Há não muitos anos, a principal característica da liderança assentava no tradicional conceito de comando e controlo, no qual o líder se posicionava no topo da pirâmide organizacional ao mesmo tempo que os demais stakeholders ocupavam a base, sendo os accionistas a excepção. Longe vão esses dias para a esmagadora maioria das empresas. Na actualidade, querem-se líderes com uma concepção holística do trabalho que têm de desempenhar, a par da valorização e preocupação com todos os seus stakeholders. Afinal vivemos num ambiente de volatilidade extrema que obriga a cuidar de toda a empresa, ao mesmo tempo que não se pode descurar ninguém que para ela contribua. Mas o que faz um bom líder nos tempos que correm?
POR HELENA OLIVEIRA

Numa altura em que tudo parece estar a sofrer mudanças e disrupções, há que não esquecer que existem comportamentos devidamente estudados sobre o que faz um bom líder. 

Numa definição generalista, proposta pela consultora McKinsey, a liderança é um conjunto de comportamentos utilizados para ajudar as pessoas a alinharem-se numa direcção comum, a executar planos estratégicos e a renovar continuamente a organização.

E aos que se continuam a questionar se a liderança é inata ou adquirida, a resposta é a de que a liderança é uma competência passível de ser aprendida. No seu centro existem mindsets, os quais são expressos através de comportamentos observáveis, que se traduzem em resultados mensuráveis. A McKinsey sugere também que os líderes se questionem se estão a comunicar eficazmente ou a envolver os que a eles reportam através de uma escuta activa. Par a consultora, ao concentrarmo-nos neste conjunto de comportamentos é mais fácil avaliar o trabalho dos líderes de uma forma objectiva quando se fala de uma liderança eficaz. 

E para os aspirantes a CEO? No seu mais recente Leadership Forum, a McKinsey juntou cerca de 300 participantes, em conjunto com actuais e antigos CEOs e com especialistas da consultora para discutirem aspirações, filosofias de liderança, construção de redes, percursos profissionais, e outros factores com que se deparam aqueles que se preparam para esta ambicionada e ambiciosa posição. Do Fórum em causa resultaram oito lições por excelência que não só servem para os CEOs actuais, como para os candidatos a sê-lo, tendo em conta que a preparação para este cargo não só é uma recompensa pelo trabalho prestado, como encerra também um conjunto de complexos desafios

Importante também é não esquecer que a função do CEO mudou consideravelmente desde 2006. O know-how tecnológico tornou-se um pré-requisito para o cargo. As partes interessadas internas e externas exigem muito mais atenção do que outrora, com os CEOs a serem “obrigados” a terem uma atenção considerável no que respeita à saúde, física e mental, bem como ao bem-estar dos seus empregados. A atenção às questões ambientais, sociais e de governance (ESG) e o apelo aos CEOs para se pronunciarem sobre questões sociais são igualmente uma realidade no tempo presente, sendo que a natureza pública do seu trabalho é maior do que nunca. Adicionalmente, vivemos numa era em que a volatilidade é a norma e não a excepção e esta realidade muda tudo. 

A partir da crise financeira de 2008, os líderes empresariais tiveram de lidar com várias perturbações. Na sequência da pandemia da COVID-19 e no meio da turbulência geopolítica e do esforço contínuo para combater as alterações climáticas, os CEOs do futuro – e do presente – precisarão de uma enorme coragem e de uma contínua agilidade para gerir as suas empresas no meio de uma volatilidade constante.

Mas o que faz uma liderança eficaz de acordo com a consultora?

De acordo com uma análise da literatura académica e de um inquérito realizado a cerca de 200 mil pessoas em 81 organizações espalhadas pelo mundo, existem quatro tipos de comportamentos que são responsáveis por 89% de uma liderança eficaz. São eles ser-se motivador e solidário, operar através de uma orientação para resultados fortes, procurar diferentes perspectivas e resolver os problemas de forma eficaz. 

Adicionalmente, os líderes eficazes têm consciência de que o que funciona bem numa determinada situação, pode não funcionar numa outra e que as estratégias de liderança reflectem o contexto da organização, o seu estado de evolução e um conjunto holístico de factores que permite o seu crescimento e sucesso ao longo do tempo.

Com as novidades que caracterizam a liderança nos dias que correm, a McKinsey recorda como a mesma era vista no passado e como deverá ser encarada neste presento-futuro.

Eis algumas ideias a ter em mente.

Quando a liderança era denominada como “gestão”

Num passado não muito longínquo, à liderança chamava-se “gestão” na medida em que se enfatizava a especialização e a direcção assentes na técnica. O contexto assentava na tradicional economia industrial que elegia o comando e o controlo como forma preferencial para gerir a empresa e onde os líderes se concentravam exclusivamente na maximização do valor para os accionistas. Nestas organizações, os líderes tinham três papéis: planeadores (que desenvolviam a estratégia, traduzindo-a depois em passos concretos), directores (que atribuíam as responsabilidades), ou controllers (que asseguravam que as pessoas faziam o que lhes era atribuído e que os planos seriam cumpridos).

É verdade que este tipo de gestão tradicional foi revolucionária na sua época e extremamente eficaz na construção de grandes empresas globais que melhoraram materialmente muitas vidas ao longo dos últimos 200 anos. No entanto, com o advento do século XXI, esta abordagem está a atingir os seus limites, sendo já poucas as empresas, pelo menos as mais eficazes, que a perpetuam. 

Como sabemos, as organizações do século XXI que operam no complexo ambiente empresarial actual estão a adoptar uma abordagem fundamentalmente nova e mais eficaz da liderança. Os líderes de hoje têm como objectivo, e vantagem, o facto de se concentrarem na construção de organizações ágeis, centradas no ser humano e com competências tecnológicas, capazes de prosperar no actual ambiente sem precedentes e de satisfazer as necessidades de uma gama mais vasta de stakeholders ou partes interessadas (clientes, empregados, fornecedores e comunidades, para além dos investidores).

Esta nova abordagem à liderança é por vezes descrita como “liderança de serviço”. Embora tenha havido algumas críticas à nomenclatura, a ideia em si mesma é simples: em vez de ser um gestor/líder que dirige e controla pessoas, uma abordagem mais eficaz é a de que a liderança esteja ao serviço das pessoas que lidera, com o enfoque a traduzir-se na forma como os líderes podem facilitar a vida dos membros da sua equipa – física, cognitiva, e emocionalmente., sendo várias as pesquisas que sugerem que este tipo de mentalidade pode melhorar tanto o desempenho como a satisfação da equipa.

Esta nova abordagem implica ainda comportamentos como a empatia, compaixão, vulnerabilidade, gratidão e auto-consciência por parte dos líderes. E estes devem igualmente proporcionar apreço e apoio, criando segurança psicológica para que os seus empregados sejam capazes de colaborar, inovar e levantar questões, sempre que seja necessário ou, por outras palavras, celebrar a realização dos pequenos passos que se vão dando no caminho para alcançar grandes objectivos e melhorar o bem-estar das pessoas através de melhores relacionamentos humanos. Estas condições têm também contribuído para um melhor desempenho de uma equipa.

De acordo com a McKinsey e de uma forma mais ampla, o desenvolvimento deste tipo de abordagem à liderança traduz-se na realização de cinco mudanças fundamentais que incluem, se baseiam e se estendem para além das abordagens tradicionais:

  1. Ir mais além da visão e execução, dando forma a um propósito claro que ressoa e gera impacto holístico em todas as partes interessadas;
  2. Ir mais além do que o mero planeamento para passar a ser um “arquitecto” que reimagina indústrias e sistemas empresariais inovadores capazes de criar novos níveis de valor;
  3. Ir mais além da mera gestão, assumindo-se como um catalisador que envolve pessoas para colaborar em redes abertas e com empowerment
  4. Ir mais além do que controlar, assumindo o papel de mentor que permite à organização evoluir constantemente através de uma aprendizagem rápida e contínua dando espaço aos demais para construir novas mentalidades, conhecimentos e competências;
  5. Ir mais além do que chefiar, conferindo maior valor ao verbo humanizar, apresentando-se como um todo e com “um eu” autêntico.

Em conjunto, estas características e comportamentos podem ajudar um líder a expandir o seu repertório e criar um novo patamar de valor para as partes interessadas da sua organização. A McKinsey confere uma maior importância à última mudança acima mencionada, ou seja, líderes que que olham para dentro de si mesmos e fazem uma viagem de autodescoberta genuína que lhes permite realizar mudanças profundas em si próprios e nas suas vidas. Tal significa que estão mais aptos a beneficiar a sua organização e a desenvolver um “perfil consciente” que integra uma combinação dos hábitos de pensamento, emoções, esperanças e comportamento de uma pessoa em diferentes circunstâncias e uma “consciência de estado” ou ao reconhecimento do que leva uma pessoa a tomar determinadas medidas. A combinação de trabalho individual e orientado para o interior com acções dirigidas para o exterior pode ajudar a criar uma mudança duradoura.

Os líderes devem aprender a fazer estas cinco mudanças de acordo com três níveis: transformação e evolução das mentalidades e comportamentos pessoais; transformação das equipas para trabalharem mediante novas formas e, por fim, uma transformação mais alargada da organização através da construção de novos níveis de agilidade, centralização humana e criação de valor em toda a concepção e cultura da empresa.

Esta abordagem por parte da liderança é muito mais eficaz, mesmo apesar de a sua dinâmica ser mais complexa, sendo muitos os estudos que mostram ligações empíricas entre a liderança eficaz, a satisfação dos empregados, a lealdade dos clientes e a rentabilidade.

E como se lidera no modelo híbrido?

O papel de um líder no modelo híbrido adoptado por um número considerável de empresas apresenta algumas diferenças face ao que este exerce num ambiente presencial. Em vez de se mover num espaço físico, os líderes que gerem ambientes remotos ou híbridos devem orquestrar o trabalho tendo como base tarefas, interacções e, mais importante do que tudo o resto, propósito. Ser comunicativo e transmitir positividade aos trabalhadores é imprescindível, tal como encontrar formas alternativas de “estar presente” e acessível, seja por exemplo em reuniões virtuais ou em podcasts regulares da própria empresa. Uma outra consideração fundamental é estar atento à inclusão neste ambiente laboral. Escutar atentamente o que os empregados dizem precisar é crucial, tal como concentrar-se mais nos resultados e no impacto que estes têm do que nas horas em que trabalham. Esta adaptação é considerada como absolutamente necessária na era do modelo híbrido laboral. 


Mas afinal o que separa os melhores líderes dos restantes?

O ambiente actual exige que os CEOs assumam uma forma completamente diferente de liderar. Pesquisas recentes indicam também que um terço e, em alguns casos, metade dos novos CEOs acabam por “cair” ao fim de 18 meses. Assim, o que ajuda os líderes a demarcarem dos demais e a desempenharem uma liderança de excelência?

Para responder a esta pergunta, a McKinsey realizou uma pesquisa extensa e intensa para encontrar CEOs com uma performance extraordinária. E para tal estudou dados de 7800 CEOs, ao longo dos últimos 20 anos, de 3500 empresas em 70 países e pertencentes a 24 indústria. O resultado desta gigantesca pesquisa deu origem ao livro CEO Excellence: The Six Mindsets That Distinguish the Best Leaders from the Rest da autoria de Carolyn Dewar, Scott Keller e Vik Malhotra, todos eles pertencentes à Mckinsey Company, e do qual sumarizamos as seis lições principais – ou mindsets – para que CEOs e líderes em geral melhorem a sua performance, reunidas num artigo escrito por um dos autores do livro em causa (Vik Malhotra) na revista Fast Company.

De um mindset podem resultar mil comportamentos distintos. Por exemplo, uma empresa de calçado de Manchester enviou dois vendedores para África no século XIX e recebeu dois telegramas de volta. Um dizia: ‘Situação desesperada. Ninguém usa sapatos’. Mas o outro dizia: ‘Oportunidade gloriosa”. Ainda ninguém tem sapatos’. Este tipo de mentalidade é central para os CEOs que pretendem destacar-se entre os demais e que não precisam de ser excelentes em tudo, mas sim saberem gerir com eficácia um entrecruzamento de situações na medida em que o seu trabalho exige um conjunto de competências integradas. Vejamos então cada um dos insights que, e de acordo com os autores, fazem toda a diferença numa boa liderança.

  • Definir o caminho a trilhar

Imagine que lhe é entregue o comando de um navio de 30 mil milhões de dólares com 30 mil empregados a bordo. Seria razoável ter como primeiro princípio, “Não fazer nada de errado e ser muito cauteloso no que respeita a conduzi-lo em direcção ao seu destino”. Todavia, esse não é o tipo de mentalidade escolhido pelos CEOs com melhor desempenho. Na verdade, estes pensariam da seguinte forma: “Como é que aumentamos a velocidade do barco? Como é que vamos para um destino mais adequado? Como encontramos uma rota melhor com águas menos turbulentas”? Este tipo de raciocínio está assente no velho ditado que diz que “a sorte protege os audazes”. Os autores socorrem-se, entre vários, do exemplo de Mary Barra, CEO da General Motors que, em vez de estabelecer como objectivo “vencer na indústria global de automóveis”, optou pela abordagem de”vamos transformar este meio de transporte “.

  • Alinhar a organização

No que respeita a alinhar a organização, seria fácil para os CEOs aderirem ao aforismo “Nem tudo o que conta pode ser contado”, o qual significa que as coisas soft importam, mas que só podem ser alcançadas numa base de enorme esforço. Os CEOs em causa rejeitam esta premissa, acreditando antes que devem tratar as coisas soft da mesma forma que tratam as coisas hard. Ou seja, exigem o mesmo nível de rigor e disciplina tanto na parte operacional como no que respeita aos trabalhadores que caminham ao seu lado.

  • Mobilizar os líderes

Nesta premissa, muitos CEOs optariam por defender que “temos de ter a mecânica certa no lugar certo, as reuniões certas na altura certa com as pessoas certas sobre os tópicos certos”. Mas os CEOs de excelência contrariam esta ideia, dando preferência “ a pensar primeiro e em primeiro lugar na psicologia da equipa”. Como refere Feike Sijbesma, CEO da multinacional holandesa DSM, “os tijolos são inúteis sem o cimento”.

  • Envolver o conselho de administração

Passemos à responsabilidade de envolvimento do conselho de administração (CA). A mentalidade preponderante que existe não é a que diz: “O meu papel é gerir o conselho de administração”, mas aquele que olha para o mesmo, considerando-o como um bem valioso a ser explorado e que pensa: “Como é que eu ajudo o meu CA a valorizar o meu negócio? Este tipo de pensamento traduz-se em comportamentos relativamente à transparência que devem perseguir jutntto do CA, a quantidade de itens para o futuro que colocam na agenda a apresentar, à forma como influenciam a sua composição e, por fim, como pensam em “educá-lo”. 

  • Relacionamento com os stakeholders

No que respeita à responsabilidade de se relacionarem com as partes interessadas, muitos CEOs diriam: “Muito bem, com quem e quando? O que preciso de dizer”? Para os CEOs excepcionais, o foco reside nas motivações e na afirmação de que”vamos começar com o porquê”. Um exemplo simples seria o CEO da Netflix, Reed Hastings, quando se encontra com repórteres. Hastings compreende que os jornalistas devem ser contadores da verdade, mas que também são obrigados a ser uma espécie de entertainers: Assim, a melhor forma de fazer passar a sua mensagem é dar-lhes a verdade e também o entretenimento. 

  • Eficácia pessoal

Isso leva-nos à mentalidade final, a qual gira em torno da eficácia pessoal. Muitos CEOs são formatados para fazer o que precisa de ser feito, o que é perfeitamente racional e bastante louvável. Mas os CEOs com melhor desempenho têm a noção de que “vou fazer o que só eu posso fazer”. Tudo o resto é delegado a outros e tratado de formas distintas. Ou seja, tudo acaba por ser feito, mas vou acrescentar o valor que só eu posso adicionar”.


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