Portugal continua entre os piores da Europa no cumprimento de prazos de pagamento. Só uma em cada cinco empresas paga a horas, com o cenário nas grandes empresas a ser ainda mais preocupante: apenas 4% (1 em 25 empresas) cumprem os prazos acordados com os fornecedores. A análise do estudo divulgado pela Informa D&B, apresentada por Augusto Castelo Branco, mostra que o atraso nos pagamentos é uma prática generalizada e culturalmente enraizada, com impactos severos na liquidez, no investimento e na sobrevivência das empresas. E, em 15 anos, a distância face à média europeia duplicou, situando-se agora nos 30 pontos percentuais
POR HELENA OLIVEIRA


A Informa D&B monitoriza diariamente os prazos de pagamento efectivos das empresas portuguesas através de um programa que recolhe informação detalhada, em tempo real, de mais de 300 empresas que enviam mensalmente os seus mapas de antiguidade de saldos. “Fazemo-lo não apenas analisando os prazos acordados, mas aquilo que verdadeiramente tem impacto na tesouraria e na saúde financeira das empresas: os prazos efectivos de pagamento”, explicou o seu director, Augusto Castelo Branco.

Com estes dados, é possível saber quantos dias, para além do prazo acordado, as empresas demoram a pagar, e elaborar anualmente o estudo do comportamento de pagamentos, que este ano tem dados actualizados até Maio de 2025.

O estudo revela que apenas 20% das empresas em Portugal pagam dentro dos prazos acordados, o que significa que quatro em cada cinco empresas se atrasam nos pagamentos. Embora este número seja superior aos 15% registados em 2020, representando uma evolução positiva, Augusto Castelo Branco salientou que “não deixa de ser apenas um quinto do tecido empresarial” a cumprir prazos.

Segundo o director da Informa D&B, o problema dos atrasos nos pagamentos em Portugal tem raízes profundas, e não pode ser explicado apenas por más práticas de gestão ou dificuldades pontuais de tesouraria. Há, na base, uma componente cultural enraizada, que molda comportamentos e atitudes desde logo à partida. “Todos nós já ouvimos — e vão perdoar-me a expressão popular — a frase ‘pagar e morrer, quanto mais tarde, melhor’”, referiu, apontando esta mentalidade como um reflexo da forma como o cumprimento de prazos ainda não é culturalmente valorizado como deveria ser. Esta normalização do adiamento dos pagamentos acaba por perpetuar comportamentos prejudiciais à saúde financeira das empresas e à economia como um todo.

Para além desta dimensão cultural, o director da Informa D&B identificou quatro grandes factores estruturais que explicam os atrasos:

  1. O receio de prejudicar a relação comercial
    Este factor surge com especial incidência nas pequenas empresas, que, por dependerem de clientes de maior dimensão, acabam por aceitar prazos de pagamento desajustados da realidade do seu negócio. Mesmo sabendo que esses prazos são injustos ou inviáveis, muitas empresas resignam-se por medo de perder contractos, encomendas ou relações comerciais importantes. “Há este receio latente de prejudicar a relação comercial”, explicou, lembrando que esta assimetria de poder fragiliza a posição negocial das empresas mais pequenas.
  2. O efeito dominó
    Outro dos factores mais expressivos é o efeito dominó gerado pelos atrasos ao longo da cadeia de valor. Cerca de 30% das empresas que se atrasam a pagar fazem-no porque elas próprias estão a receber fora de prazo. “Não o fazem porque querem, mas porque não conseguem pagar a horas”, esclareceu, sublinhando que a pressão se propaga a montante e a jusante, comprometendo a sustentabilidade do ecossistema económico. Um elo em falha pode arrastar muitos outros, sobretudo em cadeias de valor complexas e interdependentes.
  3. O impacto de contextos macroeconómicos
    Condições externas também têm contribuído para este fenómeno. “Vivemos recentemente dois momentos muito significativos”, afirmou: “a pandemia de COVID-19 e, mais recentemente, o surto inflacionista — ambos responsáveis por agravar os constrangimentos de tesouraria das empresas”. A subida dos custos de financiamento, a instabilidade dos mercados e a imprevisibilidade da procura criaram pressões adicionais que acentuaram os atrasos nos pagamentos, mesmo entre empresas que, em circunstâncias normais, não deixariam de cumprir os seus compromissos.
  4. Baixo conhecimento financeiro nas PME
    Por fim, Augusto Castelo Branco destacou uma causa menos visível, mas igualmente decisiva: a fraca literacia financeira, em especial entre as pequenas e médias empresas. A falta de competências na gestão de tesouraria, na previsão de fluxos de caixa e no planeamento financeiro traduz-se muitas vezes em atrasos sistemáticos nos pagamentos. “Este baixo conhecimento financeiro pode introduzir dificuldades sérias na gestão da tesouraria da empresa e, por consequência, impactar directamente no seu cumprimento”, afirmou.

Alguns sinais positivos

Apesar do cenário preocupante, há sinais encorajadores que não devem ser ignorados. Segundo Augusto Castelo Branco, “gostamos sempre de encontrar um ângulo positivo” — e ele existe. A percentagem de empresas que cumpre os prazos subiu de 15% em 2020 para 20% em 2025, revelando uma evolução positiva, ainda que lenta.

Também se registou uma redução do número médio de dias de atraso, que desceu de 26,6 dias em 2020 para 22,6 dias em 2025, e a percentagem de empresas com atrasos superiores a 90 dias caiu de 7% para 5% no mesmo período.

Estes dados, embora modestos, mostram que há uma trajectória de melhoria. No entanto, como frisou o responsável da Informa D&B, continuam a ser “insuficientes face à dimensão do problema” e exigem reforço do compromisso colectivo.

Grandes empresas com pior desempenho

Outro aspecto relevante é o da dimensão empresarial, que revela comportamentos distintos. Apenas 4% das grandes empresas (com 250 ou mais empregados) cumprem os prazos acordados com os seus fornecedores, enquanto nas médias empresas esse valor sobe para 11%, nas pequenas para 19%, atingindo 24% nas microempresas.

Contudo, apesar de apresentarem pior desempenho em termos de cumprimento pontual, as grandes empresas registam uma menor incidência de atrasos significativos (superiores a 90 dias). Este dado indica que, embora paguem fora de prazo com frequência, o fazem de forma mais previsível e com menor risco de incumprimento grave, o que as torna, paradoxalmente, mais fiáveis do ponto de vista do risco financeiro.

Já os sectores que se destacam ligeiramente pela positiva são as TIC, as actividades imobiliárias, os serviços empresariais e o pequeno retalho.

Portugal no fundo do ranking internacional

Numa perspectiva comparada, Portugal apresenta uma das piores posições internacionais. Dados da rede global da D&B (CRIBIS), que analisam o comportamento de pagamentos em mais de 50 países, colocam Portugal entre os cinco piores países pagadores, com apenas 19% das empresas a pagar dentro do prazo em 2024, ano usado para comparações internacionais. Em contraste, a Dinamarca lidera com 94% de empresas a cumprir prazos, seguida de outros países nórdicos e da Europa Central. Na verdade, Portugal ocupa o penúltimo lugar do ranking, apenas à frente da Roménia.

Quando comparado com os seus cinco principais parceiros comerciais (Alemanha, Espanha, França, Reino Unido e Estados Unidos), Portugal apresenta um desvio muito acentuado. “Quando comparamos com a Alemanha, estamos a falar de mais de um terço de diferença”, destacou Augusto Castelo Branco.

Mais preocupante ainda é a evolução do desfasamento face à média europeia: em 2009, a diferença entre Portugal e os restantes países da UE era de 14 pontos percentuais; em 2024, esse fosso agravou-se para 30 pontos, apesar da existência de uma directiva europeia para harmonizar os prazos de pagamento.

43 mil empresas em risco elevado de se atrasarem mais de 90 dias

Como explicou Augusto Castelo Branco, na Informa D&B, com base em dados individualizados sobre o comportamento de pagamento de cada empresa, “desenvolvemos um modelo preditivo assente em técnicas de inteligência artificial [predictive analytics]. Este modelo, construído com base em históricos reais e actualizados, permite calcular a probabilidade de uma empresa vir a atrasar, em mais de 90 dias, o pagamento a pelo menos um dos seus fornecedores nos próximos 12 meses”.

Assim, e prosseguindo, o director da Informa D&B fala do denominado “delinquency score”, “um indicador que avalia o risco de incumprimento significativo e que muitos dos nossos clientes usam na gestão de crédito e nas decisões de relacionamento comercial”.  Este indicador é frequentemente analisado em conjunto com o “failure score”, que estima o risco de uma empresa não pagar de todo. Assim, e segundo os dados mais recentes, Augusto Castelo Branco estima que cerca de 43 mil empresas em Portugal apresentem actualmente um risco elevado ou médio-alto de se atrasarem mais de 90 dias nos pagamentos aos seus fornecedores, “um número expressivo, com implicações profundas para a saúde financeira do tecido empresarial nacional”, remata.

Impacto profundo na economia

Augusto Castelo Branco sublinhou que o impacto dos atrasos não se limita à tesouraria das empresas: “Logo à partida, reduz a capacidade de investimento das empresas, limita a criação de emprego e o crescimento”. Além disso, provoca efeito dominó em cadeias de valor longas e complexas, dificulta o acesso a financiamento — já que bancos e fornecedores avaliam a capacidade de pagamento — e aumenta drasticamente o risco de insolvência, sobretudo para as micro e pequenas empresas.

“O impacto é expressivo, é um impacto na vida das empresas e na economia”, concluiu, alertando que o comportamento de pagamentos deve ser encarado como um indicador de saúde financeira e ética empresarial, e não como mera formalidade contratual.

Editora Executiva

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