Num estudo realizado com alunos de Harvard e do MIT, a referência à ética e ao compromisso parece ter tido, realmente, efeito. Como poderemos extrapolar esta experiência da Economia Comportamental para o contexto organizacional e, em particular, para os desafios da gestão do desempenho ético? As organizações que criam sistemas formais para gerir este desempenho esforçam-se por desenvolver e sustentar uma cultura (mais) ética, e assumem conscientemente os riscos de ter um código, que usam para ser um lembrete da “moralidade” no momento da tentação
POR HELENA GONÇALVES*

Testar de que forma as circunstâncias e a oportunidade fazem de nós pessoas mais ou menos honestas foi o objectivo de um estudo realizado com alunos de Harvard e do MIT – Massachusetts Institute of Technology e relatado no livro “Previsivelmente Irracional – Aprenda a tomar melhores decisões” [Ariely, D. (2008), Estrela Polar].

A experiência começou com a constituição de um grupo de controlo: oferta de dez cêntimos por cada resposta correcta e validada, num teste com 50 perguntas.

Como reagiriam os alunos se fossem eles próprios a contabilizar as respostas correctas sem haver validação por terceiros? A primeira variante foi constituida por duas situações: a um grupo, pedir aos alunos que, sem necessidade de provas, assinalassem numa grelha de respostas o numero de respostas certas, ao que corresponderia a quantia a receber; a outro grupo, pedir simplesmente que retirassem a quantia devida da caixa existente à saída da sala. Resultado? Houve “fraude”, mas reduzida em ambos os casos: no grupo de controlo os alunos tinham acertado cerca de 30 respostas em 50, nos outros o número de respostas correctas não ultrapassou as 40.

Numa segunda variante, o que mudava era uma tarefa prévia à elaboração do teste: num grupo, cada aluno tinha que escrever numa folha os dez livros de que mais tinham gostado; no outro os Dez Mandamentos. O resultado? O grupo dos livros teve respostas semelhantes aos outros, mas o grupo dos Dez Mandamentos (quer os alunos se tivessem lembrado de um ou de todos), teve um nível de resposta semelhante ao do grupo controlo. Tendencialmente ninguém fez batota na contabilização das respostas.

[pull_quote_left]Se formos recordados da “moralidade” no momento da tentação, temos mais tendência para sermos honestos[/pull_quote_left]

Será que tinha sido a referência à religião? Para testar esta hipótese, antes de fazer o teste cada aluno tinha que assinar uma declaração em como estava consciente de que esta experiência estava vinculada ao código de honra do MIT. Os resultados? Mais uma vez iguais ao do grupo de controlo, ou seja, ningém fez batota, numa resposta surpreendente, sobretudo se se tiver em conta que, na altura, o MIT não tinha qualquer código. A referência à ética, ao compromisso parece ter tido, realmente, efeito.

A partir desta experiência parece ser possível afirmar que se formos recordados da “moralidade” no momento da tentação, temos mais tendência para sermos honestos.

Como poderemos extrapolar esta experiência da Economia Comportamental para o contexto organizacional e, em particular, para os desafios da gestão do desempenho ético das organizações? Como poderemos ser recordados da “moralidade”? Quais são os momentos da tentação no contexto organizacional?

Há muito que já todos percebemos que a publicação de um código de ética corporativo não basta. Até já se estudou a relação entre códigos e o comportamento das pessoas, demonstrando-se que “quanto mais uma organização comunica o seu código aos colaboradores sem a devida atenção para a qualidade da comunicação, para os seus conteúdos e para o envolvimento da gestão maior é a frequência do comportamento antiético observado” [Muel Kaptein (2011), Toward Effective Codes: Testing the Relationship with Unethical Behavior, Journal of Business Ethics]. Ou seja, que pode até ser melhor não o ter.

Mas também já se verificou empiricamente que “os códigos são eficazes quando o primeiro passo é seguido por passos adicionais na direcção certa” (Kaptein). Quais serão então esses passos? São muitos e não há necessáriamente uma sequência obrigatória.

Diria que as organizações que optam por formalizar a ética, quem cria um código de ética ou de conduta, tem de o dar a conhecer aos colaboradores e às partes interessadas e tem de o fazer mostrando que ele é importante. Fazer formação, periódica e sistematicamente, é um dos momentos onde isso pode acontecer. Outros poderão passar por criar mecanismos que permitam acolher comunicações/denúncias/reclamações sobre violações ao código e que permitam tratá-las protegendo quem reclama e quem eventualmente é alvo de uma reclamação; criar uma estrutura específica para gerir a ética; preparar o relato e comunicação sobre as denúncias; incluir indicadores relacionados com a ética nos sistemas de recompensas; e incluir a ética nos procedimentos de auditorias internas, entre muitos. Estes são, definitivamente, alguns momentos onde se pode recordar a “moralidade”.

Mas mais importante que qualquer código (ou sistema formal) será por exemplo, um jovem (ou menos jovem) ter a imagem do seu chefe a falar regularmente de ética e a agir de acordo com o código no dia-a-dia. Ou seja, falar-se e agir-se, de e com ética, no contexto informal. Ainda que o sistema formal influencie e seja influenciado continuamente pelo sistema informal, as alterações no primeiro só podem ser feitas numa organização com líderes que se esforcem por praticar uma liderança adequada, que tenha o apoio de todas as outras estruturas de autoridade e num período razoável de tempo. Por isso, a implementação da gestão da ética e a “medição” da sua eficácia exigirão um compromisso e cooperação total da organização, o que significa, naturalmente, que o dia-a-dia de uma organização está repleto de momentos da tentação.

Não são muitas as organizações que se esforçam por criar sistemas formais para gerir o seu desempenho ético. As que o fazem, não são necessariamente organizações com colaboradores mais “éticos” que outras, mas são certamente organizações que se esforçam por desenvolver e sustentar uma cultura (mais) ética, que assumem, conscientemente, os riscos de ter um código e que o usam, também, consciente ou inconscientemente, para ser um lembrete da “moralidade” no(s) momento(s) da tentação.

E é por isso que é crucial falar-se de ética continuamente, manter-se o tema da ética permanentemente na agenda da organização. É essa a primordial função de um código: ser um pretexto para se falar sobre ele, recordando a “moralidade” em cada um dos momentos de tentação. E é esse também o principal desafio da gestão do desempenho ético das organizações: manter o seu código de ética “vivo”.

Docente e coordenadora do Fórum de Ética da Católica Porto Business School