POR ANA MACHADO
Qual é, de facto, a missão actual da Apple? Qual é a sua razão de existir? Penso que esta empresa ainda está a atravessar, também a este nível, um período de transição.
Vejamos a sua declaração de missão: “A Apple projeta os Macs, os melhores computadores pessoais do mundo, juntamente com o OS X, iLife, iWork e software profissional. A Apple lidera a revolução da música digital com seus iPods e a loja on-line iTunes. A Apple reinventou o telemóvel com seu revolucionário iPhone e com a App Store e está a definir o futuro da comunicação móvel e dos dispositivos informáticos com o iPad.”
Christine Rowland analisa-a deste modo: “A declaração de missão da Apple Inc. satisfaz as convenções relativas às declarações de missão de uma empresa. Por exemplo, fornece informações sobre produtos, clientes, mercados-alvo e tecnologia. No entanto, alguns ajustes podem melhorar a declaração de missão da Apple. Idealmente, a declaração deve conter informações sobre a filosofia corporativa, a imagem corporativa e os funcionários, entre outros componentes do negócio.” Barbara Farfan apresenta uma opinião muito menos benévola: “Como líder em inovação, esperar-se-ia que a declaração de missão da Apple fosse sobre inovação e inspiração. No entanto, tanto oficialmente quanto extra-oficialmente, a ‘declaração de missão’ da Apple dificilmente se pode considerar como tal.”
A declaração realmente assemelha-se a um catálogo incompleto de produtos e serviços, mas isso não é suficiente para dar razão aos que consideram que a transição de Steve Jobs para Tim Cook é a passagem de um visionário congregador de criatividade e sentido prático para um vendedor a grande escala.
Na carta dirigida a 2 de Janeiro aos investidores na Apple, Tim Cook é cautelosamente animador na apreciação de um período para o qual prevê resultados financeiros mais fracos do que o prometido: “Ao sair de um trimestre desafiante, estamos tão confiantes como sempre na força fundamental do nosso negócio.” Depois da assinatura, vêm as longas palavras de salvaguarda – “Estas declarações envolvem riscos e incertezas, e os resultados reais podem diferir”, etc. – e uma breve apresentação da empresa, que termina do seguinte modo: “Os mais de 100.000 funcionários da Apple dedicam-se a produzir os melhores produtos do mundo e a deixar o mundo melhor do que o encontraram.”
A missão de uma empresa indica o sentido da actividade desenvolvida pela organização, a sua razão de existir. A seta – melhor ainda, a flecha – é uma boa representação gráfica das suas características: com uma forma simples, ligeira (poucas palavras!), toda ela orientada para o alvo a atingir. A frase final da apresentação da Apple evidencia outra característica comum à flecha e à missão de uma empresa: o objectivo é que ‘cada um’ a dirija ao alvo. Não é fácil ver a ‘missão catálogo’ a servir de orientação mobilizadora para cada pessoa que trabalha na Apple, mas à partida nada impede qualquer dos 100.000 funcionários de assumir como própria esta meta, que por outro lado recorda a ideia de Steve Jobs de ‘fazer algo pelo mundo, criando ferramentas para a mente que avancem a humanidade’ – ou seja, aponta para o ‘património histórico’ da organização sem precisar de listar os seus ‘feitos gloriosos’.
Muitas organizações não têm ‘uma missão’: têm várias, uma para cada parte interessada, e a subsistência da organização (a sua ‘não desintegração’) resulta da compatibilidade entre os interesses das várias partes, mas não de uma autêntica confluência de todos num objectivo comum, obviamente conciliável com objectivos individuais não compartilhados.
Em 2011, a Apple sofreu provavelmente o maior choque da sua história, maior mesmo que em 1985, quando Steve Jobs saiu da empresa, regressando 12 anos depois. A indeterminação de fundo na Apple já dura há demasiados anos, e uma missão verdadeiramente motivadora e compartilhada não é espontaneamente favorecida pela lógica da troca de equivalentes própria do mercado. Tim Cook e a sua equipa podem não ter muito tempo para decidir se querem que o alvo da Apple seja algo maior que ela própria: um ‘bem comum’, ou seja, algo que se alcança e desfruta em conjunto, um todo maior que a soma das partes.
Cátedra de Ética na Empresa e na Sociedade AESE/EDP