Setenta e seis anos depois da adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos ainda precisamos de um Dia Internacional contra a Discriminação Racial, porque as pessoas racializadas são constantemente preteridas no processo de discussão e as suas necessidades e interesses são negligenciados
POR CLÁUDIA PEDRA

Quando se viaja pelo mundo, ele permeia-nos com a sua diversidade e inunda-nos com a sua beleza. Uma beleza muitas vezes incompreendida

Em muitos aspetos os consultores com propósito social são privilegiados. Privilegiados porque viajam pelo mundo, conhecendo línguas e culturas diferentes, adaptando tratos e protocolos, entendendo que nem sempre os conceitos são universais, mas os princípios e valores o são. Exige deles uma rápida adaptação ao contexto, uma agilidade de pensamento e uma transmutação de atos, que não é fácil nem sempre intuitiva. Mas tem como benefício a absoluta permeabilidade da beleza do mundo. Para conseguir essa permeabilidade há que fazer um esforço permanente de abandonar preconceitos e estereótipos, de dar oportunidade a todas as pessoas para livremente expressarem as suas opiniões, independentemente da sua formação ou percurso de vida.

Ao longo da nossa vida profissional encontraremos muitos detratores deste processo. Pretendem dar apenas voz aos mais experientes, aos mais formalmente educados, aos que provêm de países europeus ou do norte da América. Como se a idade e a geografia fossem sinónimas de sabedoria e capacidade de pensamento crítico. Não dão oportunidade às crianças e jovens de expressarem a sua perceção do mundo e de verbalizar as suas soluções que criativamente idealizaram. Deixam fora da discussão minorias, grupos sub-representados, pessoas que não encaixam no estereótipo do homem branco, de meia-idade, europeu, com formação superior, todo conhecedor. E é por isso que nos esquecemos de questões fundamentais na criação de políticas públicas e na operacionalização das instituições. Muito porque estas pessoas não terão a vivência que lhes permita tomar estas decisões sem consultar quem de direito.

Como eterna otimista me confesso, há sempre no mundo quem compreenda que assim não tem de ser. Organizações que lutam por questões centrais dos direitos humanos universais, que são negligenciadas por aqueles que teimam em não ouvir. Setenta e seis anos depois da adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), ainda precisamos de um Dia Internacional contra a Discriminação Racial, porque as pessoas racializadas são constantemente preteridas no processo de discussão e as suas necessidades e interesses são negligenciados.

Talvez por isso ainda faça sentido haver organizações especializadas em dar voz aos jovens e a afrodescendentes, para que estes possam desenvolver esse pensamento crítico e lutar contra os que os silenciam e ignoram. A Mundu Nôbu, com quem a Stone Soup começou a trabalhar recentemente, irá focar-se exatamente nisso, abraçando essa beleza da diversidade num mundu de que todos fazemos parte. E ao fazê-lo cruzará as várias interseções dos direitos – políticos e civis, mas também sociais, culturais e económicos. Refrescante num mundo em que os direitos culturais são muitas vezes o parente pobre dos direitos, esquecendo que a humanidade não existiria sem cultura.

Para o consultor socialmente comprometido, trabalhar com uma organização significa mergulhar na sua causa e compreender o que a motiva. Oferecer aconselhamento e soluções que respeitam os seus princípios e valores e que trazem algo de benéfico às comunidades que servem e à sociedade como um todo. Por isso a consultoria com um propósito social não é focada apenas no serviço, mas acima de tudo no processo. De modo que a organização se desenvolva e assim sirva melhor os seus beneficiários e comunidades.

Para aqueles que não estão tão habituados a navegar a diversidade do mundo há ainda muito a fazer para que possam compreendê-la. Talvez começar por ouvir. Ouvindo, o nosso mundo transfigura-se e há uma aprendizagem profunda. E assim podemos compreender a beleza da diversidade.

Imagem: © Alexander Grey/Unsplash.com

Managing Partner da Stone Soup Consulting e Directora da Associação de Estudos Estratégicos e Internacionais (NSIS - Network of Strategic and International Studies)