntou:

«Quem é que enviou a mensagem?»

«Foi o Robbie», respondeu Telma, a administradora de marketing.

«Robbie!?», disse Alice. «Quem é esse?»

«Só tu Alice é que não sabes quem é o Robbie!», riu a Telma. «O Robbie é o nosso “bot” de inteligência artificial, concebido para apoiar os funcionários e clientes nas suas decisões. Já está operacional há dois meses, mas ainda há administradores que o desconhecem! Esta é mais uma das suas comunicações enviada a todos os stakeholders da empresa.»

«Bem voltemos à nossa discussão», disse Raúl um pouco agastado. «Esta interrupção nada tem a ver com o tema. Sempre disse que na inteligência artificial há vantagens, mas também faz perder muito tempo e dinheiro.»

Então, pela primeira vez desde que iniciara a reunião, Helena falou:

«Desculpa, Raúl, mas se esta mensagem não tem nada a ver com o nosso tema, então ela não tem nada a ver com coisa nenhuma. Se esta notícia de há 2000 anos é relevante para a humanidade, ela tem de ser importante para a nossa discussão estratégica.»

«Não vejo como», respondeu sombriamente Raúl.

«Ela chama-nos ao essencial. Lembra-nos o sentido de fundo que escolhemos para a nossa vida. Qual são os valores da empresa? Num momento decisivo da vida dela, o que é que esta mensagem nos tem a dizer? Qual é o propósito da nossa atividade? Que queremos deixar neste mundo, quando morrermos? Quem somos nós?»

«Somos uma empresa que faz uma reunião do Conselho de Administração na noite de Natal porque a cotação da bolsa caiu cinco pontos», respondeu Eduardo.

Ao ouvirem isto fez grande silêncio e os participantes foram saindo um a um da reunião, a começar pelos mais velhos.

Alguns minutos depois todos os membros do Conselho receberam no seu telemóvel uma mensagem da Helena que dizia apenas: «Santo Natal.»

Economista, professor catedrático na Universidade Católica e Coordenador do Programa de Ética nos Negócios e Responsabilidade Social das Empresas

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