Na conferência “O impacto de pagar a horas”, as intervenções introdutórias de Fernando Barreto, responsável do programa Compromisso Pagamento Pontual, Miguel Belo de Carvalho, administrador do Santander, e Armindo Monteiro, presidente da CIP, destacaram que cumprir prazos de pagamento é muito mais do que uma obrigação financeira: é uma prática ética e estratégica, essencial para a criação de confiança, para o crescimento económico e para a sustentabilidade do tecido empresarial português
POR HELENA OLIVEIRA
Fernando Barreto: “Pagar a horas é motor para duplicar o crescimento económico”
A sessão inaugural da conferência “O impacto de pagar a horas” esteve a cargo de Fernando Barreto, coordenador do Programa Compromisso Pagamento Pontual (CPP) uma iniciativa lançada pela ACEGE em 2011 e que conta com o apoio da CIP, da Ordem dos Contabilistas Certificados, do Santander, da Informa D&B e do IAPMEI. No auditório do Santander, Fernando Barreto saudou os presentes “pela coragem de assumirem este compromisso”, sublinhando que pagar a horas é “um acto de verdade e de coerência” nas relações com clientes, fornecedores e colaboradores.
O CPP conta hoje com mais de 2.500 empresas aderentes — o que representa aproximadamente 2% do universo empresarial português —, sinal claro de que “há ainda um enorme caminho a percorrer”.
A força do programa, reside na coerência: “Queremos ser coerentes na gestão, exigindo dos clientes o pagamento atempado, mas fazendo o mesmo com os nossos fornecedores.” O responsável do programa alertou para as consequências dramáticas do incumprimento, lembrando que, de acordo com alguns estudos, 66% das empresas em Portugal pagam até 30 dias para além do prazo, demonstrando como os atrasos continuam enraizados nas práticas empresariais.
Fernando Barreto salientou ainda que de acordo com estudos do Prof. Augusto Mateus, o impacto de somar 12 dias de atraso aos números médios de atraso nacionais tem efeitos muito negativos: os resultados, anualmente, cifram-se em 14 mil postos de trabalho perdidos, acumulando 72 mil empregos destruídos em cinco anos, além de provocarem uma quebra de cerca de 2% no PIB nesse período. O responsável pelo programa sublinhou também que se o compromisso de pagar a horas fosse amplamente cumprido, o seu impacto positivo poderia quase duplicar o crescimento económico nacional.
Fernando Barreto concluiu a sua intervenção reforçando que pagar a horas “faz a diferença não apenas para cada empresa, mas para o país como um todo”, defendendo que este compromisso é essencial para a criação de emprego, o aumento da confiança e o crescimento sustentável da economia.
Miguel Belo de Carvalho: “Pagar a horas é cuidar do próximo e construir um ecossistema mais justo”
Na sua intervenção, o anfitrião Miguel Belo de Carvalho, administrador do Banco Santander, defendeu que a pontualidade nos pagamentos é mais do que uma prática financeira: é um compromisso ético e estratégico essencial para a confiança, competitividade e sustentabilidade da economia.
Começou por saudar os presentes, destacando o orgulho do Santander em acolher a conferência: “É um privilégio receber esta conferência aqui em nossa casa, no Santander”, recordando que a instituição tem sido palco de debates sobre temas relevantes para a sociedade e a economia.
Dirigindo-se aos convidados de destaque, como a presidente da ACEGE, Patrícia Liz. o vice-Presidente da Câmara de Lisboa, Filipe Anacleto Correia, o presidente da CIP, Armindo Monteiro, a bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados, Paula Franco, e Augusto Castelo Branco, director-geral da Informa D&B, aproveitou para reforçar a importância da união de diferentes entidades para “promover estas discussões”.
O administrador do Santander sublinhou o percurso de 15 anos da iniciativa do pagamento pontual, promovida pela ACEGE, CIP, IAPMEI, APIFARMA, Ordem dos Contabilistas Certificados e Informa D&B, com o Santander como parceiro desde o início. No entanto, alertou para os desafios persistentes: “Continuamos ainda com uma diferença muito grande” face aos principais concorrentes europeus, apontando que é preciso “continuar a trabalhar” para reduzir esse fosso.
Defendendo a centralidade do tema, afirmou: “O pagar a horas não pode depender de voluntarismos, não pode depender de influências pessoais”, insistindo que a pontualidade deve assentar numa “cultura de responsabilidade muito forte” e numa “ética empresarial robusta e muito bem impregnada nas organizações”.
Miguel Belo de Carvalho destacou ainda que promover esta mudança exige investimento real, não apenas em formação, mas também em processos, workflows e tecnologia, a par da criação de interfaces em toda a cadeia de valor: “Só assim é que se consegue comprometer e influenciar positivamente o ecossistema empresarial”. Alertou que esta transformação tem de envolver toda a cadeia de valor, incluindo fornecedores, clientes, parceiros e o próprio Estado: “Só com esta verticalização é que se consegue, de facto, criar uma política de bom pagador em todo o ecossistema económico”.
Mais adiante, relacionou a pontualidade no pagamento com as actuais exigências do mercado em matéria de sustentabilidade e ESG, afirmando que “ser bom pagador é uma prática sustentável que deve também integrar estas políticas”. Sublinhou que a pontualidade é tão importante quanto outros critérios de ESG para o acesso a mercados, para a credibilidade empresarial e para a confiança entre parceiros.
No seu discurso, valorizou o papel das associações empresariais na disseminação de boas práticas e na criação de políticas sectoriais que permitam “marcar uma tendência no maior número de empresas possível”. Acredita que uma “comunicação positiva destas boas práticas” e dos resultados alcançados é fundamental para consolidar progressos: “Passo a passo, fazer caminho com bons resultados”.
Frisou ainda a relevância prática do compromisso: “Isto não é só para ficarmos bem na fotografia”, pois a pontualidade gera resultados concretos em termos de reputação, credibilidade e eficiência: “Isto dá resultados, desde logo do ponto de vista reputacional, do ponto de vista da credibilidade e da reputação também da nossa economia e das nossas empresas”.
Destacou também que esta pontualidade é um factor determinante para atrair talento, uma vez que “uma empresa sustentável é um factor muito importante para a captação de talento e de quadros”, lembrando que as novas gerações valorizam práticas empresariais responsáveis.
Mais adiante, referiu ainda a experiência do Santander, recordando o lançamento e liderança de produtos como o Factoring e o Confirming, que “têm por vocação optimizar a gestão da tesouraria das empresas”, permitindo antecipar pagamentos e recebimentos em boas condições. Observou que estes instrumentos continuam a ser utilizados “para mitigar, de facto, as más práticas do mercado”, resultado da existência de “um risco de pagamentos fora de horas”, agravado pelo mau exemplo do Estado durante muitos anos, sobretudo no sector da saúde.
Já no final da sua intervenção, Miguel Belo de Carvalho recordou as palavras do Papa Francisco sobre a importância de uma “economia com alma”, em que a ética e a gestão caminhavam de mãos dadas, e concluiu: “O pagamento pontual tem de ser uma expressão prática deste compromisso. Basicamente é escolher não adiar, não adiar responsabilidades, é cuidar do próximo, das empresas que nos são próximas, e é construir um ecossistema mais justo e mais sustentável”.
Armindo Monteiro: “O compromisso de pagar a horas é uma das formas mais construtivas de fortalecer a economia”
Com uma visão abrangente sobre os efeitos intangíveis do atraso nos pagamentos, Armindo Monteiro, presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), destacou a importância do compromisso de pagamento pontual como pilar de confiança, ética empresarial e boa prática económica.
Começou por saudar os intervenientes e, em particular, os que “ousaram associar-se a esta iniciativa”, incluindo o banco anfitrião, a Ordem dos Contabilistas Certificados e o vice-presidente da Câmara de Lisboa. Afirmou que, da sua posição na CIP — “a ver a economia da janela” —, é reconfortante testemunhar este tipo de convergência entre sectores.
Na sua intervenção, procurou abordar sobretudo os “intangíveis de pagar a horas”, referindo-se a uma prática silenciosa mas profundamente enraizada na economia portuguesa: “a ideia aparentemente simples de financiar-se nos fornecedores, sem juros nem imposto de selo”. Considerou esta prática uma “má prática”, ainda hoje normalizada, mas que deve ser combatida com firmeza.
Armindo Monteiro traçou uma evolução histórica das formas como, em situações de tesouraria apertada, se fazia dívida: primeiro atrasando o pagamento de salários, depois o dos impostos. Hoje, essas práticas estão fortemente penalizadas, pelo que “o que resta são os fornecedores”. Este comportamento, prosseguiu, já seria negativo por si, mas torna-se ainda mais grave quando o atraso é usado deliberadamente como “estratégia negocial” — ou seja, não porque a empresa tenha dificuldades, mas para forçar descontos. “Se as outras práticas são erradas, esta é vil”, afirmou. “E é preciso chamar as coisas pelos nomes.”
Foi neste ponto que sublinhou a importância do compromisso promovido pela ACEGE: “é talvez das formas mais construtivas de tornarmos a economia forte, porque a economia forte é uma economia de confiança”, afirmou. Na sua análise, Portugal não consegue avançar nos seus compromissos estruturais por falta de confiança — entre patrões e sindicatos, entre contribuintes e a administração tributária, entre cidadãos e o Estado. E é essa desconfiança que, em seu entender, gera “regulamentos muito complexos” e impede um funcionamento fluido da economia.
Desta forma, o presidente da CIP defendeu que o pagamento pontual contribui para a criação dessa confiança, essencial para qualquer sociedade que queira crescer de forma sustentável. E argumentou que só com uma verdadeira cultura de confiança — entre agentes económicos, instituições e cidadãos — será possível evoluir colectivamente. A confiança, explicou, permite abandonar a lógica da “soma nula” — em que para uns ganharem, outros têm de perder — e construir uma sociedade em que todos ganham e todos podem partilhar melhor os frutos do crescimento.
Armindo Monteiro concluiu com uma crítica incisiva à “esperteza” que ainda domina parte do tecido empresarial: “temos que combater o homem esperto”, alertou. Numa era em que tanto se fala de inteligência artificial e de sociedades baseadas no conhecimento, defendeu que antes de falarmos em inteligência, é preciso rejeitar as práticas oportunistas e promover uma cultura de integridade. O compromisso de pagamento pontual, afirmou, é justamente “um combate à esperteza e um passo essencial para uma economia mais sólida e ética”.
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