Apesar de o nível de paz ter aumentado em 81 países, o mesmo diminuiu em 78, de acordo com o Índice de Paz Global publicado em 2015 e promovido pelo Institute for Economics and Peace, que mede anualmente a paz em 162 nações. No mesmo documento, este think tank revela de que forma os governos podem (e devem) implementar e promover a paz, evidenciando as enormes e infinitas vantagens desta “prática”
POR
MÁRIA POMBO

Nota: Na medida em que os dados utilizados para a realização deste ranking correspondem a 2014, a sua leitura terá de ser feita, e obviamente, sem levar em linha de conta os eventos que marcaram este ano de 2015 prestes a findar.

Entre 2013 e 2014, 81 países tornaram-se mais pacíficos e 78 ficaram mais violentos. Diversas nações europeias atingiram os níveis mais elevados de paz de que há memória, sendo que 15 dos 20 países mais pacíficos do mundo pertencem ao Velho Continente. Devido ao aumento do terrorismo, a região do Médio Oriente e Norte de África (MENA) era, nesta data, a menos pacífica do planeta (e continua a ser). Estas são algumas das principais conclusões do Índice de Paz Global (IPG), publicado em 2015 e com dados de 2014 pelo Institute for Economics and Peace (IEP), o qual mede anualmente, o estado de paz em 162 países através de 23 indicadores.

Globalmente, e de acordo com este documento, os níveis de paz mantiveram-se estáveis face aos do ano anterior mas, e ainda assim, mais baixos que em 2008 (ano no qual foi realizada a primeira edição do mesmo). Em custos, o impacto da violência rondou os 14,3 triliões de dólares, o equivalente a 13,4% do PIB global (mais dois por cento face ao ano anterior) e correspondente às economias combinadas do Brasil, Canadá, França, Alemanha, Espanha e Reino Unido.

17122015_PorqueApazApesar de o nível de paz ter aumentado em diversos países, em tantos outros – como os que integram o MENA e a América do Sul – o agravamento dos conflitos armados deu origem a níveis de violência sem precedentes. Desde 2010 (e tendo em conta os números até 2014) o número de refugiados cresceu drasticamente – cerca de 1% da população mundial de refugiados ou pessoas descoladas internamente e, face ao que pudemos testemunhar neste ano de 2015, é natural que as estimativas apontassem, já nesta data, para um crescimento significativo desta percentagem.

A Islândia, a Dinamarca e a Áustria eram, em 2014, os países mais pacíficos do mundo, com a Síria, o Iraque e o Afeganistão a ocuparem, sem surpresas, os últimos lugares deste ranking. O fim de conflitos externos fez com que a Guiné Bissau, Costa do Marfim, o Egipto e Benim fossem as nações a registar os maiores incrementos em matéria de paz; por outro lado, a Ucrânia e a Rússia foram os países que sofreram os mais severos estragos. Portugal ocupava a 11ª posição, tendo melhorado sete posições face ao relatório anterior (2013).

“O ano de 2014 foi marcado por tendências contraditórias: por um lado, muitos países da OCDE alcançaram níveis históricos de paz, enquanto, por outro lado, as nações mais devastadas pela guerra, especialmente no Médio Oriente, tornaram-se mais violentas”, comenta Steve Killelea, fundador e presidente executivo do IEP, chamando ainda a atenção para o risco de “estes conflitos se tornarem incontornáveis e alastrarem o terrorismo a outras regiões”, como se veio a confirmar.

No entanto, e apesar de o cenário não ser o mais animador, o Índice revela a existência de indicadores que permitem ter alguma esperança no futuro (com muitas reticências para já), como a redução das despesas militares ou a diminuição do número de mortos em conflitos externos na Europa.

Um sinal positivo para o próximo Índice de Paz Global incluirá, sem dúvida, as recentes eleições na Arábia Saudita, em que, pela primeira vez, as mulheres puderam votar. O país que passou da 87ª posição, em 2014, para a 95ª na mais recente edição do IPG, ficará marcado por este dia histórico, em que mais de 900 mulheres sauditas exerceram o direito de voto (mesmo que acompanhadas por um homem), em conjunto com as cerca de 20 que foram eleitas para cargos públicos. Uma vitória que oferece uma maior esperança para que se alcancem níveis de democracia mais elevados, apesar dos tremendos obstáculos que estas cidadãs continuam a enfrentar diariamente – de que são exemplo as proibições de conduzir, de frequentar a universidade e de sair do país sem autorização de um familiar do sexo masculino.

Um ciclo virtuoso com benefícios ilimitados

Ainda nesta edição do Índice de Paz Global, o IEP dedicou-se não só a apurar a paz em cerca de 99% do território mundial, mas também a demonstrar todas as vantagens de que os estados beneficiam ao implementá-la e promovê-la. O documento adianta que se o mundo diminuísse em apenas 10% os gastos até então usados a promover a violência, “ganharia” 1,43 triliões de dólares, os quais poderiam ser investidos em indústria, tornando o planeta economicamente mais produtivo, e facilitando a promoção e a manutenção da paz.

A este respeito, e para uma melhor percepção dos montantes em causa, Steve Killelea explica que “este valor [1,43 triliões de dólares] é seis vezes superior ao total do resgate financeiro e dos empréstimos concedidos à Grécia pelo FMI, BCE e outros países da zona Euro”.

17122015_PorqueApaz2Primeiramente, o relatório distingue a paz negativa da paz positiva: a primeira é caracterizada pela mera ausência ou medo de eventos violentos, e a segunda está relacionada com as atitudes, as instituições e as estruturas que sustentam as sociedades pacíficas. Neste sentido, a paz positiva (aquela que realmente importa) é descrita como a que cria um ambiente saudável e promove o potencial humano. Este é um conceito que abarca não só a forma como as nações mantêm a paz, mas também o modo como estas lidam com situações inesperadas, de que são exemplo as crises económicas, os desastres naturais e as doenças epidémicas.

A boa notícia é que a paz funciona de forma cíclica – o chamado ciclo virtuoso, como é descrita no documento – dado que uma só medida pode influenciar as restantes e ser reciprocamente influenciada por estas. Neste sentido, as melhorias na paz positiva originam menos violência e soluções mais pacíficas para resolver os conflitos; estas resoluções dão origem a ambientes económicos mais fortes, melhor funcionamento do governo e mais coesão social que, por sua vez, criam níveis mais elevados de bem-estar, levando a uma sociedade mais produtiva e próspera; desta forma, os Estados podem investir o capital a manter e melhorar os níveis de paz já existentes, deixando apenas uma pequena parcela para resolver os conflitos que poderão surgir (regressando, novamente, ao primeiro factor deste ciclo e assim sucessivamente).

Paz ou a medida de bem-estar humano que os humanos teimam em não respeitar

Na medida em que é bastante ténue a linha que separa a paz positiva da negativa e, da mesma forma que um factor “certo” pode influenciar todo um ciclo virtuoso, também uma medida errada pode corromper o sistema até então implementado, originando e estimulando um ciclo vicioso e uma consequente transição para um clima não desejado de violência. Na verdade, são necessários apenas alguns danos para deteriorar a paz positiva, levando ao aumento de rebeliões e à diminuição de factores como a equidade, a justiça, a honestidade e a confiança (que tanto marcam as sociedades mais pacíficas); como consequência, aumentam as agressões, diminui a capacidade de resiliência e abranda o crescimento do PIB, aumentando os custos associados à violência e deteriorando mais ainda a paz. E, neste sentido, apenas a implementação de medidas pacíficas poderá devolver a paz a este sistema corrompido e devastado pela violência.

Elevados níveis de capital humano, ambiente propício aos negócios, baixos níveis de corrupção e livre circulação de informação são alguns dos pilares da paz positiva descritos no documento, nos quais estão também incluídos as boas relações com países vizinhos, a aceitação dos direitos dos outros e o bom funcionamento do governo. Todos estes pilares – ou os factores a ter em conta na implementação, promoção e “medição” da paz – resultam na distribuição equilibrada de recursos, tendo em conta que promovem a igualdade de género, a competitividade empresarial, o desenvolvimento humano (principalmente no seio das gerações mais jovens), elevados níveis de felicidade e, ainda, coesão social e económica.

Promover a resiliência e criar um ambiente capaz de encontrar soluções não violentas para resolver conflitos é uma forma apontada no IPG para criar a tão ambicionada paz positiva. O mesmo documento adianta que os países mais pacíficos são aqueles que, historicamente, albergam menos movimentos de resistência civil, por oposição às nações mais “fracas” a este nível, as quais tendem a acolher um maior número de movimentos violentos, apresentando baixos níveis de resiliência e uma grande dificuldade em restaurar a paz. Adicionalmente, nos países mais pacíficos, os movimentos tumultuosos são escassos (em número e intensidade), sendo igualmente baixos os níveis de violência provocados pelos mesmos.

Os dados apresentados permitem perceber que os custos com a violência são infindáveis e que as pequenas falhas têm consequências devastadoras, mas que os benefícios causados pela paz também poderão ser intermináveis e tremendamente compensatórios, para os países e para o planeta em geral. Ao contrário da guerra, a paz acaba por ser “invisível” e é esse o motivo pelo qual é tantas vezes difícil calculá-la e até compreendê-la. No entanto, a sua promoção “é essencial para assegurar a continuidade da recuperação económica do mundo”, como reforça Steve Killelea.


Promover a paz: um filme que não tem de ser realizado por gente grande

Crentes de que a paz é um direito humano, os promotores do Peace in the Streets Global Film Festival demonstram como é tão simples promover a paz no seio familiar ou escolar. Criada em 2014 pela Peacemaker Corps Association (PCA) e com edições anuais desde então, esta é uma iniciativa que pretende incentivar os jovens com menos de 18 anos e de qualquer parte do mundo a fazerem vídeos sobre a paz, contando um pouco da sua história e dando o seu testemunho pessoal. A dimensão do vídeo e o ângulo de abordagem são “livres” e os participantes podem recorrer a telemóveis, tablets ou câmaras para contar a sua história, sem que a técnica seja relevante.

Partilhar novas ideias e dar aos jovens a possibilidade de se fazerem ouvir, promovendo a mudança para um mundo melhor, mais tolerante e mais seguro são os grandes objectivos deste concurso, os quais vão, aliás, ao encontro da missão da própria associação que o promove.

A originalidade e a criatividade são os principais critérios de selecção do júri, e os vídeos que apresentarem as ideias mais inovadoras de promoção local da paz ocuparão os lugares cimeiros deste festival. Os filmes submetidos ficam disponíveis na plataforma deste concurso, podendo ser visualizados e partilhados livremente, sendo que os autores das “fitas” vencedoras terão ainda a oportunidade de visitar a sede da ONU.


Jornalista