Mais que uma vacina, o mundo em 2020 precisa do Natal. A vacina trata a doença, mas o problema do mundo neste ano alucinante é muito mais grave que uma gripe. O drama desta crise só se trata com um remédio que arranque o mal pela raiz. Só existe um remédio desses, e é o Natal
POR JOÃO CÉSAR DAS NEVES
A vacinação é uma forma muito engenhosa de vencer um agente patogénico. Colocando o corpo em contacto com uma versão benigna da infeção, engana-se o organismo para criar anticorpos que funcionarão quando chegar o verdadeiro contágio. O truque está em levar as defesas corporais a preparem-se para algo que ainda não chegou. O ardil é hábil, mas tem as suas limitações. Em particular, uma vacina nunca funciona quando o paciente já está infetado. Além disso, alguns vírus penetram tão fundo que conseguem ultrapassar as defesas e instalar-se no âmago do ser.
O pecado, que é a verdadeira doença deste ano estonteante de 2020, inquinou de tal modo a humanidade que se tornou parte da própria natureza. A desobediência de Adão e Eva degradou o ser humano no mais íntimo da sua identidade. A partir de então, o ser decaído transformou-se na normalidade. Presente à nascença, antes mesmo do primeiro vagido, não há vacina que nos valha. A degradação tornou-se propriamente humana.
A coisa atingiu tal nível que é o vírus do pecado quem consegue arranjar anticorpos para se proteger do bem. Através da hipocrisia, calúnia, cinismo, tibieza e outras vacinas maléficas, o ser humano fica imune à bondade, verdade, humildade, amor. Assim, confirmado na sua miséria, nem consegue reconhecer a baixeza em que se encontra e alegra-se na sua própria perdição. O pecado, muito mais antigo e virulento que a varíola, gripe e outras epidemias, parece invencível.
De facto, para curar esta terrível peste não se pode confiar em tratamentos tradicionais, ou em inoculações protetoras. É mesmo preciso uma solução radical, uma terapêutica que mude a natureza. Essa cura é uma nova criação, uma nova humanidade. E essa terapêutica, a terapêutica do Natal, é muito diferente da vacina.
Realmente é algo que ninguém conseguiria prever. Que o próprio vírus nunca poderia antecipar. Tinha de ser assim, porque o poder da maleita é devastador. Ao longo dos séculos muitos médicos proféticos tinham lidado com a moléstia, mas o diagnóstico acaba sempre igual: a humanidade só se salva quando acontecer o impossível. E muitos desses clínicos saudaram de longe aquilo que sabiam ter de vir.
Foi na plenitude dos tempos que começou o tratamento. O primeiro passo é a Imaculada Conceição, o surgimento na Terra de alguém completamente alheia, intocada, imune ao vírus. Ela não era a cura, mas a via para vir a cura. Porque a cura, a verdadeira cura, é o Natal.
O Natal do ano vertiginoso de 2020, muito mais que o Natal dos últimos anos, é a cura da doença que vemos diante de nós. Porque a epidemia Covid-19 destruiu as nossas certezas, arruinou os nossos planos, derrubou a estabilidade em que confiávamos.
Vimos desabar políticas e negócios, estratégias e promessas, orçamentos, programas e garantias. Vimos morrer ricos e pobres, novos e velhos, fortes e fracos. Por isso sabemos que nenhuma dessas mezinhas nos cura do nosso mal.
Em 2020, a única cura que nos salva desta terrível crise é o Natal. Porque o problema real não são as infeções ou até as mortes. O drama pungente não é o confinamento, a solidão, a miséria. A catástrofe dominante não é a recessão, o desemprego, as falências. O verdadeiro mal é o pecado. Todas essas coisas seriam suportadas com alegria se conhecêssemos o sentido da realidade, se existisse confiança no futuro, se tivéssemos esperança. E essa nunca pode vir das vacinas, das políticas, dos subsídios, dos investimentos. Essa só pode vir do Natal.
A pandemia chegou no princípio de Março; a vacina foi anunciada no princípio de Novembro, mas a cura vem a 25 de Dezembro. Porque até agora ainda não olhámos para esta terrível crise com olhos de Natal. E essa é a cura de que precisávamos. O mundo anseia por ter pessoas que saibam olhar para esta crise com olhos de Natal. Pessoas que vençam o vírus do pecado e se abram à bondade, verdade, humildade, amor.
A vacina vai vencer o vírus. A partir do próximo ano, a inoculação vai enganar o nosso corpo para criar os anticorpos que acabam com a Covid-19. Mas se não vencermos o pecado através do Natal, o mundo depois da pandemia será muito pior que o drama da recessão infetada do ano inimaginável de 2020.
Em 2019 éramos pessoas do século XXI, seguras da inteligência artificial, da manipulação genética, da nanotecnologia.
Em 2020 somos pobres perdidos nos campos, sem nada de nosso que não seja destruído por um ser microscópico. Mas somos pobres perdidos nos campos a quem foi anunciada uma grande alegria: «Hoje, na cidade de David, nasceu-vos um Salvador, que é o Messias Senhor. Isto vos servirá de sinal: encontrareis um menino envolto em panos e deitado numa manjedoura.» (Lc 2, 11-12). E então os nossos olhos veem a Salvação oferecida a todos os povos, Luz para se revelar às nações e glória de Israel, nosso povo.» (cf. Lc 2, 30-32).
Economista, professor catedrático na Universidade Católica e Coordenador do Programa de Ética nos Negócios e Responsabilidade Social das Empresas
O artido do professor doutor João César das Neves dá-nps coragem para ser mais uma figura ativa no presépio,
António Pimenta
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