Num mundo cheio de ameaças, de bolhas imobiliárias, de iminentes conflitos étnicos, desastres ambientais, ansiedade e medo, convidativo a que cada entidade se feche sobre si própria, a revolução dos ecossistemas – que não é mais do que a materialização social, económica e financeira da revolução dos afectos – poderia ser a necessária e desejável resposta de unidade para esta nova batalha espiritual, sendo que a banca social ou ética poderia ser um dos seus principais elementos catalisadores
POR JOÃO GIL PEDREIRA

Após várias décadas a edificar um império de betão, constituído por prédios e mais prédios, muitos deles agora devolutos, estradas e mais estradas, muitas delas agora vazias, complexos desportivos e mais complexos desportivos sem qualquer actividade, entre muitas outras aberrações que o mundo da construção e da especulação imobiliária souberam erguer, o mundo ocidental, e ocidentalizado, acorda para um verdadeiro pesadelo de desesperança e desanimo.

Que fazer após o términos da loucura? Principalmente, quando o tal mundo ocidental, e ocidentalizado, se encontra agora nas mãos do sistema financeiro que idealizou, projectou, implementou e financiou esta insanidade, escondendo-a durante tantos anos dos olhos humanos, através de operações de securitização, de produtos estruturados, ou de CDOs e protegendo-a através de CDSs, de SWAPs ou de outros instrumentos elaborados, cujas potenciais consequências foram muitas vezes imperceptíveis à consciência dos seus decisores, mas que vieram a tornar o desejado resgate, do real e da realidade, tarefa aparentemente impossível.

Até porque, viciado neste mesmo modelo totalmente privado de vida, o sistema financeiro insiste continuadamente em tentar ressuscitá-lo e recriá-lo, mesmo sabendo não existir qualquer possibilidade de sucesso para tal empreendimento. Insistência realizada à custa do esforço das populações ocidentais que, de forma totalmente inglória, vão transferindo os seus últimos recursos para este enorme buraco negro, caminhando a passos largos para a pobreza e para a indigência.

Mas é exactamente nesse momento, ou melhor neste momento, que surge no horizonte – bem próximo – uma forma de sentir e de pensar a realidade social, económica e financeira bem diferente. Que se consubstancia em um ou mais propósitos claros e transparentes, e onde as palavras ditas são a tradução de uma nova forma de viver em sociedade, em comunidade e, atrever-me-ia a dizer, em família.

Para os seus propósitos, esta nova forma de sentir e de pensar elege o social, o ambiental e o cultural como principais representantes do seu sonho e da sua consciência colectiva. Traduzindo-se cada uma destas áreas na criação e no desenvolvimento de uma realidade sólida, sustentável e auto-suficiente, próxima das suas comunidades e representativa das mesmas, através de modelos participados e democráticos, envolventes de todas as suas entidades.

A transparência é o princípio espiritual de base, para que toda uma comunidade envolvida possa visualizar – sem limites e sem fronteiras – a forma como a sua vontade, o seu querer e o seu propósito têm vindo a ser materializados nesta nova forma de sentir e de pensar.

A sua sustentação dá-se através de associações ou de cooperativas, ou através de outro qualquer modelo de desenvolvimento social, económico e financeiro, onde estejam presentes os seguintes sete princípios de base: participação voluntária e aberta dos membros; gestão democrática por parte dos sócios, num sistema de um voto por cada pessoa; participação económica dos sócios ao nível dos fundos próprios do modelo edificado (garante de auto-sustentabilidade); total autonomia e independência perante potenciais pressões externas; primado da educação, da formação e da informação ao nível das comunidades participantes; cooperação constante entre cooperativas, associações ou outros modelos que comunguem dos mesmos propósitos; e, por fim, interesse genuíno pela comunidade.

Uma nova forma de sentir e de pensar elege o social, o ambiental e o cultural como representantes do seu sonho e da sua consciência colectiva

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Estes são os novos ecossistemas, ou conjunto de entidades trabalhando por um propósito comum, onde as relações que se estabelecem e se desenvolvem entre essas entidades são os elementos fundamentais da sustentabilidade, da solidez e do desenvolvimento dos mesmos. Onde o “eu” apresenta a sua maior expressão e qualidade no “nós”, pela libertação das amarras que o prendem e que o condicionam a ele próprio, e onde os olhos das pessoas voltam a ter aquele brilho, que não é mais do que o reflexo de almas que acreditam e que têm esperança.

É esta a realidade que a banca social tem vindo a criar e a desenvolver por todo o mundo (do Paquistão à África, passando pela Europa, Brasil e Estados Unidos, entre muitas outras regiões), com uma questão central: qual a economia que queremos criar, acelerar, ou desenvolver com o nosso dinheiro.

Certo que ainda se poderá dizer que esta banca é estatisticamente insignificante – sendo certo também que as estatísticas pecam por muitas vezes não captarem todos os efeitos e as derivadas ecossistémicas da boa e da má acção, resultantes da boa e da má vontade -, mas certo é que os exemplos que se vão multiplicando por todo o globo trazem consigo o sinal de que existem formas bem diferentes – verdadeiras alternativas – de idealizar, projectar, implementar e financiar a realidade envolvente.

As quais, por incrível que pareça, resultam em realidades muito mais sólidas e sustentáveis do que aquelas apresentadas pelos ditos bancos convencionais. Como é o extraordinário exemplo da Banca Populare Etica italiana, onde 46 por cento dos seus empréstimos foram concedidos a entidades que viram os seus projectos recusados pela banca convencional, sendo que ao final do dia este mesmo banco social apresenta uma taxa de incumprimento muitíssimo inferior aos outros bancos operantes no mesmo mercado.

Num mundo cheio de ameaças, de potenciais explosões de bolhas imobiliárias, de iminentes conflitos étnicos, de incontornáveis desastres ambientais a curto, a médio e a longo prazo, de ansiedade e de mais ansiedade, de medo e de mais medo, convidativo a que cada entidade se feche sobre si própria, esquecendo-se diariamente do seu próximo, e tornando-se afastada de tudo mais, e inclusive de si mesma, a revolução dos ecossistemas – que não é mais do que a materialização social, económica e financeira da revolução dos afectos – poderia ser a necessária e a desejável resposta de unidade e de harmonia para esta nova batalha espiritual, sendo que a banca social ou ética poderia ser um dos principais elementos catalisadores das forças, dos princípios e dos valores que estão na base dessa mesma resposta.

Os próximos tempos – dias, semanas, meses – serão fundamentais para determinar o futuro da envolvente social, económica e financeira do mundo ocidental, e ocidentalizado. Quantas mais pessoas e mais vontades se envolverem na edificação deste novo paradigma relacional, de criação e de desenvolvimento, maiores serão as hipóteses de se conseguir construir, sobre as cinzas de um império moribundo e caído, uma realidade fraterna e sustentável.

Por mais que sejamos convidados a ser meros espectadores das inevitabilidades e dos caminhos sem alternativa, que sejamos deprimidos e oprimidos por problemas traduzidos em números gigantescos, onde o nosso contributo poderá parecer totalmente irrelevante, é no procurar da unidade e da harmonia entre grupos de pessoas imbuídas de um mesmo propósito que se poderá renovar, diariamente, a fé e o acreditar que é efectivamente possível sonhar uma realidade muito diferente. Sendo que, a partir desse momento, acredito que tudo passa a estar ao alcance do nosso compromisso, do nosso trabalho e da nossa persistência.

Especialista em consultoria estratégica (banca, seguros e telecomunicações) e fundador da Bridges Advisors