Em algum momento, a fase de contenção da crise sanitária terminará e o foco das atenções mudará progressivamente para a recuperação económica. Independentemente da especificidade de cada Estado, que pode variar amplamente de acordo com a respetiva economia nesta fase de transição, a confiança desempenhará um papel crucial no tempo que a mesma durará
POR ANTÓNIO GAMEIRO MARQUES

In times of universal deceit, telling the truth becomes a revolutionary act”
George Orwell

A confiança é o sentimento de segurança ou a firme convicção que alguém tem relativamente a outra pessoa ou a algo.

A confiança tem, por isso, que ser tanto conquistada, como demonstrada. Decorre, assim, de uma perceção que cada um de nós, individual ou coletivamente vai construindo ao longo do tempo em relação a alguém ou a algo, fruto da assimilação de um conjunto de elementos cuja natureza é maioritariamente subjetiva. Por outras palavras, não se compra: constrói-se.

A pandemia que atualmente vivemos provocou uma forte disrupção em muitos aspetos da nossa sociedade. Para além do impacto dramático na saúde pública, o impacto social decorrente da forte travagem da economia terá repercussões que, provavelmente, levarão bastante tempo a recuperar.

Todavia, em algum momento, a fase de contenção da crise sanitária terminará e o foco das atenções mudará progressivamente para a recuperação económica. Independentemente da especificidade de cada Estado, que pode variar amplamente de acordo com a respetiva economia nesta fase de transição, a confiança desempenhará um papel crucial no tempo que a mesma durará.

Com efeito, a confiança é essencial para que as empresas recuperem a capacidade de operar em toda a sua plenitude. Os funcionários precisam voltar ao trabalho, mas podem não confiar imediatamente na segurança que a empresa lhes proporciona e no ambiente de negócios. Medidas como medição de temperatura, utilização de equipamentos de proteção e distanciamento social nos locais de trabalho podem ajudar. Mas a confiança também é crucial para impulsionar a procura por parte do cliente. Lugares ligados a maiores riscos de contaminação – como teatros, restaurantes e aviões – podem ser evitados por algum tempo, mas só passarão a ser novamente utilizados pelas pessoas se estas confiarem que as medidas instituídas para a respetiva frequência são eficazes na contenção do risco. Por exemplo, os sistemas de reservas que levam em consideração o distanciamento social podem fornecer ajuda.

Finalmente, a confiança será crucial para permitir que certos sistemas estruturantes para o bom funcionamento da sociedade operem novamente. Considere, por exemplo, o transporte público, que é tão essencial para a movimentação de muitas pessoas. Com sistemas lotados, as pessoas poderão hesitar em voltar aos velhos hábitos. Neste contexto, a verificação sistemática das temperaturas e a redução da capacidade combinada com um incremento na frequência dos mesmos podem ajudar a manter a confiança dos passageiros.

A confiança é impulsionada por vários elementos, que se podem estruturar em quatro grupos: (1) Transparência; (2) Segurança e privacidade; (3) Confiabilidade e credibilidade; e (4) Proximidade.

(1)     Transparência – Estarão os dados e a informação relativos à pandemia a ser partilhados pelas pessoas certas em tempo quase real para habilitar a melhor tomada de decisão?

(2)     Segurança e privacidade – Este grupo tem claramente o potencial quer de comprometer, quer de criar confiança. Nos atuais ambientes de grande incerteza em que vivemos, uma abordagem estática não será suficiente, i.e., será fundamental levar em linha de conta, de forma dinâmica, o equilíbrio entre a partilha de dados e informação e a respetiva privacidade.

(3)     Confiabilidade e credibilidade – Estarão os compromissos que os responsáveis assumem perante os públicos de interesse a ser assumidos e comunicados, levando em consideração o risco daqueles não se concretizarem? Cumprir as promessas de maneira consistente será essencial para a construção de uma relação de confiança. Nesse sentido, a comunicação honesta é fulcral: deve comunicar-se consistentemente quer as boas quer as más notícias, evitando-se promessas irreais. Concomitantemente, os cidadãos devem ser tratados como parceiros no esforço e não como subordinados.

(4)     Proximidade – Foi encontrado o equilíbrio adequado entre confiar na comunidade e no comportamento racional de cada indivíduo? A confiança entre as comunidades tem o potencial de promover ações mais eficazes em prol de um objetivo comum. As iniciativas individuais deverão ser evitadas porque podem colocar em causa a recuperação da sociedade.

Em suma, a confiança é crucial para a recuperação. Governos e empresas deverão complementar-se harmoniosamente, através de políticas públicas e de ações que contribuam respetivamente para restabelecer a confiança na sociedade, designadamente através da promoção desse sentimento nos seus colaboradores, nos seus clientes, nos seus fornecedores e demais agentes da respetiva cadeia logística. Sem um forte enfoque na confiança, a recuperação económica será débil e longa.

Director-Geral do Gabinete Nacional de Segurança e do Centro Nacional de Cibersegurança