O tempo mudou, finalmente. O ansiado tempo frio instalou-se na Península. Há neve nas terras altas, sente-se o fresco nas cidades do litoral e todos esperamos que o Inverno que aí vem seja «à antiga». Precisamos do frio para a agricultura e para a saúde. O clima temperado contribuiu para a erradicação de mosquitos e doenças e o Inverno é uma estação essencial. As notícias das Alterações Climáticas alarmam-nos e, novamente, Outubro foi o mais quente desde que há registos. Sucede há quatro meses consecutivos. Queremos o frio para nos aliviar desta destemperança, mas quando se instala reclamamos que as nossas casas estão geladas. E Portugal é realmente o país europeu com mais mortes relacionadas com o frio nas casas. As alterações para melhor são evidentes nas novas construções, mas importa ainda remodelar as casas antigas. É que não vão ser demolidas no futuro que queremos sustentável
POR PEDRO COTRIM

No mundo inteiro, 90% dos edifícios existentes em 2050 terão sido construídos antes de 2010. O parque imobiliário em Portugal deixa muito a desejar em termos de eficiência energética.

As actuais exigências dos edifícios têm repercussões significativas globalmente. Impõe-se que nas profissões relacionadas com a construção haja um grande desenvolvimento de novas competências. No fim de contas, passamos de um objecto de construção para um sistema de construção. Esta nova visão envolve uma organização menos sequencial do trabalho, pondo em causa nomeadamente os trabalhos de alvenaria, de revestimento e de carpintaria.

Há várias certificações ambientais que enriquecem o imóvel, tanto do ponto de vista do conforto como do económico – uma casa que cumpre preceitos ecológicos é muito mais valorizada no mercado. Os requisitos de desempenho energético terão de ser respeitados nas novas construções, significando que em cada etapa da obra deverão ser realizadas verificações para identificar possíveis defeitos o mais cedo possível. Por exemplo, quem coloca mosaicos terá de garantir que tudo será feito de acordo com as regras antes da sua intervenção; quem vier tratar da tarefa seguinte precisará de acudir aos mesmo cuidados.

Além de eventuais novas profissões, a evolução do sector passa principalmente por um aumento nas competências dos profissionais: os isolamentos e as tintas mudaram, assim como a forma como são instalados. Cada profissão será confrontada com produtos, processos ou dispositivos aos quais não está habituada e os profissionais terão de aprender a conhecê-los e a utilizá-los.

Estas alterações dizem respeito a todos os ofícios, qualquer que seja a fase de intervenção na obra: para a obra estrutural, a evolução verde do edifício pode levar ao desenvolvimento de diferentes sistemas construtivos. Quanto aos ofícios técnicos ou de acabamento, as consequências serão ainda mais evidentes, porque surge preocupação com as novas regulamentações e com o que implicam em termos térmicos, de ventilação, de isolamento e de conforto de vida no edifício.

Relativamente à fase de projecto, arquitectos, engenheiros e gestores de projeto também terão de se adaptar e trabalhar mais em conjunto, uma verdadeira mudança cultural para estas três profissões, habituadas a trabalhar separadamente, a primeira a montante e as outras duas a jusante. Dever-se-á também pensar na utilização que será feita do edifício logo desde a fase do projecto preliminar. Os espaços deverão ser mais modulares para prolongar a vida dos edifícios.

As transformações terão consequências tanto ao nível da formação inicial como contínua, uma vez que os profissionais deverão apresentar estas competências. Um operário da construção deverá saber bem o que é o tijolo de parede simples e de como utilizá-lo, porque se as suas juntas finas e com pouca cola são uma mais-valia para o ambiente, esta técnica de junta nem sempre é devidamente aplicada. Porém, o mau acabamento conduz ao surgimento de pontes térmicas e, portanto, a perdas de energia.

Os canalizadores, os engenheiros de caldeiraria e de ar condicionado devem ser capazes de oferecer aos clientes dispositivos que correspondam exactamente às necessidades energéticas do edifício. Sucede que habitualmente os engenheiros instalam uma caldeira a gás demasiado potente para garantir maior conforto, mas a potência elevada também tem efeitos negativos, como o desperdício de energia ou o desgaste acelerado dos equipamentos. É portanto necessário, com o objectivo do desenvolvimento sustentável, optimizar os cálculos de forma a encontrar o melhor compromisso entre a poupança de energia e o conforto do utilizador – é todo um novo know-how.

Os arquitectos e engenheiros, certamente actualizados no que diz respeito à concepção global do edifício, deverão melhorar as suas competências em equipamentos técnicos que visam a poupança de energia, como a ventilação de duplo fluxo ou as bombas de calor. Também terão de considerar mais o edifício pela sua fase real de utilização e pela forma como se viverá nele.

O papel dos fabricantes de materiais neste desenvolvimento também é considerável: os fabricantes influenciam a construção oferecendo novos produtos que correspondem às necessidades do mercado e aos quais os profissionais terão de se adaptar. Certas profissões deverão experimentar uma evolução tal que deixarão de ter muito a ver com o que são hoje.

Por outro lado, estão a surgir algumas profissões raras e inteiramente novas, respondendo a novas necessidades de diagnóstico, verificação e coordenação. Com efeito, a obrigação de estabelecer diagnósticos de desempenho energético nas vendas e arrendamentos, especialmente auditorias em condomínios, tornará necessário recorrer a pessoas capazes de compreender o funcionamento energético dos edifícios e usar o software adequado.

Na mesma linha, a obrigação de obter resultados envolve a realização de testes intermediários para verificar se cada etapa foi executada corretamente, como a verificação, após os trabalhos de carpintaria, das juntas das janelas. E será esta tarefa será realizada pelos próprios trabalhadores ou irão os fabricantes recorrer a profissionais com as ferramentas adequadas, como câmaras térmicas ou dispositivos de medição higrométrica?

Este desenvolvimento traça novas fronteiras entre profissões. O canalizador tratava dos sistemas de água quente sanitária. Mas, com sistemas de energia solar no telhado, este profissional terá, sem dúvida, que cooperar com o carpinteiro. Para regular claramente o papel e os limites de atuação de cada profissional, os coordenadores das tarefas e dos cronogramas terão um papel fundamental a desempenhar.

A transformação ecológica do sector é acompanhada por uma forma de industrialização, da qual ainda é impossível dizer se aumentará ou permanecerá limitada a determinados produtos. Em qualquer caso, é sinónimo de materiais prontos para uso: já existem painéis industriais pré-construídos, tal como placas isolantes. Estes equipamentos pré-fabricados permitem alcançar enorme qualidade e que dificilmente se pode aspirar com a implementação no local. Existe certamente grande receio dos trabalhadores da construção de verem o seu papel diminuir face à potencial chegada massiva destes novos produtos.

Mas a industrialização também significa uma certa padronização da construção, utilizando produtos produzidos em linha de montagem. No entanto, a construção continua a ser um sector onde a procura de padrões é muito forte e em qualquer sector. Perante o que se pede agora, há grandes desafios e a responsabilidade em tornar as casas do mundo sustentável em lares mais acolhedores.