A segunda parte da mesa-redonda da conferência “O impacto de pagar a horas” trouxe à discussão soluções práticas para combater os atrasos nos pagamentos. Jorge Líbano Monteiro, Paula Franco (Bastonária da Ordem dos Contabilistas), Patrícia Liz (Presidente ACEGE) e Filipe Anacoreta Correia (vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa) defenderam medidas como incentivos fiscais, maior transparência, simplificação dos processos internos e educação para a responsabilidade, propondo uma mudança cultural que promova confiança, justiça e sustentabilidade na economia portuguesa
POR HELENA OLIVEIRA
Depois das primeiras intervenções, a mesa-redonda avançou para uma segunda parte centrada em soluções concretas para acelerar a mudança cultural e estrutural no pagamento a horas, com intervenções de Jorge Líbano Monteiro, Filipe Anacoreta Correia, Patrícia Liz e Paula Franco.
Jorge Líbano Monteiro: “Precisamos de cultura, ética nos prazos e certificação”
Antes de dar início à segunda ronda de perguntas, o secretário-geral da ACEGE sumarizou os três grandes desafios para consolidar o compromisso de pagamento pontual em Portugal: primeiro, aumentar o número de empresas envolvidas, por exemplo aproveitando a influência dos contabilistas certificados, que podem impactar centenas de milhares de empresas dado que “todas as empresas têm um contabilista”; segundo, defendeu que é essencial questionar a ética dos prazos acordados, pois nem sempre os prazos definidos correspondem a práticas justas ou sustentáveis — mas para isso, alertou, é fundamental “criar primeiro a cultura da importância de pagar a horas”. Por fim, avançou com a ideia de transformar o compromisso numa certificação, que comprove e garanta que as empresas aderentes cumprem de facto o que prometem, permitindo distinguir as que realmente pagam a horas.
O secretário-geral da ACEGE recordou que a Informa D&B já monitoriza os prazos de pagamento das empresas signatárias [do CPP], intervindo sempre que há desvios e excluindo empresas incumpridoras. Sublinhou que esta cultura precisa ser trabalhada a partir do interior das empresas, dando como exemplo a EDP, que juntou fornecedores e quadros internos para garantir que todos compreendiam a importância de cumprir prazos desde a data de emissão da factura, eliminando atrasos gerados por processos internos lentos.
Depois de destacar os principais desafios para consolidar uma cultura de pagamento pontual em Portugal, Jorge Líbano Monteiro sublinhou a importância do exemplo das entidades públicas, lembrando que o Estado (que é o pior pagador) e as autarquias têm um peso determinante na dinâmica económica nacional.
Foi nesse contexto que se dirigiu ao vice-presidente da Câmara de Lisboa, perguntando como é que se vive esta realidade a nível autárquico e como é possível ter uma Câmara da dimensão de Lisboa a pagar a horas.
Filipe Anacoreta Correia: mais transparência e rigor no pagamento a horas na administração local
O vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML) começou por salientar a relevância do trabalho da ACEGE, a qual “foi sempre pioneira” neste tema e considerando ainda que o seu trabalho se reflecte hoje em obrigações legais impostas às entidades públicas, como a resolução do Conselho de Ministros de 2009, que estabelece regras para os prazos de pagamento na administração.
Filipe Anacoreta Correia começou por explicar que, nas autarquias, existe um quadro regulatório que encoraja o pagamento a horas, destacando que “hoje, politicamente, isso funciona como um factor de pressão”, pois a pontualidade dos pagamentos é reportada nos relatórios de contas. E referiu igualmente as sanções aplicáveis: “uma autarquia que não paga uma factura a 90 dias cria um alerta na DGAL [Direcção-Geral das Autarquias Locais]”, o que tem impactos directos no acesso ao crédito e em outras restrições administrativas.
O autarca frisou assim que a Câmara de Lisboa acompanha de perto os prazos de pagamento, tanto por convicção quanto por obrigação legal, já que existe um quadro que incentiva o rigor e penaliza os atrasos, ao mesmo tempo que saudou a pertinência da ideia de Paula Franco de criar incentivos fiscais para quem cumpre os prazos, propondo igualmente que se torne explícito nos relatórios das entidades públicas “qual é o nível de cumprimento” dos prazos de pagamento.
Filipe Anacoreta Correia explicou também que, ao contrário da contabilidade empresarial, as autarquias funcionam com “finanças de caixa”, em que as despesas dependem directamente das receitas cobradas. Sublinhou que também as autarquias são credoras e enfrentam dificuldades quando os pagamentos que aguardam não chegam a tempo. Como exemplo, relatou que em 2024 foram inscritos no orçamento 140 milhões de euros de receitas previstas do PRR, o que permitiu avançar com despesas; no entanto, no final do ano, tinham recebido apenas 60 milhões, e destes, 60% só foram pagos no último trimestre. Desta forma, sublinhou que esta incerteza nas receitas provoca dificuldades de tesouraria semelhantes às que afectam as empresas, contribuindo para o efeito dominó de atrasos na economia.
O vice-presidente da CML Defendeu ainda melhorias na forma como se mede a pontualidade: explicou que actualmente a lei usa uma equação complexa para calcular os dias de pagamento, mas que seria mais claro adoptar a lógica simples de medir os dias desde a data de vencimento até ao pagamento. Sublinhou, porém, que seria desejável também medir “o número de dias de pagamento desde a emissão da factura”, para conferir maior transparência, já que “a data de vencimento é negocial” e pode ser manipulada por empresas mais fortes para diferir prazos, criando distorções na avaliação do cumprimento.
Patrícia Liz: “As universidades também têm de educar para pagar a horas”
A presidente da ACEGE trouxe para o debate o facto de ainda hoje as universidades de gestão continuarem a ensinar práticas que incentivam o alargamento dos prazos de pagamento como forma de financiar a tesouraria, ideia que considerou contrária à responsabilidade social que as empresas devem ter. “A aculturação dos pagamentos pontuais tem de seguir o mesmo caminho que a sustentabilidade e a responsabilidade social”, disse, defendendo que a academia deve ajudar a construir uma mentalidade onde pagar a horas seja visto como essencial para a saúde económica e o bem-estar dos colaboradores.
Patrícia Liz sublinhou ainda que as universidades também precisam de começar a dar “uma nota diferente”, deixando de ensinar que o prolongamento dos prazos de pagamento pode ser uma forma legítima de financiamento. Reconheceu que pode haver essa percepção, mas contrapôs que, sem capacidade de investimento por parte das empresas, não há verdadeiro retorno nessa estratégia. “O dinheiro parado não faz nada”, afirmou, acrescentando que, mesmo que as empresas consigam investir pontualmente com esses valores, isso “não é significativo, não é inteligente, como dizia o Armindo [Monteiro]”. Pelo contrário e em conclusão, defendeu que a circulação rápida do capital fortalece a confiança das empresas e estimula o investimento, promovendo uma economia mais dinâmica e sustentável.
Paula Franco: “Mais informação, melhores processos e incentivos fiscais”
Paula Franco começou por relembrar que a tecnologia actual já permite integrar a informação sobre prazos de pagamento nos programas de facturação e contabilidade, tornando possível que softwares como o TOC Online enviem alertas automáticos aos empresários sempre que há atrasos. Comprometeu-se a trabalhar para que esses alertas passem a ser prática comum, lembrando que o verdadeiro cumprimento deve ser avaliado não apenas pelo prazo acordado, mas também pelo tempo que decorre desde a emissão da factura, para medir com rigor se as empresas estão a pagar atempadamente.
A bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados defendeu, como já tinha feito anteriormente, a criação de incentivos fiscais como forma eficaz de mudar comportamentos, sublinhando que este tipo de medidas poderia ajudar, em particular, as micro e pequenas empresas a aderirem mais rapidamente à prática de pagar a horas. Porém, alertou igualmente que as grandes instituições e empresas também precisam de rever os seus processos internos, pois muitas vezes os atrasos resultam de circuitos burocráticos lentos e não de falta de capacidade financeira.
“Falo também da Ordem dos Contabilistas, porque também é uma organização que todos os dias tenta melhorar estes procedimentos, mas ainda anda atrás deles”, reconheceu. Para a bastonária, é essencial consolidar a cultura de que “quanto mais cedo se pagar, melhor” — não só para o funcionamento da própria organização, mas também para a saúde financeira dos fornecedores e, é claro, para o bom funcionamento da economia.
A bastonária da OCC Concluiu a sua intervenção afirmando que não basta cumprir o prazo acordado: “é fundamental perceber quanto tempo passa, desde a emissão da factura ou desde que os serviços foram prestados, até ao pagamento efectivo”, E, sublinhou também que, muito provavelmente e desta forma, “teremos aqui um agravamento de todos, com a Informa D&B a ter muito mais trabalho”.
Compromisso reforçado com entrega de diplomas
Jorge Líbano Monteiro encerrou a sessão destacando o sentimento unânime que uniu todos os intervenientes: só com a união de empresas, contabilistas, instituições públicas e sociedade civil será possível consolidar uma cultura de pagamento pontual em Portugal.
Sintetizando, o secretário-geral da ACEGE afirmou que os incentivos fiscais, processos internos mais ágeis e uma mudança de mentalidade que valorize pagar a horas como sinal de responsabilidade e ética são caminhos que todos identificaram como essenciais.
Para assinalar o reforço deste compromisso, Jorge Líbano Monteiro anunciou a entrega dos diplomas às empresas signatárias do Compromisso Pagamento Pontual presentes, e concluiu que “é unidos neste movimento que conseguiremos alterar esta cultura, porque só assim teremos mais empresas a pagar a horas e uma economia mais saudável e justa para todos.
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