É fascinante a quantidade de empresas que dizem querer “transformação”, quando na verdade procuram apenas uma mudança cosmética: uma palestra motivacional, um novo slogan na parede, princípios de bem-estar, declarações vazias de propósito ou um team building com risos forçados. E depois? Tudo continua igual. Assim, o que realmente importa quando se fala em transformação?
POR PEDRO LOUPA
Transformar uma organização (ou uma vida) não é só adotar novas metodologias ou copiar a cultura da Google. É um processo real, que exige deitar fora o que não funciona e encarar de frente o que se evita. E aqui surge a pergunta incómoda:
Quanta verdade a sua empresa consegue suportar? Quanta verdade consegue você suportar?
A verdadeira transformação não nasce no PowerPoint do CEO, mas na coragem de abandonar o que já não serve. Trata-se de uma honestidade brutal: encarar o que dói, o que se esconde atrás das normas, o que impede as pessoas de serem livres dentro do sistema.
Se realmente pretende algo novo, primeiro tem de deixar morrer o velho. E não, não estou a falar de despedimentos em massa (calma, diretores), mas de enterrar estruturas obsoletas, a falta de confiança, os medos disfarçados de controlo.
O labirinto organizacional
Os sistemas organizacionais de hoje são um verdadeiro labirinto. Mudar uma empresa não é apenas “mudar o mindset”, expressão esta já tão gasta que mais parece uma promessa de um guru de auto-ajuda. A transformação organizacional é muito mais profunda: exige a criação de novos sistemas culturais, a reformulação da identidade coletiva e, acima de tudo, o reconhecimento de que uma organização é um organismo vivo, não uma máquina previsível.
Se olharmos para o ecossistema de qualquer empresa, encontramos um elenco de luxo: investidores, fundadores, um conselho de administração e um emaranhado de processos, hábitos e sistemas acumulados ao longo dos anos – como tralha guardada na garagem “porque um dia pode dar jeito”. Sem falar das pessoas, tão formatadas num modelo específico que mudar parece tão difícil como convencer um gato a tomar banho. E, para culminar, se a empresa tem lucros substanciais e cresce, para quê arriscar?
Uma analogia pessoal
Permito-me recorrer a uma experiência da minha própria vida. Quando, aos 27-28 anos, aterrei no México vindo de Portugal, achei que estava preparado para tudo. Mas rapidamente percebi que uma mudança cultural pode ser tão desafiante como montar móveis do IKEA sem manual de instruções. A adaptação foi brutalmente dura. Primeiro, porque tinha pouca experiência e achava que sabia tudo. Depois, porque não fazia ideia do que realmente significava uma transição cultural.
Foi como perder a minha identidade: tudo o que antes me definia (as minhas referências políticas, económicas, sociais e religiosas) desapareceu de um dia para o outro. De repente, o que antes fazia sentido, ali já não encaixava. E para melhorar a experiência (ou piorar, dependendo da perspetiva), ainda havia a componente pessoal e familiar a tornar tudo mais intenso.
O meu instinto inicial? Tentar mudar tudo à minha volta, provar que havia formas mais eficientes de viver e trabalhar. Mas a verdade? Isso era só o meu ego aos gritos, querendo ter razão em vez de compreender.
Empresas: organismos vivos ou museus?
Se olharmos para as organizações como organismos vivos, percebemos algo fascinante. Assim como o corpo humano, onde triliões de células se conectam de forma inteligente – e eu diria até consciente –, as empresas também têm essa capacidade. A grande questão é: estamos a permitir que essa inteligência se expresse ou estamos a gerir as empresas como se fossem museus, presos ao passado?
Aqui vai o desafio: olhem para o vosso universo empresarial de forma sistémica – ou, se essa palavra vos fizer comichão, de forma integrada – e façam perguntas que realmente mexam convosco:
- Quais as desconexões que afetam a minha organização?
- As pessoas deste ecossistema estão a ser cuidadas ou são apenas peças num tabuleiro?
- Em vez de colaborarmos, não estaremos antes a cair na armadilha da competição interna?
E atenção: transformar uma organização num modelo verdadeiramente humanizado não acontece de um dia para o outro. Como diz o velho ditado, Roma e Pavia não se fizeram num dia. Mas também não se fizeram sozinhas. O primeiro passo é reconhecer que o caminho existe. O segundo? Ter a coragem de o percorrer. E o terceiro, e mais importante, envolver todas as “células” da organização nesse processo.
Uma equipa não se transforma porque lhe é oferecido café grátis, uma mesa de pingue-pongue ou horários flexíveis. Transforma-se quando os seus membros podem ser autênticos, quando a comunicação deixa de ser uma guerra de egos, quando a vulnerabilidade não é vista como uma fraqueza.
A Netflix, por exemplo, criou uma cultura de liberdade e responsabilidade. Parece simples, mas quantas empresas realmente confiam nos seus colaboradores? Quantas têm a coragem de largar o controlo e ver o que floresce?
Para onde queremos ir?
Se uma organização quer evoluir, precisa de perguntar a si mesma:
- Estamos a criar um espaço onde a verdade pode ser dita sem medo?
- Estamos dispostos a sentir desconforto para crescer?
- Temos a coragem de largar o velho, mesmo que doa?
A transformação não é para todos. Muitos preferirão maquilhar os desafios em vez de os enfrentar. Mas para os corajosos, para aqueles que realmente querem algo novo, o caminho é claro: deixar morrer o que já não serve, abrir espaço para o autêntico e confiar que a verdade, por mais incómoda que seja, liberta sempre.
Agora responda: quer transformação ou apenas mudar os móveis?
Catalisador de Liderança Humana e Consciente. Autor do livro “12 Passos para Ser um Líder Consciente”. Fundador da HumanityE, mentor e conferencista internacional, guia líderes e organizações na criação de ecossistemas humanos onde a tecnologia serve a alma, a liderança é um ato sagrado e o trabalho se torna arte coletiva.