Segundo a “Real Academia da língua Espanhola” (RAE), “a filantropia é o amor pelo ser humano” (do grego, Philo e Anthropos). No entanto, hoje em dia, quando falamos de Filantropia, todos pensamos em doar dinheiro, seja qual for a causa a que se destina a captação de fundos
POR CHUS DE LA FUENTE

A Filantropia é um conceito muito antigo. Já S. Tomás de Aquino nos falava dela no ano de 1250. No início, estava muito ligada a causas religiosas e caritativas; assim, em 1601, Isabel I de Inglaterra promulgou o estatuto dos usos caritativos – a Poor Law, muito presente no mundo anglo-saxónico. É no século XIX quando começa a aplicar-se na investigação científica, crescendo exponencialmente na segunda metade do século XX, ao focar-se em causas sociais, independentes das religiosas, e inclusive no financiamento de determinados partidos políticos. Por outro lado, não esqueçamos o mecenato, uma variante da filantropia centrada no apoio às artes: pintores, músicos e escritores, que surge na Idade Média e que se torna forte no Renascimento.

Portanto, o Fundraising, como parte da Filantropia, é uma atividade muito antiga, com uma longa trajetória, muito vinculada, na sua origem, à caridade cristã, onde, aparentemente, a principal motivação para praticá-la foi sempre a solidariedade (*), o sentido de responsabilidade social (**), o interesse por redistribuir os recursos e diminuir as desigualdades, e naturalmente, a empatia com a causa que apoiamos.

Mas o que talvez seja novo (nos últimos 50 anos) são os passos que a Filantropia tem dado desde a simples caridade à procura de impacto; desde o mero donativo à busca de informação transparente sobre o uso dado aos fundos; desde a entrega direta de fundos ao beneficiário à entrega a organizações que atuam como intermediárias; desde favorecer não só um beneficiário próximo e talvez conhecido mas também outros que estão longe e que nem sequer conhecemos; desde o objetivo de expiar “os pecados” até à obtenção de benefícios fiscais; desde o âmbito do estritamente privado à procura da contribuição do setor público. E como principias tendências para o futuro, o passar das ações isoladas para um trabalho em rede com intervenções multi-ator, desde a atenção a problemas específicos de um determinado grupo social concreto ao foco nos grandes problemas globais, e desde a procura de resultados à geração de impacto social. A Stone Soup Consulting advoga uma filantropia baseada em alianças multi-ator, centradas nos grandes problemas globais e sempre orientada para o impacto social. Para isso, promove a capacitação das organizações envolvidas, a criação de redes e a medição de impacto.

Uma das primeiras questões que se coloca em torno da filantropia é saber qual foi o seu impacto no mundo e porque é que hoje, mais do que nunca, continua a ser necessária; ou porque é que as necessidades que dão origem à filantropia não foram suficientemente satisfeitas – será que não estamos a doar tanto quanto seria necessário para resolver as diferentes causas? As perguntas são muitas e as respostas não são fáceis de encontrar.

Se nos basearmos no valor total dos donativos que deveríamos alcançar para dar resposta às grandes necessidades do mundo, o famoso 0,7% do PIB (***), em princípio, não nos parece que seja um valor muito difícil de alcançar, uma vez que este, corresponderia apenas a 39 dólares/ano por cada uma das 8.000 milhões de pessoas que habitam a Terra. Então, porque não o alcançamos? Provavelmente porque a teia de causas é complexa.

Para começar, nem todos temos empatia pelas mesmas causas e, provavelmente, não se quererá doar para aquelas causas em que não nos revemos, pelas quais não temos empatia. Por exemplo, nem toda a gente tem empatia pela religião, ou nem toda a gente acredita nas alterações climáticas. Quais são as causas que têm mais capacidade de gerar a empatia dos doadores? Quais as causas que recebem mais donativos? De acordo com diversas publicações, parece que a educação é a causa predominante (35% dos doadores escolhem esta causa), seguida da saúde (20%) e do bem-estar (21%); e, naturalmente, o cuidado com o meio ambiente, causa que cresceu nos últimos anos e que é apoiada sobretudo pelos novos grandes filantropos (mas em muito pequena escala pelos particulares). (Global Philantropy Tracker).

Por outro lado, talvez não estejamos a abordar adequadamente a angariação de fundos para as causas com que trabalhamos. Normalmente, esta questão, coloca-se em termos de “ajudar”, de “dar sem receber nada em troca”, em vez de a abordar como uma relação de “ganho mútuo”. Doar para uma causa com a qual sentimos empatia supõe contribuir para o nosso próprio bem-estar e, por isso, não existe uma renúncia a uma parte dos nossos pertences, mas sim um crescimento, uma melhoria pessoal e coletiva. Isto acontece tanto com quem solicita o donativo (apelando à consciência do potencial doador, como uma ajuda que se solicita em virtude da sua suposta generosidade), como quem doa (que não vê a oportunidade que lhe é oferecida de poder fazer parte de uma mudança importante e necessária em relação a uma determinada necessidade social) (Pedir nos da vergüenza, Silvia Bueso). O exemplo mais claro onde o foco seria o mais adequado no que diz respeito à captação de fundos é o que se faz nos clubes de futebol, onde aquele que se associa não o faz na ótica da “ajuda”, mas assente na lógica de “pertencer” ao clube.

Entre outras possíveis respostas que os potenciais doadores indicam para não doar, creio que há que deixar de lado aquelas que não parecem convincentes, por ser mais uma desculpa que um motivo real, tais como: o “agora não posso” (depois pode ser tarde); “já doo a outras organizações” (quase sempre se pode doar a outra causa, ou doar um pouco mais); “não confio” (só é preciso informar-se e doar às causa que geram confiança); “O Governo que doe” (já o faz, mas não é suficiente e é nossa responsabilidade promover políticas públicas redistributivas).

A Stone Soup Consulting trabalha, por um lado, com as organizações com o objetivo principal de aumentar a sua eficiência e a sua capacidade de atrair doadores para as suas causas, gerar impacto social positivo e ser capaz de medi-lo. Por outro lado, trabalha com os doadores para aumentar o seu desejo de investir em causas sociais e contribuir para o fortalecimento das organizações, e para compreender o seu papel no impacto global que nos afeta a todos.

O que é certo é que se realmente todos atuássemos por “amor pelo ser humano” as necessidades seriam menores e, portanto, as necessidades de fundos filantrópicos também o seriam. Assim, se cada um de nós se preocupasse em reduzir, reutilizar e reciclar, o meio ambiente estaria menos necessitado de apoio económico. Se o acesso aos direitos humanos estivesse garantido para todas as pessoas, os quase 7.350 milhões de pessoas que passam fome teriam um prato nutritivo ao seu alcance (ODS2), os 84 milhões de crianças não escolarizadas teriam uma cadeira na escola (ODS4), os 4.500 milhões de pessoas  que não dispõem de serviços essenciais de saúde passariam a tê-los (ODS3), os 670 milhões de pessoas pobres (que vivem com menos de 2 dólares por dia) deixariam de o ser (ODS1), os 2.200 milhões de pessoas que não tem acesso a água potável poderiam bebê-la sem qualquer problema (ODS6) ou os 660 milhões que não têm acesso a energia elétrica poderiam ter os seus lares iluminados (ODS7). E, evidentemente, a par dos restantes ODS, as desigualdades melhorariam, as condições de trabalho dos trabalhadores melhorariam (ODS8), a indústria e as cidades seriam mais sustentáveis (ODS 11) e a produção e o consumo seriam mais responsáveis, tudo isto com impacto positivo no clima e nos ecossistemas marinhos e terrestres (ODS14 e ODS15). E, finalmente, se tudo isto fosse alcançado, sem dúvida que a paz e a justiça (ODS 16) seriam a notícia, em vez dos conflitos bélicos a que estamos cada vez mais acostumados.

Quero debruçar-me no ODS 17, “Parcerias para a implementação dos objetivos”, já que os objetivos de desenvolvimento sustentável só se podem alcançar com alianças globais sólidas e que garantam que ninguém fica para trás; e, por conseguinte, todos estamos convocados a participar, mas especialmente as empresas e os governos, que são os agentes que têm maior poder e recursos para reverter o cenário atual em que nos encontramos. Empresas preocupadas com o meio ambiente, que oferecem condições de trabalho dignas, que promovem serviços e produtos para a base da pirâmide, capazes de mudar estilos de vida, comprometidas com a comunidade em que estão inseridas, que trabalhem de mão dada com a sociedade civil, conhecedoras das necessidades sociais, e tudo isso garantido por um quadro regulamentar adaptado para promover a filantropia e focado na redistribuição de recursos e no acesso a direitos fundamentais. Este é também um propósito com o qual a Stone Soup está alinhada desde o início da sua criação, há 16 anos, com um forte compromisso social, ambiental e económico, contribuindo de forma consistente para a mudança sistémica.

Muitas pessoas poderão pensar que os ODS não são mais do que um conto de fadas, uma ideia utópica irrealizável que nos pode levar a pensar “se não é possível alcançar, não vale a pena tentar”, mas eu acredito que se não apostarmos seriamente em alcançá-los, perderemos todos, entre outras coisas porque só temos um planeta, porque estamos a perder tantos e tantos Einstein em potência que poderiam ajudar a melhorar a vida neste planeta e porque, como seres humanos, o nosso bem-estar  está ligado ao dos outros; ou seja, o nosso bem-estar deve basear-se realmente no amor pelo ser humano.

Jean Cocteau “conseguiram alcançá-lo porque não sabiam que era impossível”

(*) Solidariedade, segundo MA Psicólogos, tem que ver com a adesão ao apoio incondicional a causas ou interesses alheios aos nossos, especialmente em situações complexas ou difíceis.
(**) A responsabilidade social define-se como o ser consciente do dano que as nossas ações podem causar a qualquer indivíduo ou grupo social (SCHWALD, 2004)
(***) O valor foi proposto pela ONU nos anos 70, apelando aos governos dos países ricos para que contribuíssem para o desenvolvimento dos países economicamente menos favorecidos. Esta proposta foi complementada por uma contribuição adicional de 0,3%, que deveria ser da responsabilidade do sector privado (empresas, fundações e particulares).

Imagem: Alexander Grey/Unsplash.com

Consultora na Stone Soup Consulting

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