Na primeira parte da mesa-redonda da conferência “O impacto de pagar a horas”, Jorge Líbano Monteiro (secretário-geral da ACEGE), Patrícia Liz (presidente da ACEGE) e Paula Franco (bastonária da OCC) alertaram para o impacto económico e social dos atrasos nos pagamentos e defenderam que cumprir os prazos é uma responsabilidade ética essencial para reforçar a confiança, proteger o tecido empresarial e travar o sofrimento que se espalha em cadeia — dos fornecedores às famílias e à economia como um todo
POR HELENA OLIVEIRA
Nota prévia: Antes do início da mesa-redonda, Augusto Castelo Branco, director da Informa D&B, apresentou os resultados da última edição do estudo sobre os comportamentos de pagamento das empresas, lançado no mesmo dia da conferência, e com dados nacionais e internacionais. A sua apresentação é desenvolvida num artigo autónomo deste Especial.
Coube a Jorge Líbano Monteiro, enquanto moderador, lançar o debate com um alerta sobre a persistência de uma cultura em Portugal que encara os atrasos como algo aceitável, afirmando: “Ainda há, em Portugal, a cultura errada de que pagar hoje ou daqui a dez dias é indiferente, porque o fornecedor ‘aguenta de certeza’, mentalidade essa que desconsidera as dificuldades reais de quem depende desse pagamento para sobreviver”.
Com base nos dados da União Europeia que indicam que “25% das falências na Europa são devidas a atraso de pagamento”, o secretário-geral da ACEGE reforçou a ideia de que “a verdade é que as pessoas não aguentam” e que essa realidade “traz sofrimento económico e também, como dizia o antigo presidente da ACEGE, António Pinto Leite, sofrimento a muitas pessoas e famílias”.
O moderador sublinhou assim que o não pagamento pontual é um problema que vai muito além do impacto financeiro, sendo também causa de despedimentos, dificuldades nas famílias e bloqueio do crescimento económico. Para Jorge Líbano Monteiro, o cumprimento dos prazos de pagamento “é uma responsabilidade social básica das empresas”.
Com este enquadramento, deu início à ronda de intervenções, começando por questionar Patrícia Liz sobre a relação entre a ACEGE e a defesa do cumprimento dos prazos de pagamento.
Patrícia Liz: “Não pagar a horas é um sinal de fragilidade económica e falta de ética”
Respondendo à pergunta que deu o mote à mesa-redonda, que versou sobre a ligação entre a ACEGE e este tema, Patrícia Liz afirmou: “Eu diria que tem tudo a ver”. A presidente da ACEGE explicou que os valores defendidos pela ACEGE — “verdade, ética empresarial e compromisso com o bem comum” — implicam práticas concretas como garantir o pagamento atempado aos fornecedores, essencial para o bom funcionamento da economia e para a prosperidade das famílias através das empresas.
A presidente da ACEGE destacou que a obrigação de pagar a horas deve ser encarada com a mesma importância que a de “prestar um bom serviço” ou “vender um bom produto”, mas lamentou que “esta mentalidade ainda não está verdadeiramente enraizada entre nós”, sublinhando também que, apesar de ser do conhecimento geral de que é necessário pagar a horas, “nos últimos 25 anos temos observado um enorme relaxamento sobre os valores de compromisso relativamente ao que é a nossa obrigação de pagar porque recebemos algo”.
Patrícia Liz apontou também um problema cultural que afecta um conjunto significativo de fornecedores: muitas empresas sentem “vergonha de pedir pagamentos”, o que considerou revelador da inversão de valores que precisa de ser combatida. A também líder empresarial lembrou assim que “as empresas têm todo o direito de pedir o seu dinheiro por aquilo que já prestaram”, insistindo que mudar esta mentalidade é essencial para corrigir uma prática que mina a confiança e a saúde económica. E, como explicou, “o que a ACEGE procura fazer é sensibilizar para esta realidade”.
Partilhando uma experiência pessoal, contou que, ao longo de toda a sua juventude, o pai sempre lhe disse “que não pagar a horas era uma vergonha”. Considerou que esta deve ser uma convicção partilhada por todos, porque atrasar pagamentos revela “fragilidade económica das nossas empresas”, “falta de ética da nossa parte” e “falta de compromisso em fazer prosperar a minha empresa, as minhas pessoas e o meu país”.
A presidente da ACEGE lembrou também o peso social desta prática: “O impacto social é tremendo. Quando nós temos empresas em insolvência, estamos a mandar pessoas para o desemprego”. Sublinhou que os líderes empresariais, em particular, têm uma “obrigação agressiva” — no sentido de um compromisso firme e determinado — de fomentar outra atitude e dar o exemplo na criação de uma cultura de responsabilidade.
Patrícia Liz reforçou que, para os líderes cristãos, esta obrigação é ainda mais evidente, mas sublinhou que é uma responsabilidade que deve ser assumida por todos os cidadãos, independentemente das suas crenças. Defendeu que “não fomentar a circularidade financeira” — ou seja, não pagar a horas e interromper a circulação do dinheiro entre empresas e fornecedores — significa travar a dinâmica económica e “fomentar um país medíocre”, alertando que só com um compromisso colectivo será possível romper com esta mediocridade e construir uma economia mais justa e próspera.
Com optimismo, destacou o crescente número de empresas que aderem ao compromisso, incluindo grandes grupos como a Brisa, que recentemente assumiu formalmente o protocolo de pagamento pontual. Para a presidente da ACEGE, quando as grandes empresas assumirem, com ainda maior sentido de responsabilidade, o dever de dar o exemplo, “certamente assistiremos a uma mudança de atitude na nossa sociedade e no tecido empresarial”, sendo que “este tipo de adesão é decisivo para contagiar positivamente outras empresas e criar um ambiente mais responsável e ético”.
Paula Franco: “Por que não haver incentivos fiscais para quem paga a horas?”
Questionada sobre a adesão da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC) ao Compromisso, Paula Franco foi convidada a reflectir sobre a importância que a instituição atribui à iniciativa e o impacto que reconhece que esta pode ter na vida das empresas e na realidade económica nacional.
A bastonária da OCC começou por sublinhar que é precisamente pela relevância da questão do pagamento pontual que a Ordem se associou a este movimento e recordou que, embora já se tenha falado muito sobre os aspectos éticos, é no terreno — no acompanhamento diário das empresas pelos contabilistas — que se percebe a real dimensão do problema: “Para nós, contabilistas certificados, que estamos a acompanhar todas as empresas, que verificamos isto todos os dias, […] percebemos que muita coisa tem que mudar.” Alertou ainda que os dados apresentados mostram progressos insuficientes e tornam urgente o reforço do compromisso.
Sobre a atribuição de um “selo” às entidades cumpridoras, afirmou: “Pode parecer algo de menor importância, mas na prática é relevante, porque a reputação das empresas também tem de ser medida e reconhecida com confiança.” Sublinhou que este selo distingue as empresas que assumem o compromisso e defendeu: “ter um profissional, um contabilista certificado por trás desse selo era importantíssimo” — um caminho que, reconheceu, “ainda não foi feito”. O primeiro passo, disse, é atrair mais empresas e levá-las a mudar comportamentos, mas o objectivo deve ser “ir mais além”, conferindo ao compromisso maior credibilidade através do envolvimento directo dos contabilistas.
A bastonária alertou ainda para situações em que o cumprimento formal do prazo esconde práticas desajustadas, como a pressão das grandes superfícies sobre os fornecedores na definição dos prazos de pagamento. Mesmo respeitando os prazos acordados, impõem-se frequentemente condições que “tiram completamente a sustentabilidade financeira ao produtor”, nomeadamente na agricultura. Para Paula Franco, esta questão deve também ser discutida “do ponto de vista ético”, pois o desequilíbrio negocial mina a confiança e destrói valor.
Referindo-se à crescente atenção aos critérios ESG, destacou que a componente de “Governance” não se esgota em relatórios ou obrigações legais, mas implica também “a responsabilidade e a ética na liderança”. A ética, afirmou, “também passa por isto” — por pagar a horas, por respeitar os compromissos, e por contribuir para a solidez do tecido empresarial.
Abordando o papel da fiscalidade, lançou o desafio: “Por que não haver incentivos fiscais para quem paga a horas?” Recordou que “os empresários movem-se muito por benefícios fiscais” e que estes podem ser uma ferramenta eficaz para “mudar comportamentos”, estimulando práticas responsáveis com contrapartidas legítimas. “As empresas vão procurar ir atrás desse cumprimento para poderem ter um benefício e pagar menos impostos”, afirmou.
Paula Franco sublinhou ainda que as instituições financeiras poderiam ter um papel semelhante ao que já desempenham na área da sustentabilidade. “Já que estamos no Santander, recordo que a banca distingue quem adopta bons critérios de sustentabilidade, oferecendo melhores spreads e condições mais favoráveis — por que não aplicar o mesmo princípio às empresas que pagam a horas?”
A bastonária da OCC afirmou que pagar a horas “é, de facto, dos factores que traz maior produtividade e sustentabilidade às empresas”. Reconheceu que a verificação e o controlo dos prazos podem implicar mais burocracia, mas defendeu que se trata de “uma burocracia que acrescenta valor”: “Medidas que vão trazer mais trabalho no rigor, no cumprimento, na verificação dos prazos de pagamento e de recebimento, irão trazer trabalho acrescido, mas também valor acrescentado.”
Por fim, admitiu também que esta mudança exigirá maior rigor dos contabilistas certificados, já bastante sobrecarregados, mas destacou o apoio crescente das ferramentas informáticas e da inteligência artificial para facilitar esse controlo. Ainda assim, advertiu: “Não é só ir falando”, lembrando que “temos aqui 2.500 empresas, mas 2.500 empresas no universo das empresas portuguesas é muito pouco”. Concluiu afirmando que é prioritário alargar o movimento, pois “o compromisso traz, obviamente, uma responsabilidade diferente”.
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