O Fórum Mundial Social, que se realizou em Dakar, na passada semana (e poucas depois de Davos), constituiu um espaço de diálogo plural pela construção de um mundo mais justo. Portugal fez-se representar pela FEC, membro da CIDSE, agência europeia de ONGD, que testemunhou o essencial: este que é o maior movimento social do mundo conseguiu, por uns dias, colocar na agenda internacional as preocupações de um povo fustigado pela crise. Mas, será possível, um dia, ultrapassar distâncias e preconceitos e organizar um Fórum Social e Económico Mundial? Conhecido como o principal evento do movimento antiglobalização, o Fórum Social Mundial assume-se como um espaço de discussão dinâmico e aberto a alternativas ao neoliberalismo, que reúne anualmente uma média de cem mil cidadãos, entre activistas, representantes de organizações e movimentos da sociedade civil, empresários, políticos, intelectuais e estudantes. Sob o mote “Um outro mundo é possível!” a edição de 2011 voltou a acontecer em África, em Dakar, capital senegalesa, depois dos fóruns realizados em Bamaco (Mali), em 2006, e Nairóbi (Quénia), em 2007 (ver caixa). Partindo da história de resistência e luta dos povos africanos, o FSM 2011 visou, segundo a Comissão Organizadora, encontrar o interface necessário com as lutas e as estratégias globais comuns à África, ao Sul e ao resto do mundo: “o retorno do FSM à África expressa solidariedade activa do movimento social internacional, apoio bem-vindo já que África corre o risco de pagar pela crise actual do capitalismo, já estando enfraquecida pelos programas de ajustes estruturais da década de 1980 e 1990”, sublinharam os organizadores do evento, para quem a experiência de dez anos do FSM reforça o papel da iniciativa enquanto “espaço dedicado a fortalecer a capacidade ofensiva contra o capitalismo neoliberal e seus instrumentos; a aprofundar as lutas e resistências contra o imperialismo e a opressão e a propor alternativas democráticas e populares”. Ideologias à parte, entre 6 e 11 de Fevereiro estiveram em debate no campus da Universidade Cheikh Anta Diop (UCAD), em Dakar, temáticas como a pobreza, a fome e as alterações climáticas, em contexto de crise. Por uma liderança mais democrática Para a rede católica, “o mundo precisa de uma nova direcção, mais do que de pequenos ajustes de percurso”. Foi com este mote, assente num “modelo de liderança mais democrático, onde as pessoas estão no coração das soluções para as mudanças globais”, que a CIDSE reuniu no Senegal várias organizações membro e parceiros oriundos de diversos países. Para o secretário-geral desta aliança de agências para o desenvolvimento, o aumento do preço dos alimentos, as falhas nas negociações em torno das alterações climáticas e os desequilíbrios económicos a nível global são “sintomas do falhanço” da acção global sobre os grandes desafios. Presente no FSM 2011, Bernd Nilles defendeu que os governos não conseguiram ainda implementar “políticas justas e adequadas para solucionar as múltiplas crises que o mundo enfrenta”. Portugal fez-se representar no FSM pela Fundação Evangelização e Culturas, membro da CIDSE. Para a FEC, “enquanto ONG que trabalha no âmbito da cooperação para o desenvolvimento, é essencial participar neste movimento da sociedade global numa procura de novos modelos de desenvolvimento”. Em conjunto com a Caritas Guiné-Bissau e a CIDSE, a Fundação esteve em Dakar “para contribuir activamente no debate” sobre as alterações climáticas, a ajuda pública ao desenvolvimento, a segurança alimentar e a agenda política pós-ODM, afirmou a directora executiva, Susana Réfega: “acreditamos que à escala global é necessário outro tipo de liderança. O FSM ‘antecipa’ o rosto desses líderes”. A CIDSE vem apelando há anos por um sistema de justiça global que implica a mudança de comportamentos por um planeta mais sustentável; o incremento do apoio às pessoas mais afectadas pelos impactos das alterações climáticas; um combate sério à fome mundial “num cenário em que as chuvas estão cada vez mais imprevisíveis e as culturas continuam a falhar”; a exigência de cumprimento dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, mesmo pós-2015; ou a manutenção dos orçamentos previstos por cada país para a Ajuda Pública ao Desenvolvimento. Alinhada com estas causas, a FEC reconhece que o FSM representa uma alternativa ao Fórum Económico Mundial, oferecendo “um poderoso antídoto para um sistema que coloca o dinheiro em vez das pessoas em primeiro lugar”. Representada no evento mundial pelo coordenador do Programa FEC na Guiné-Bissau, Simão Leitão, esta ONGD juntou-se aos milhares de participantes em Dakar para traçar estratégias que permitam definir políticas de ajuda às populações mais pobres e vulneráveis. “Onde o Social e o Económico (não) convergem”
Num balanço da edição de 2011 do FSM, o responsável da FEC sublinhou ao VER que “sem perder o seu enfoque – constituir um espaço de partilha de ideias e experiências sobre o mundo em que vivemos –, [o evento] foi uma vez mais marcado pela pluralidade de perspectivas e encontro de visões”. Ficou assim garantida “a maior riqueza” de um dos principais encontros sociais do globo: “colocar na agenda pública mundial as preocupações da imensa sociedade civil que ali se encontra representada”. Como recorda Simão Leitão, sobre a importância deste lobbying político pela positiva, é de sublinhar que já na última edição do FSM um dos principais temas foi a regulação dos mercados financeiros internacionais. “Com algum atraso – e, pode-se dizer, a reboque dos acontecimentos – o Fórum Económico Mundial reagiu em Dezembro de 2010 e apresentou na sua agenda também este tema para reflexão”, comenta. A propósito de outro tema que esteve em destaque em Davos – a necessidade de integrar os objectivos e valores sociais na matriz económica – o responsável questiona: “com sintonias como estas será que um dia vai ser possível ultrapassar as distâncias de tempo e as barreiras do preconceito e organizar um Fórum Social e Económico Mundial? Infelizmente, diz, o presidente eleito do Senegal “não deu sinais positivos no sentido de uma convergência”, ao manifestar “a sua oposição pessoal ao FSM, afirmando ser capitalista”. Também a universidade pública de Dakar, “ao não cumprir com o seu compromisso de disponibilizar salas para a realização dos seminários, não facilitou o decorrer dos trabalhos”. Mais justiça social na Agenda Internacional A edição de 2011 transformou Dakar por uns dias na capital mundial do movimento social, numa altura particularmente difícil em que a revolta no Egipto agravou um contexto onde crises multifacetadas “reflectem a falência do sistema liberal”, cujos excessos afectam (sobretudo e como sempre) os países mais pobres, muitos deles situados no continente africano: crise financeira, crise alimentar, crise energética, alterações climáticas, violações de direitos civis, socioeconómicos e culturais, desemprego juvenil ou questões de imigração são apenas uma parte dos profundos problemas que muitas populações enfrentam diariamente em África. Para os activistas defensores de um modelo social mais democrático que dinamizam este Fórum, as políticas promovidas por instituições internacionais como o Banco Mundial e o FMI “têm dificultado o acesso ao bem-estar social através do desenvolvimento de um sistema voltado para a satisfação das necessidades das pessoas. África ilustra um dos maiores fracassos de três décadas de intervenção política neoliberal”, concluem. Em resposta, os movimentos sociais e os cidadãos de todo o mundo têm o direito e o dever de se unirem aos povos africanos, “que se recusam a pagar o preço da crise actual, sobre a qual eles não têm nenhuma responsabilidade”. Afinal, e quer se trate de uma crise sistémica do capitalismo liberal ou de uma crise civilizacional que a todos afecta, certo é que a humanidade enfrenta hoje profundas mudanças, devolvendo a cada povo e a cada nação a responsabilidade da gestão dos seus recursos, mas também exigindo que as grandes potências ocidentais não continuem a impor a sua agenda em detrimento das prioridades dos restantes países.
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Jornalista