A RSE enraizou-se irreversivelmente na comunidade empresarial. Mas muitas das suas áreas encontram-se ainda em “zona cinzenta”. O VER entrevistou o Professor Fernando Ribeiro Mendes, presidente da RSE Portugal, com quem conversou sobre as principais características, tendências e controvérsias da Responsabilidade Social das Empresas na actualidade
“Nascida” essencialmente desde a criação do Livro Verde intitulado “Promover um quadro europeu para a responsabilidade social das empresas”, em Julho de 2001, pela mão da Comissão Europeia, a Responsabilidade Social das Empresas já tem alguma história para contar, tendo atingido um certo patamar de maturidade. De acordo com uma pesquisa recentemente efectuada pela Economist Intelligence Unit, ficou absolutamente comprovado que a RSE está a subir no ranking das preocupações globais dos executivos. E embora nada comprove que esta é verdadeiramente uma boa ideia, por nem sempre ser executada pelos melhores motivos, na prática são muito poucos aqueles que a podem ignorar. Para além das fronteiras do mundo empresarial, a RSE está também a encontrar terreno fértil para crescer: multiplicam-se os think tanks e as consultoras para a área e a esfera política começa a ser cada vez mais pressionada para a introduzir nas suas agendas. Por seu turno, as escolas de negócios não podem passar ao lado deste filão, adicionando aos seus currículos disciplinas e especializações sobre o tema. Os académicos dedicam-se, igualmente, a estudá-la nas suas várias vertentes e as livrarias começam a ter um novo nicho para explorar. E a que se deve esta explosão quase súbita sobre a responsabilidade social que as empresas devem ter e provar? Por um número variado de razões, as empresas são cada vez mais pressionadas a protegerem a sua reputação e, por consequência, o ambiente onde estão inseridas. Por outro lado, o crescente escrutínio e pressão por parte das ONGs, a par da publicação de rankings e ratings que exigem a transparência da performance não financeira das empresas, não lhes permite dar um passo em falso. Pelo menos aqueles que possam ser descobertos. Como afirmava Don Tapscott em 2001, as empresas estão nuas e há vários big brothers a observarem-nas continuamente. A mais recente preocupação relativamente às alterações climáticas traduziu-se também num dos mais importantes instrumentos de crescimento da indústria da RSE, obrigando as empresas a terem uma atenção especial no que respeita ao seu impacto ambiental. Fernando Ribeiro Mendes conversou com o VER acerca das várias vertentes e paradoxos que envolvem a temática da RSE.
E o que pensa que se vai passar daqui em diante? E depois há o mundo das PME no geral, no qual é muito difícil entrar. Não é um problema especificamente português, é europeu e mundial. Porque para haver um estratégia de desenvolvimento consequente de RSE, tem de existir um compromisso por parte da gestão de topo –o CEO tem que estar comprometido – e é necessário gente com formação que fique responsável por essa estratégia, que saiba quais os instrumentos e ferramentas que tem para usar, que tem que fazer o trabalho de marketing interno para promover a adesão, etc. Ora, tudo isto numa pequena e até média empresa é muito complicado, pois muitas vezes nem sequer existe um sector de RH formalmente organizado ou um sector de comunicação, ou seja, não está nada claro como é que se incorpora. Então que possibilidades existem para incorporar o conceito nesse tecido empresarial? Daí acreditar que a certificação pode jogar aí algum papel, embora eu não tenha uma posição muito optimista a esse respeito. Mas é realmente um dos temas que está em cima da mesa: se a certificação da área pode representar um papel motor ou não. O tema é controverso. Neste momento há a SA 8000 que é limitada em várias áreas e que está baseada nas convenções internacionais; há a discussão no âmbito da criação da ISO 26000, que é programática e não permite certificação; em Portugal temos uma dinâmica própria com bastante interesse, a criação de uma norma nacional que tem estado em discussão pública que terminou agora. Contudo, a certificação só terá êxito se for adoptada pelas grandes empresas, para depois ser transformada numa condição de preferência na selecção dos seus fornecedores. O Estado também poderá ter algum papel, porque os mercados públicos são importantes. Se revelarem alguma sensibilidade ao tema… o que até agora não tem ido além de alguns fracos sinais. Porque as empresas vão aderir à certificação, como aderiram às de qualidade ou de ambiente, na medida em que isso lhes aumente a sua capacidade de captura de valor, pois de outra forma é um dispêndio inútil. Só se o mercado o valorizar, mas também é preciso que o mercado, ou seja as empresas que lhes compram serviços e de cuja cadeia de fornecimento elas fazem parte, estejam dispostas a pagar esse “prémio da Responsabilidade”. Claro que a IKEA faz isso e com certeza que vai introduzir alterações no nosso sector do mobiliário de madeiras no norte, mas não é um tema pacífico nem é um caminho perfeitamente definido. Em finais de 2006, Michael Porter e Mark Kramer publicaram na HBR um estudo que afirmava que, quando abordada de forma estratégica, a RSE poderia fazer parte integrante da vantagem competitiva das empresas. Contudo, e apesar de qualquer empresa que se preze gritar aos sete eventos que é socialmente responsável, os autores afirmam que a esmagadora maioria das empresas “se mantém sem um enfoque correcto, apoiando projectos que não têm uma relação directa com o negócio”. Por que é tão difícil as empresas encontrarem este enfoque? Continuamos com o paradigma do “the business of business is just business” ou existem mesmo formas para a RS acrescentar valor para o negócio?
E mesmo no sector das pequenas médias empresas, existe hoje um conjunto de pequenas empresas que já nascem globais e que também não têm alternativa. Em Portugal temos casos como, por exemplo, empresas de grande valor acrescentado ao nível tecnológico, como a Bial, a Chipidea ou a YDreams, que já não startups, mas nasceram recentemente e que entraram muito rapidamente no mercado global. Ora, essa componente tem que estar presente, porque os seus clientes são outras grandes empresas que já assimilaram há muito essa vertente do ponto de vista estratégico. Talvez Porter e Kramer tenham razão -no artigo é utilizado o esquema porteriano da cadeia de valor. E já Simon Zadeck, que apresentou também um artigo sobre a curva de aprendizagem da RSE, previa um estádio último de maturidade na aprendizagem desta matéria que é uma posição proactiva – ou seja, já não é a preocupação da vantagem competitiva ou à reacção a impulsos do meio ambiente, mas sim ter-se uma postura proactiva enquanto empresa e enquanto gestor. Há valores globais que são assumidos, de cidadania, etc, os quais são promovidos independentemente daquilo que se ganha. Mas de que forma é que a RSE acrescenta realmente valor ao negócio, se é que o faz? O último ranking da Fortune foi obrigado a revelar uma verdade inconveniente: o progresso destas empresas em integrar a sustentabilidade nos seus negócios não demonstra qualquer ligação com a sua performance financeira. A seu ver, por que é que isto acontece? Mas acha que existe realmente uma consciencialização por parte dos consumidores para esse tipo de empresas? Ou seja, estão os consumidores dispostos a pagar mais só porque os produtos ou serviços são provenientes de empresas com práticas responsáveis? E do lado das empresas, pelo menos as que levam realmente a sério a RSE, acha que já estão preparadas para sacrificar um bom negócio em nome do que é considerado ética ou socialmente responsável? E não nos podemos esquecer que as empresas são adaptativas e vão incorporando a mudança comportamental dos mercados, que não são entidades abstractas, mas sim pessoas que tomam decisões. E hoje estamos a começar a assistir a uma mudança geracional importante nas empresas. A nova geração que está a chegar às posições de comando e que tem por trás outros valores, uma outra composição, de que são exemplo as mulheres que não vão continuar arredadas das posições de comando nas empresas. Os comportamentos estão mesmo a sofrer alterações.
Então está optimista? Há pouco estávamos a falar da dificuldade de avaliar os resultados da RSE. E, por outro lado, existem cada vez mais rankings que supostamente avaliam um sem número de boas práticas. Que credibilidade considera terem esses rankings? Mas por exemplo quando uma empresa é valorizada porque cria um ambiente de trabalho mais agradável, por exemplo, isso é possível medir-se de uma forma objectiva. Como por exemplo através da retenção de talentos, se tem ou não conflitualidade laboral, judicial, ou seja há indicadores que podem construir objectivos. Por outro lado, a existência de outras ferramentas como o Código de Ética, a instalação da ideia que é legítima a prática de denúncia – o denominado whistleblowing – todos eles podem ser considerados indicadores objectivos. Mas os rankings têm de ser uma ferramenta que se utilize com muita prudência.
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Editora Executiva