A economia circular é o modelo emergente para as práticas económicas, mais imposto pela óbvia necessidade de repensar a produção e o consumo tendo em conta a destruição dos recursos naturais – não ilimitados, como daria jeito à espécie humana – do que por qualquer estratégia visionária de reforma do modelo capitalista. A Comissão Europeia fez do mote ‘criar mais valor com menos recursos’ uma prioridade nos últimos anos, e lançou a última fase da campanha Generation Awake, que apela aos cidadãos para trocarem o conceito de ‘fim-de-vida’ dos sistemas e produtos pelo de dar-lhes uma nova vida
POR GABRIELA COSTA

Face aos enormes desafios globais que o mundo enfrenta – climáticos, hídricos, demográficos, alimentares, políticos, sociais -, a economia circular oferece aquela que parece ser a única fórmula (ainda) possível para garantir a sustentabilidade das pessoas e do planeta: trocando o conceito de “fim-de-vida” dos produtos e dos sistemas inerente à lógica linear da produção industrial “extrair – fabricar – consumir/eliminar” pelo de dar uma nova vida aos recursos, através da reutilização (reciclagem, compostagem, restauro, etc.) dos resíduos gerados, e promovendo ao mesmo tempo a minimização de custos, desperdícios e impactos ambientais, este modelo permite a optimização do fluxo de bens e serviços, aproveitando ao máximo as matérias-primas. Ou seja, cria mais valor com menos recursos.

A ideia, para além de elementar perante a óbvia assunção de que os recursos naturais do mundo não são ilimitados, não é nova, mas enquanto modelo económico este conceito é relativamente recente e só agora começa a ganhar reconhecimento internacional e a dar os primeiros passos. Talvez porque, para vingar, seja necessário alterar processos e sistemas em todas as cadeias de valor (desde a concepção dos produtos), criar novos modelos empresariais e de mercado, novas formas de transformação dos resíduos em recursos e até novos padrões de comportamento dos consumidores. Talvez porque, apesar de sensata, a lógica da economia circular implique toda uma mudança na forma como produzimos e consumimos.

[pull_quote_left]A mensagem da campanha Generation Awake é fazer mais com menos, na lógica da economia circular[/pull_quote_left]

Como alerta a Comissão Europeia (CE) em comunicado emitido em Setembro, intitulado Towards a circular economy: A zero waste programme for Europe, esta evolução “implica uma mudança sistémica completa, bem como inovação não só tecnológica, mas também a nível da organização, da sociedade, dos meios de financiamento e das políticas”. Como sempre acontece, a vontade política necessária para tornar a economia europeia circular será um dos principais constrangimentos, adivinha-se.

Preocupada com o previsível incremento do consumo a nível mundial (só as economias emergentes na Ásia, América Latina, África e Médio Oriente Médio deverão retirar três mil milhões de pessoas da pobreza nas próximas décadas, o que fará disparar a procura de bens de consumo por parte das novas classes médias; e em 2050 o planeta alojará uma população de 9 mil milhões – 8 mil milhões, em 2024, segundo o World Population Clock, do Worldometers), a Comissão fez do tema uma prioridade, a partir de 2011, e lançou no mês passado a última fase da campanha Generation Awake, que consciencializa para a eficiência no uso de recursos naturais como a água, a energia, a madeira, os metais ou os minerais.

Os resíduos são recursos preciosos

15012015_AprocuraDeNovasVidasParaOsRecursosA iniciativa, coordenada pela Direcção-Geral do Ambiente da CE, tem vindo a apelar aos cidadãos europeus para a necessidade de alterar os hábitos de consumo actuais, face às suas consequências no meio ambiente, nos recursos naturais, na qualidade de vida, na saúde e no bem-estar da sociedade.

Ao longo de quatro fases e há já mais de três anos, durante os quais “esta campanha conseguiu criar um interesse significativo por toda a Europa, sendo que a sua mensagem foi ouvida em todos os países da União Europeia”, como sublinha, em declarações ao VER, o Porta-voz da Comissão Europeia para o Ambiente, Assuntos Marítimos e das Pescas, Saúde e Segurança Alimentar, Enrico Brivio, o Generation Awake dinamiza vários recursos online, como o site oficial que reúne, em 23 línguas, informação detalhada sobre o potencial da Economia Circular (ou Ecológica), nomeadamente a nível de crescimento económico e geração de emprego, legislação, estratégias e programas, medidas de eficiência em termos de recursos, e os números da Europa no que ao consumo, ao desperdício, ao Ambiente e à gestão de resíduos diz respeito.

A participação dos cidadãos europeus nesta causa teve o seu expoente máximo na visualização do vídeo promocional da campanha, que se tornou viral e ganhou recentemente o Golfinho de Ouro na 5ª edição do Cannes Corporate Media & TV Awards (2014). Até à data, “cerca de 10 milhões assistiram aos vídeos da campanha, o website teve cerca de um milhão de acessos, mais de 140 mil pessoas gostaram da nossa página no Facebook, e foram publicados cerca de 2 mil artigos na imprensa europeia”, adiantou o Porta-voz da CE.

O projecto inclui ainda um um Guia do Consumo com conselhos para que os cidadãos adoptem alternativas sustentáveis para os seus hábitos diários e compreendam o impacto dos seus comportamentos sobre os recursos naturais e o meio ambiente, organizando-se em categorias como o ar, a agua, a terra, a biodiversidade, a reutilização ou o consumo excessivo.

[pull_quote_left]“Todos podemos contribuir para uma economia dinâmica, que poupe recursos económicos e ambientais e ajude a tornar a Europa mais circular”[/pull_quote_left]

Todos estes recursos visam esclarecer e promover a inclusão das propostas inerentes ao modelo de economia circular no dia-a-dia das pessoas e, nesta última fase da campanha “a mensagem não mudou: fazer mais com menos, utilizar os recursos limitados de uma forma sustentável e minimizar o nosso próprio impacto no ambiente”, diz. Trata-se, simplesmente, de passar a viver tendo em (real) consideração “a escassez de recursos naturais e a necessidade de os gerir melhor no nosso quotidiano”, conclui Enrico Brivio.

Até Março deste ano, e depois das fases dedicadas ao consumo sustentável da água e ao desperdício, o foco da campanha que dá ênfase a uma Europa mais eficiente é a gestão de resíduos. Portugal é um dos quatro países estratégicos para a  comunicação desta fase da campanha (juntamente com Polónia, Espanha e Roménia) e o objectivo é, também, alterar efectivamente os comportamentos de consumo, convencendo todo um continente de que “os resíduos são recursos valiosos”. Ou, pelo menos, as gerações mais jovens, já que embora disponível em muitos Estados-membros da EU, a campanha se dirija a um target entre os 25 e os 40 anos.

Economia circular pode gerar 500 mil empregos na Europa

15012015_AprocuraDeNovasVidasParaOsRecursos2“Os desperdícios muitas vezes contêm materiais valiosos que podem ser reciclados, no entanto uma má gestão traduz-se na perda de quantidades significativas de potenciais matérias-primas”. O Porta-voz da CE para o Ambiente, Assuntos Marítimos e das Pescas, Saúde e Segurança Alimentar não tem dúvidas de que reduzindo, reutilizando e reciclando desperdícios, “todos podemos contribuir para uma economia dinâmica e um ambiente mais saudável”. E, assim, poupar recursos económicos e ambientais, e ajudar a tornar a Europa numa economia mais circular, “onde possamos retirar o máximo valor de recursos e produtos através da reparação ou restauro, reutilização, refabrico e reciclagem”.

Em 2010, o desperdício total de produção na União Europeia foi cerca de 2520 milhões de toneladas, o que representa cerca de cinco toneladas por habitante, no espaço de um ano, adianta Enrico Brivio. De acordo com os dados da UE, em 2012 a quantidade de resíduos tratados em Portugal representou cerca de 970 quilos per capita, bastante abaixo da média dos restantes países membros (aproximadamente 4500 quilos per capita).

O porta-voz da CE confirma: a população portuguesa “produz menos desperdício per capita que a média dos 28 países da União Europeia”, mas no entanto, “mais desperdício é queimado, e as taxas de reciclagem e reutilização são mais baixas que a média da União Europeia. E isso precisa de ser mudado”, alerta.

A campanha Generation Awake visa precisamente “ajudar as pessoas a descobrir o valor do desperdício e a aprender como este pode ser reutilizado, reciclado, modificado e reparado, e não só deitado para o lixo”, remata Enrico Brivio. No âmbito da filosofia de criar mais valor reduzindo os recursos utilizados, os custos e o impacto no ambiente, é fundamental que a cultura do ‘usar e deitar fora’ passe a cultura de reutilização de recursos.

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Como sublinha a CE na referida Comunicação, cada vez se tem mais a noção de que o padrão industrial linear “ameaça a competitividade da Europa”. A transição para uma economia mais circular “é essencial para realizar a agenda para a eficiência na utilização dos recursos, prevista no âmbito da Estratégia 2020 para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo”.

Estima-se que uma melhor utilização dos recursos representará uma poupança total potencial de 630 mil milhões de euros, por ano, para a indústria europeia. As melhorias em termos de eficiência na utilização dos recursos em todas as cadeias de valor reduzirão as necessidades de novos materiais entre 17% a 24% até 2030. Também segundo a CE, a economia circular vai permitir reduzir as emissões de carbono em 450 milhões de toneladas, no mesmo período. De acordo com as mais recentes estimativas, reutilizar matérias-primas pode poupar às empresas da União Europeia mais de 600 mil milhões de euros por ano. Para além dos benefícios ambientais, calcula-se que uma transição para um sistema de economia circular poderá criar mais de 500 mil empregos na Europa.

A Comissão Europeia acredita que a melhoria significativa e sustentada da eficiência na utilização dos recursos é algo que “poderá trazer grandes benefícios económicos”, e que “está ao alcance” de todos. Incluindo do meio empresarial, que em Portugal já apresenta alguns case studies que constituem bons exemplos da economia circular. No âmbito do envolvimento do País na fase final da campanha Generation Awake, “já foram identificados alguns destes casos, e estamos à procura de mais”, adiantou ao VER a agência responsável pela comunicação da iniciativa a nível nacional.

Jornalista