Na passada semana, e no âmbito de várias conferências, Portugal acolheu a vinda de alguns oradores internacionais de peso, no que à ética empresarial, sustentabilidade e desafios globais dizem respeito. A sua “alma cheia” contrastou com o vazio e cinzentismo dos “VIPs” nacionais, em conjunto com um marasmo e um silêncio constrangedor
POR SOFIA SANTOS
Na última semana assisti a conferências interessantíssimas sobre os temas da ética e sustentabilidade, no âmbito da conferência anual do BCSD e das Conferências Bridges, dinamizadas pela CGD. Estive também presente no jantar de Gala do INDEG-IUL, no qual o professor Edward Freeman fez o discurso principal. Nestas conferências, tivemos um mix de “almas cheias” e de “almas vazias”. As “almas cheias” de vida, energéticas e inspiradoras eram estrangeiras e falavam da importância da consciência de cada um no seu papel diário como colaborador de uma empresa. Falavam do “Purpose” das empresas, do sentido que queremos dar às nossas vidas como pessoas e gestores, e da necessidade que existe em ligar as empresas à vida real que as rodeia. Edward Freeman avançou com a ideia de que o propósito das empresas é o de servir a sociedade, e que devemos ser capazes de criar empresas nas quais gostaríamos que os nossos filhos trabalhassem.Na semana passada passaram por Portugal algumas das mais influentes pessoas a nível mundial nestes temas: Jo Confino, do jornal britânico The Guardian, Phil Case da PricewaterhouseCoopers, um perito nos temas ambientais e nas implicações das alterações climáticas nas empresas, Steven Tebbe, do Carbon Disclosure Project, Inés Garcia-Pintos, presidente da Associação Espanhola para os Fundos Socialmente Responsáveis, Spainsif, e Edward Freeman, o criador da teoria dos stakeholders, o académico mais citado na área da gestão e grande dinamizador da discussão sobre a ética nos negócios. Estas pessoas representam aquilo que melhor se faz no mundo. No entanto, a alma corporativa portuguesa não o sabe, não quer saber, e parece que tem raiva de quem sabe.

O ambiente corporativo que se fez sentir nestes eventos foi marcado pela predominância de homens vestidos de escuro, com uma média de idades a rondar os 50 anos, por uma ausência de simplicidade no trato e por uma presunção provinciana relativa ao facto de podermos estar perto destas pessoas “tão importantes”. No entanto, toda esta elite cai por terra quando estas pessoas tão importantes (às quais nem todos podem ter acesso) se colocam à disposição para responderem a perguntas da audiência, e o silêncio impera. Como é possível que esta elite não tenha perguntas a fazer a estas pessoas? Como é possível que não sintam vergonha em não saber fazer perguntas? Ou ainda, como é possível viverem num marasmo em que lhes é indiferente fazer, ou não fazer, perguntas? Como é possível crescer num país em que a audiência destes momentos está mais relacionada com a presença física dos presidentes das empresa e dos VIPs portugueses, do que com os oradores das conferências? Sinceramente: não sei. Só sei que sinto tristeza por ver pessoas com poder desligadas dos sentimentos que nos fazem humanos; por ver pessoas amorfas à novidade e ao futuro; por ver o sistema bloqueado à inovação e à criatividade e apenas desejar “yes men” (no sentido literal de homens que dizem sempre sim).

Por tudo isto, afirmo convicta que a alma corporativa portuguesa está doente, a definhar e a ignorar por completo o País em que os seus netos viverão. A alma corporativa portuguesa está mais egoísta do que nunca: não evidencia nenhuma preocupação com a vida futura dos seus descendentes, e nem vergonha sente com isso. Afirmo também convictamente que as mulheres poderão contribuir em muito para a mudança desta situação. O futuro e o longo prazo são “inatos” e fazem todo o sentido no pensamento das mulheres. A ligação à vida real e a empatia pela situação do outro é algo natural para a mulher. Pela sua capacidade de ser mãe, a mulher preocupa-se com o futuro e actua com mais facilidade em sintonia com a sua consciência. Tem muito menos vergonha de defender os seus ideais. Uma sociedade desenvolvida e equilibrada é aquela em que existem mulheres presidentes de empresas, mulheres nos conselhos de administração, enfim …. Mulheres com poder para decidir.

Talvez seja esta a simples revolução que este país necessita agora de fazer: atribuir à mulher o poder de decidir.

CEO da Systemic

2 COMENTÁRIOS

  1. Não posso concordar mais….e sou homem. Em Portugal impera os formalismos, o status, as cunhas, o amigo do amigo e não a meritocracia, a competência, o sustentável economicamente e socialmente.

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