Ao chegar a hora da reforma, muitos colocam um ponto final à carreira. Mas será o talento algo que caduca com o tempo? Picasso lembrava-nos que segundos de genialidade valem anos de prática. Com melhores condições de saúde e vontade de continuar ativos, a solução não está em excluir, mas em integrar: modelos de continuidade profissional que equilibram necessidades do Estado, dos trabalhadores e das empresas, e que transformam experiência em inovação.
POR RAFAEL DE LECEA
Conta‑se que Picasso, já idoso, passeava uma tarde de Verão junto ao Mediterrâneo quando uma jovem se aproximou com um caderno e um lápis, pedindo-lhe que fizesse um pequeno desenho. Picasso pegou no papel sem hesitar e, em poucos segundos, criou uma pequena obra‑prima. Encantada, a jovem agradecia sem parar enquanto se despediam.
— Um momento! — disse Picasso — isto vale um milhão de dólares.
— Um milhão de dólares? — respondeu ela — Mas foram apenas uns segundos!
— Não, minha querida — disse o pintor, sorrindo — isso demorou-me toda uma vida de prática e trabalho para conseguir criar em um minuto.
A idade da reforma é apenas uma convenção criada pelos governos para definir quando os trabalhadores começam a receber prestações especiais que reconhecem toda uma vida de actividade profissional. A idade de 65 anos foi estabelecida nos EUA em 1935 e em Espanha em 1967 [em Portugal, em 1962]. Hoje, os sistemas evoluíram para 67 anos (já em 1983 para os nascidos após 1960 nos EUA, em Espanha em 2011, pela Lei de Pensões e em Portugal para 67 anos e sete meses em 2025) — e provavelmente avançarão ainda mais.
Tal mudança ocorre por duas razões principais.
A primeira é a dificuldade financeira dos Estados em cumprir com as pensões prometidas, numa nova pirâmide etária em que os beneficiários aumentaram muito, enquanto o número de contribuintes (queda da natalidade) diminuiu. A isto soma-se o reajuste anual dos valores, uma medida certamente justa para evitar que a inflação corroa o valor real das pensões, mas que complica a gestão dos recursos necessários.
E lembremos: tratam-se de sistemas de caixa — ou seja, se não houver caixa, as prestações podem ser reduzidas. No balanço do Estado, não existe uma rubrica chamada “o meu direito à pensão”. Em outras palavras, há uma promessa política, mas não um compromisso financeiro.
Por isso, a idade da reforma caminha para os 70 anos.
A segunda razão é biológica e associada à saúde. As pessoas chegam a estas idades com melhor saúde física e mental do que em séculos anteriores. Isso reflete‑se na esperança média de vida, que na Europa cresceu significativamente nas últimas décadas. Em 1960, a média era inferior a 69 anos, enquanto hoje supera os 83 anos.
Isso significa que, ao atingir os 65/67 anos, as pessoas já esgotaram o seu talento (capacidades mais experiência) nos anos mais recentes?
O talento dos trabalhadores desaparece automaticamente no dia seguinte a atingirem essas idades?
Em ambos os casos, a resposta só pode ser negativa.
Por isso estão a surgir sistemas de continuidade mista, ainda incipientes, que perseguem três objetivos principais:
- Para o Estado (que deve reconhecê-los e implementá-los): aliviar, ainda que temporariamente, tensões financeiras no seu compromisso político de cumprir promessas.
- Para os trabalhadores: no caso dos trabalhadores, melhorar um pouco os seus rendimentos (desde que a tributação correspondente, que deveria ser específica para estas situações, não anule o interesse em continuar ativo de alguma forma).
- Também para os trabalhadores: oferecer a opção — que deverá ser voluntária — de continuar a desenvolver seu talento a partir da experiência, mantendo uma vida social e, em termos mais amplos, começando a combater desde já a grande pandemia do século XXI: a solidão.
No âmbito das empresas — tema relevante para escolas de negócios como a AESE — existem várias formas de tornar essa continuidade profissional possível.
No seu recente e estimulante livro “La segunda carrera” (Manuales de Economía y Empresa, 2024), o economista Alfonso Jiménez reuniu experiências e opiniões de muitos gestores de sucesso sobre o tema.
São descritas várias opções para reter e aproveitar o talento dessas pessoas, com recomendações e orientações baseadas nos relatos dos entrevistados.
Por exemplo, figuras como:
- Membro de um conselho de administração: ampla responsabilidade não executiva, remuneração, reputação e rede de contactos.
- Conselheiro individual em empresas familiares: devido à confiança, respeito, experiência, discrição e colaboração.
- Interim manager: executivos experientes contratados temporariamente para crises, transformações ou mudanças estratégicas.
- Membro de conselho consultivo: sem responsabilidade legal ou executiva, remuneração simbólica, mas com experiência e prestígio.
- Consultor: especialista em áreas como produção, canais comerciais ou finanças, individualmente ou numa organização.
- Docente: transmitir conhecimento e experiência em contexto académico ou empresarial.
- Empreendedor / Business Angel: aproveitar talento para novos projetos, startups ou investimento.
Um dos maiores desafios para as empresas e gestores atualmente é a procura, o desenvolvimento e a retenção de talentos. Para administrar e melhorar o presente e alcançar um cenário futuro ideal e desejado.
Parece inteligente e de senso comum, não apenas não excluir, mas, especificamente, procurar também a contribuição das pessoas que o desejam, sem limitações cronológicas, mas práticas.
Professor da Área de Política de Empresa da AESE Business School