Intitular um artigo sobre colaboradores dando ênfase ao líder parece, à primeira vista e no mínimo, incoerente. Mas se tomarmos em consideração as lições de amor, sim, leu bem, que foram partilhadas na sessão do Congresso da ACEGE dedicada aos mesmos, saiba que quando os líderes encaram os colaboradores como seus próximos, a empresa passa a chamar-se comunidade e os laços afectivos que a unem estão verdadeiramente presentes
POR HELENA OLIVEIRA

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João Pedro Tavares
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“Tomar uma empresa como uma comunidade e os colaboradores como os nossos ‘próximos’” foi a forma que João Pedro Tavares, vice-presidente da Accenture e moderador do 1º painel da tarde, encontrou para dar o mote à temática “Colaboradores” inserida no contexto do amor como critério de gestão.

Uma sessão diferente das demais no sentido em que os oradores presentes – José Manuel Silva Rodrigues, presidente da Carris, Pedro Rocha e Melo, vice-presidente da Brisa e Diogo Alarcão – partner na Mercer – foram convidados a expressar, sem recorrer aos habituais powerpoints ou discursos já escritos, a sua visão face aos colaboradores que lideram, a partir de “desafios” lançados pelo moderador. A sessão transformou-se assim numa conversa rica, recheada de experiências empresariais e pessoais e de um alerta especial, sublinhado por todos os intervenientes, relativamente ao facto de a actual conjuntura exigir, mais do que em qualquer outra ocasião, uma atenção ainda mais “cuidada” aos colaboradores, não só no plano profissional, como no pessoal.

Atentemos então aos desafios lançados por João Pedro Tavares e às respostas, na 1ª pessoa, dos intervenientes.

Desafio 1: A unicidade da pessoa humana
Criação de espaço para que os colaboradores possam, eles mesmos, ser unos: sabem, os vossos colaboradores, que foram convidados para estarem aqui a falar sobre este tema?

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Pedro Rocha e Melo
BRISA
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PEDRO ROCHA E MELO
A primeira reacção, para crentes e não crentes, foi de choque, dada a imprevisibilidade do tema e, sobretudo, do significado da palavra amor: a palavra não se aplica ao conceito empresarial e o amor foi inicialmente visto como uma ideia sentimental e paternalista, não fazendo, por isso, sentido. No entanto, e à medida que as conversas foram decorrendo com (alguns) colaboradores, foi notória a sua interpelação pelo tema, seguida de uma certa “aprendizagem” na aceitação do mesmo. Apesar de sabermos que têm de existir limites no que respeita ao impacto que as nossas convicções têm na tomada de decisão – como qual o limite para a redução de custos ou quando é que este contexto de crise terá fim – a verdade é que foi surgindo a ideia de que o tema é pertinente. Afinal, se o amor é uma experiência que se vive fora do contexto empresarial, porque não adoptá-lo no seu interior?

JOSÉ MANUEL SILVA RODRIGUES
A primeira reacção, depois de partilhado o tema sobretudo com os jovens quadros da empresa, foi a equação ‘amor + gestão’ ter resultado numa soma de conteúdo vazio, muito em particular no contexto actual de grande constrangimento orçamental e no ambiente hostil em que vivemos. Mas, depois de se tentar operacionalizar o conceito – tratar o outro como gostaríamos que ele nos tratasse a nós – as pessoas tiveram uma melhor percepção do pretendido. Colocar a questão nos termos “quantas coisas fazemos, empenhadamente, com amor e por amor”, obrigou as pessoas a reflectir e a descobrir que, nas suas vidas profissionais, já o fizeram muitas vezes: dar sem precisar de receber.

Sendo este um critério universal, apesar de idealista e de a palavra amor nos fazer ser muito defensivos em relação à mesma, a ideia não é apenas fazer melhor, mas fazer diferente e de forma profunda. Não sendo fácil dizer aos colaboradores que os amamos, a introdução do tema na gestão resultará numa maior exigência e responsabilidade para os líderes. E, por vezes, sobretudo em organizações de grande dimensão, esquecemos que as nossas decisões afectam os colaboradores. Questiono-me também se a afectividade que sinto, depois de 10 anos à frente da Carris, não me tolda o raciocínio.

Todavia, o que me parece mais importante é não fazer sentir aos colaboradores que uns são mais importantes que outros, transversalizar a responsabilidade e fazer acreditar que todos podem ser líderes. E, em termos puramente empresariais, é crucial perceber o que temos de fazer e o que queremos fazer e, quando alcançamos qualquer que seja o sucesso, partilhá-lo com todos.

DIOGO ALARCÃO
Não foi surpresa, pois há muito que tenho o rótulo de partner católico da Mercer. Todavia, considero que não existe momento mais importante do que o actual, pois falar de amor em tempo de crescimento seria muito mais fácil. Por outro lado, penso que é necessário considerar o critério do amor como universal e não como algo exclusivo dos gestores cristãos.

DESAFIO 2: O rosto do amor
Como tornar este conceito mais empresarial? Existe espaço para a sua mensurabilidade?

PEDRO ROCHA E MELO
Dadas as restrições que estamos a viver é, sem dúvida, muito mais fácil colocar o tema no plano pessoal, do que o fazer passar para a fase seguinte, ou seja, operacionalizá-lo na empresa. A forma como olhamos para a liderança e para a autoridade é determinante, sendo que a sua tónica central é serem os gestores a dar o exemplo, apesar de terem, obviamente, as suas falhas e, sobretudo no contexto da tomada de decisão, onde nem sempre conseguimos manter a coerência que seria idealmente desejável.

O exemplo de Cristo como líder é bem ilustrado no episódio do lava-pés, que não só é uma história de humildade mas o facto de “estar aqui para servir”. O líder é o primeiro a servir, no que respeita à sua enorme responsabilidade mas, geralmente este facto não é claro para os demais, pois em primeiro lugar pensam nos seus privilégios e não no que significa liderar, que é sinónimo de delegar, encorajar, estimular, exigir… O líder tem de estar primeiro ao serviço da empresa e só depois é que se segue a sua autoridade.

No que respeita à possibilidade de se medir este amor, existem muitas formas de se sentir os seus efeitos. Uma é, sem dúvida, a importância da relação com as organizações representativas dos trabalhadores, pois pode ser uma forma efectiva de “medir” o seu sentimento relativamente à confiança que estes têm na empresa e outro indicador mensurável é o da “paz social”, que constitui, para a Brisa, um motivo de grande orgulho em simultâneo com uma enorme preocupação. Outra forma ainda pode ser atingida através de auditorias externas que podem medir, por exemplo, as boas práticas nas políticas de conciliação entre vida profissional e familiar.

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José Manuel Silva Rodrigues
CARRIS
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JOSÉ MANUEL SILVA RODRIGUES
A operacionalização do conceito passa por termos capacidade de transmitir, na organização, que esta tem de se mover de acordo com valores. Dar o exemplo é imprescindível, pois é isso que confere credibilidade ao líder e, por consequência, também autoridade. Os valores que pretendemos transmitir são o reconhecimento, a partilha, os afectos, a criação de ambição, de auto-estima, a meritocracia. Considero a valorização pessoal importantíssima.

Se recordar que, no caso da Carris, e entre 2003 e 2004, os trabalhadores fizeram greve 27 vezes e que, nos últimos tempos, as poucas vezes que aderiram às mesmas foram devidas, meramente, a questões políticas, é possível concluir que, nesta empresa, impera um enorme sentido de responsabilidade. E desde que, em 2007, integrámos o grupo das melhores empresas para trabalhar – sendo que nunca mais de lá saímos – conseguimos fazer acreditar, fazer acontecer e partilhar o excelente resultado com todos: um prémio que não é da empresa, mas da comunidade que a integra. Nunca mentir à organização – uma actividade que deveria ser auditada – é essencial, pois os sacrifícios têm de ser explicados tanto como os sucessos têm de ser partilhados.

No que respeita à métrica e utilizando a fórmula comum de “que o que não se pode medir, não se pode gerir”, na verdade, não concordo. Nem todo o valor pode ser mensurável. Os impactos do amor, neste caso, no desempenho da organização, podem ser reais e não mensuráveis, o que não desvirtua, de todo, o conceito.

DIOGO ALARCÃO
Amor ao próximo como critério de gestão num balanced scorecard? Não.

Todavia, acredito que existam formas de o medir, por exemplo, através dos índices de felicidade dos colaboradores. Ou seja, há um return on investment (ROI) possível, pois, como já foi enunciado anteriormente, colaboradores felizes são mais produtivos e criativos.

Por outro lado, se eu faço o bem, sinto-me feliz e transmito essa felicidade aos outros. E esta nossa capacidade de gerar este tipo de riqueza, com mais valor, parece-me mensurável. Aliás, num recente inquérito de felicidade, os colaboradores elencaram aquilo que os faz mais felizes na empresa: ter alguém com quem se pode contar, ter aprendido algo recentemente e gozar de independência e autonomia. O que me parecem indicadores sólidos.

DESAFIO 3: Critério do amor comum a todos os níveis da empresa
Não diferenciar, enquanto pessoa, o motorista do presidente ou como transversalizar o amor ao próximo como critério de gestão em todos os patamares da organização

PEDRO ROCHA E MELO
Está tudo relacionado com a cultura da organização, com os seus valores e com a forma como os transmitimos. Tem igualmente a ver com o tempo, com as práticas introduzidas, com as tomadas de decisão, com a justiça na organização, explicando e envolvendo as pessoas, com a preocupação de um incremento crescente no que respeita à confiança. Ou seja e em suma: co-responsabilização. Dou ainda dois exemplos para ilustrar a minha afirmação: o lançamento do nosso Código de Ética, que envolveu acções de explicação e formação em todo o país, e os programas de voluntariado, que têm gerado um enorme envolvimento por parte dos colaboradores, ao mesmo tempo que se vê, espelhada, a felicidade nas suas caras.

JOSÉ MANUEL SILVA RODRIGUES
Não há como não ser transversal. E quanto mais conscientes da confiança, mais responsabilidade temos. Importante é igualmente criar a percepção de que temos de gerir de uma forma mais exigente, contando com a participação de todos e que os colaboradores têm de sentir que têm de receber mas, ao mesmo tempo, dar. E, neste tema em particular, há que sublinhar a extrema importância das chefias intermédias. Citando o exemplo concreto dos motoristas da Carris – o core da empresa – cuja profissão é um misto de solidão e aproximação em simultâneo, pois trabalham sem colegas e sem chefe por perto – coloca problemas específicos de gestão e temos investido bastante neste grupo, exactamente a partir das chefias intermédias.

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Diogo Alarcão
MERCER
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A ideia é que cada um faça o melhor que sabe e o melhor que pode para a empresa ser melhor e superar-se a si mesma. E, com a responsabilidade acrescida da crise – sem aumento de salários, sem promoções e com possíveis despedimentos – é nossa profunda obrigação estarmos ainda mais atentos.

DIOGO ALARCÃO
A transversalidade é o grande desafio do gestor, seja no que se refere aos despedimentos, à avaliação de carreiras, à mobilidade e a tantos outros temas que integram a liderança de uma empresa.

Como consigo tomar as minhas decisões tendo sempre presente o outro, o próximo, é, sem dúvida, o maior desafio.

Editora Executiva