A guerra na Ucrânia mantém-se. A paz, por tantos desejada, demora a concretizar-se. Entretanto, ninguém sabe o que irá acontecer. De novo, a imprevisibilidade a comandar a vida. Resta-nos olhar os cenários possíveis, refletir sobre as possíveis consequências e preparar respostas
POR MARIA DE FÁTIMA CARIOCA

Não há muito tempo, no início do ano, muitos economistas apontavam para que 2022 fosse um fantástico ano, com a passagem de uma situação pandémica para uma situação endémica. É verdade que a ameaça da inflação ressurgira, mas acreditava-se que ocorreria num contexto transitório porque a recuperação aí estava e, com ela, o crescimento e o ultrapassar coletivo de mais uma crise.

Mas na madrugada de 24 de fevereiro tudo mudou. A invasão russa avançou e o rumo do ano alterou-se completamente. A guerra instalou-se e com ela, a crise humanitária e um novo choque económico.

Nalguns momentos de crise, ante a incerteza do futuro, podemos decidir (ou ser obrigados a) consumir menos, as empresas investirem menos e até o governo gastar menos. Tal significa, muito simplificadamente, que os preços tenderão a baixar e o crescimento será mais lento. Mas, neste contexto, as conhecidas políticas de estímulo à economia e ao consumo são, na maioria das vezes, adequadas e, a seu tempo, surtem os efeitos desejados.

Contudo, esta não é uma dessas situações. Pelo contrário, na situação atual, os preços da energia, da alimentação, das matérias-primas aumentaram e, consequentemente, tudo o que produzimos e consumimos aumenta também. Ora esta conjuntura é nitidamente mais desafiante porque, verdadeiramente, não temos grandes ferramentas para a combater e as que conhecemos, diminuindo a dependência em relação a certos produtos ou produtores, são de implementação demorada com resultados que levam o seu tempo a atingir. Por exemplo, quanto tempo levará a Alemanha a alterar a sua dependência face ao fornecimento de gás por parte da Rússia?

No conflito atual, há nitidamente países mais expostos (Alemanha, Itália) do que outros, mas a questão que a todos se coloca é quão profundo será o impacto desta nova crise económica e social provocada pela guerra na Ucrânia? E aqui entram em palco os cenários que se podem assumir para a evolução do conflito e que são, aparentemente, quatro: a manutenção prolongada do conflito, um acordo diplomático, a escalada do conflito e a redução da intensidade do conflito.

O primeiro cenário considera a hipótese de uma guerra que se instala no tempo, balanceando entre os avanços russos e a resistência ucraniana, podendo evoluir para uma guerra tépida ou fria. Este cenário servirá apenas para prolongar os efeitos sufocantes no desenvolvimento dos países afetados e na vida de gerações inteiras.

A segunda hipótese, que todos queremos acreditar que aconteça, pressupõe que, com a provável intermediação internacional, seja possível chegar a um acordo entre as partes rapidamente. Este cenário é aquele que melhor pode contribuir para que os efeitos nocivos da guerra no desenvolvimento económico e no equilíbrio social sejam minimizados, mais transitórios e a recuperação se revele viável a mais curto prazo.

O terceiro cenário assenta na ameaça de utilização de armas não convencionais (nucleares, biológicas ou outras), conduzindo a uma muito provável resposta da NATO e ao alargamento e intensificação do conflito a nível internacional. Já a quarta hipótese pressupõe que as sanções aplicadas à Rússia resultem, a situação económica se torne insustentável no país e, consequentemente, se assista a uma redução da intensidade do conflito para níveis residuais e controlados. Em ambos os casos, como resultado encontrar-nos-emos com uma Ucrânia devastada e uma Rússia empobrecida, o que nunca será bom.

Seja qual for o cenário que se revelar verdadeiro, duas coisas são certas: é necessário que estes dois países, enquanto povo, saiam do conflito de forma digna e respeitados por toda a comunidade internacional e é necessário que, como sociedade, atendamos aos mais frágeis e expostos às consequências desta guerra.

A Europa e o mundo necessitam de países livres, afirmando-se entre os pares com pleno direito, sustentáveis economicamente e propiciadores de uma sociedade humana e inclusiva. Num mundo global quanto o nosso, a fragilização de qualquer país afeta toda a comunidade internacional. Não invalida a justa condenação de decisores e protagonistas de atos verdadeiramente criminosos. Pelo contrário, essa condenação tem de acontecer e não esquecer a agressão russa e violentamente sofrida pela Ucrânia. Mas a justiça em nome dos direitos humanos, não se contrapõe ao respeito e à dignidade devidos a duas nações, com grande identidade histórica e cultural. Daí que sendo prioritário buscar a paz, é igualmente vital pensar em simultâneo na reconstrução, inclusivamente como condição para a consolidação da própria paz.

Por outro lado, desde logo fomos convocados para responder à emergência humanitária na Ucrânia, mas, a curto prazo, sê-lo-emos em relação aos que, no nosso país, estão mais vulneráveis às consequências agressivas de mais uma crise que se soma à crise financeira e à pandemia.

Da mesma forma que hoje cada um de nós contribui, seja acolhendo refugiados seja enviando bens e dinheiro para responder às necessidades básicas dos que se mantém na Ucrânia, muito em breve, não tenhamos dúvida, será o tempo de ser, de novo, coletivamente solidários para encontrar respostas sociais (impostos, incentivo ao emprego ou outras quaisquer medidas extraordinárias) que permitam apoiar muitas famílias sem rendimento suficiente para suportarem os efeitos da recessão económica.

Por tudo isto me tenho recordado, repetidamente, do poema de Sophia de Mello Breyner Andresen: “Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos / A paz sem vencedor e sem vencidos / Que o tempo que nos deste seja um novo / Recomeço de esperança e de justiça.” Assim seja.

Artigo originalmente publicado no Jornal de Negócios

Professora de Factor Humano na Organização e Dean da AESE Business School