A importância económica das organizações sem fins lucrativos está em crescendo na maioria das economias de mercado desenvolvidas. E a tendência é para que se tornem cada vez mais imprescindíveis. Num artigo escrito para a Stanford Social Innovation Review, o reputado professor e sociólogo alemão Helmut K. Anhe, traça quatro cenários para o seu futuro
POR HELMUT K. ANHE*
© Stanford Social innovation Review
Traduzido e adaptado por Helena Oliveira

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Tal como todas as instituições, também as organizações sem fins lucrativos (OSFL, sigla que será utilizada neste texto) são moldadas por quadros regulamentares, políticas e programas. Assim, e se questionarmos como estas se irão desenvolver – digamos, até 2025 – há que rever as suas tendências passadas e actuais. Ao longo de várias décadas, a maioria das economias de mercado desenvolvidas assistiram a um aumento generalizado da importância económica das organizações sem fins lucrativos – ou do Terceiro Sector – enquanto fornecedores de serviços de saúde, educacionais, sociais e culturais. Tem existido, igualmente, uma nova e renovada ênfase no que respeita aos papéis sociais e políticos das OSFL, em particular no contexto da sociedade civil, na construção da democracia e na participação política. Na verdade, estes desenvolvimentos estão a ter lugar em muitos países, sendo que são impulsionados, em larga medida, por quatro perspectivas alargadas.

Em primeiro lugar, as OSFL estão a fazer parte, crescentemente, das novas abordagens de gestão pública – o que poderá ser denominado como uma economia social mista. Exemplos deste tipo de desenvolvimento incluem a expansão de regimes de contratos em serviços de fornecimento de cuidados de saúde e sociais, programas variados e parcerias público-privadas. Na sua essência, esta opção política trata as OSFL como fornecedores mais eficientes do que os organismos públicos e mais confiáveis do que os negócios com fins lucrativos nos mercados em que a monitorização é dispendiosa e potencialmente especulativa.

Em segundo lugar, as OSFL são encaradas como centrais para a edificação e reconstrução da sociedade civil, bem como para o reforço da relação existente entre capital social e desenvolvimento económico. Com as alterações na estrutura social, as associações cívicas de muitas espécies parecem funcionar como a cola que mantém em união um conjunto diversificado de sociedades. O pressuposto de base neste caso é o de que as pessoas profundamente envolvidas em redes densas de contactos de laços associativos são economicamente mais produtivas e politicamente mais envolvidas.

Em terceiro lugar, as OSFL são essenciais no que diz respeito à responsabilização social. De forma crescente, são encaradas como instrumentos de maior transparência e responsabilização para melhorar a governança das instituições públicas e dos negócios. Os mecanismos de responsabilização incluem conselhos consultivos de cidadãos, conselhos comunitários, orçamentos participativos, monitorização das despesas públicas e da oferta dos serviços públicos, e também a protecção ao consumidor. A promessa subjacente é a de que os mecanismos convencionais como as eleições, os organismos públicos de supervisão ou os media não estão a fazer o trabalho que deveriam. Desta forma, as OSFL estão a transformar-se nos “denunciadores” sociais e nos defensores das vozes que, de outra forma, nunca seriam ouvidas.

Por último, as OSFL são vistas como uma fonte de inovação na resolução dos problemas sociais. Na verdade, são consideradas melhores do que os governos em inovações sociais, pois a escala menor em que operam e a maior proximidade que gozam junto das comunidades transforma-as em agentes criativos na busca de soluções. Os governos são encorajados a procurar uma nova forma de parceria com as OSFL com o objectivo de identificarem, apreciarem e aumentarem a escala da inovação social para a construção de respostas públicas mais flexíveis e menos arreigadas.

E o que significam estas perspectivas para o futuro do denominado Terceiro Sector? Partindo do princípio da continuidade destas tendências, os seguintes cenários poderão servir como mercados que os responsáveis pelas OSFL irão desejar considerar.

O cenário das novas abordagens de gestão pública
As OSFL transformam-se num conjunto de entidades “quasi-corporativas”, bem organizadas e que tomam a seu cargo as funções que anteriormente se encontravam sob a alçada do Estado, mas que são agora oferecidas através de concursos públicos e de acordos contratuais, para maximizar as vantagens competitivas dos fornecedores de OSFL em mercados sociais complexos. No final, o Terceiro Sector poder-se-á tornar num agente privado alargado de um regime de contratação minimalista gerido pelo governo.

O cenário cívico
As OSFL constituem os elementos de base de um corpo comunitário auto-organizado e autocorrector. Farão parte de uma sociedade civil na qual os elevados níveis de individualismo e interesses especiais coincidem com níveis igualmente elevados de participação, envolvimento e conectividade. O sector não lucrativo irá formar um conjunto de redes associativas interligadas entre si com a finalidade de evitar/prevenir “doenças sociais” e de as detectar e corrigir antes que se transformem em “problemas sociais”. Funcionando largamente como o alicerce auto-governado da sociedade civil, e apoiado pela filantropia, o Terceiro Sector coordenará as suas próprias iniciativas e funcionará em condições igualitárias ao lado de um Estado pequeno e tecnocrático.

O cenário da responsabilização
As OSFL são a força da e para a defesa. Enquanto fonte de dissidência, e com recursos filantrópicos independentes ao seu dispor, elas desafiam e protegem – construindo e alterando as agendas políticas e monitorizando os governos e as empresas. Na verdade, elas emergem como uma força de compensação que serve como um “cão de guarda” social, cultural e político, mantendo o mercado e o Estado em vigilância e assegurando a sua responsabilização. O sector não lucrativo cria e reflecte a diversidade, pluralismo e dinamismo de uma sociedade moderna.

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O cenário da inovação
As OSFL são encorajadas a operar em áreas problemáticas as quais são consideradas pelos políticos ou como demasiado dispendiosas ou como inoportunas para serem enfrentadas por eles. Os líderes eleitos poderão argumentar que “algo está a ser feito”. AS OSFL funcionarão como a cortina de fumo para um mundo político sem vontade de abordar os problemas sociais mediante formas sérias. Ao atraírem capital de risco filantrópico, e integradas em mercados de investimento sociais, as organizações sem fins lucrativos transformar-se-ão no “motor de busca” para a resolução de problemas sociais das sociedades modernas.

Como não poderia deixar de ser, é muito improvável que algum destes quatro cenários prevaleça como exclusivo. O mais provável será que um deles se torne dominante, especialmente em termos económicos. A este respeito, o primeiro cenário (das novas abordagens de gestão públicas) irá continuar a moldar a evolução da oferta de serviços por parte das OSFL. E tornará possível a emergência de um novo híbrido lucrativo/não lucrativo, não só no que respeita à alteração dos mercados de cuidados de saúde e sociais, mas também nas áreas em que os contratos públicos se tornarão mais proeminentes: na educação e pesquisa, no ambiente, energia e nas tecnologias de informação.

Os vários cenários acima apresentados não só atribuem um papel diferente ao sector não lucrativo, como também implicam o aparecimento de papéis diferentes para o Estado e para as empresas. A um determinado nível, as ONFL transformar-se-ão em actores paralelos que poderão complementar ou até contrariar as actividades estatais e competirem com as empresas, tal como acontece no primeiro cenário abordado. Esta perspectiva está muito mais em linha com o liberalismo clássico e está igualmente presente nos cenários da sociedade civil e da responsabilização. Num outro nível, o Estado e as organizações sem fins lucrativos farão parte de parcerias público-privadas mais complexas, trabalhando de forma complementar com outros organismos, públicos e privados.

Ambos os cenários são possíveis, à medida que as noções de benefício público e responsabilidades públicas se movem do Estado para outros actores, abrindo caminho para que as organizações não lucrativas sejam actores privados para o bem público. A função do Estado enquanto “capacitador” e “animador” da acção privada para o serviço público tem vindo a crescer e assim continuará. Este desenvolvimento, por seu turno, irá continuar a “empurrar e a puxar” as OSFL em todas estas quatro direcções – o que as levará, no final, a um posicionamento futuro que será tão contraditório como dinâmico, e tão instável quanto vital para a sociedade.

*Helmut K. Anhe é professor de Sociologia e deão na Hertie School of Governance. É igualmente professor na Universidade de Heidelberg e é director académico do Center for Social Investment.

Artigo originalmente publicado na Stanford Social innovation Review. Adaptado com permissão.

Editora Executiva