POR ANA MACHADO
Recentemente, fiz uma espécie de paragem na oficina para verificação do segundo eixo, ao participar, na Universidade Católica de Braga, num Congresso de Filosofia da Natureza. O tema concreto era “Causalidades, Processos Causais e Concepções de Natureza”. Sumatra Ghoshal, com o seu extraordinário “Bad Management Theories Are Destroying Good Management Practices” (2005 – Academy of Management Learning & Education, 4(1), 75–91), foi o meu ponto de partida para entrar no diálogo. Nesse artigo, Ghoshal assinala que os economistas substituíram “todas as noções de intencionalidade humana por uma firme crença no determinismo causal para explicar todos os aspectos da atividade empresarial.” Fui com a esperança de descobrir alguma indicação de um percurso diferente desse ‘determinismo causal’ e encontrei um fantástico guia em Juan Arana, Catedrático na Universidad de Sevilla e membro da Real Academia de Ciencias Morales y Políticas de Espanha.
Aplicando a terminologia de Juan Arana, que usou a imagem dos estratos geológicos para apresentar as várias abordagens filosóficas à causalidade, a economia permanece no ‘estrato causal’ da fenomenologia, no ‘sonho dogmático’ de Hume, da necessidade e universalidade do vínculo causal mecanicista. A causalidade é uma relação entre fenómenos, sustentada pela sua repetida conjugação espácio-temporal. Neste estrato, considera-se que ‘algo’ é candidato a ser causa de ‘outro’ quando o seu fenómeno típico o antecede de um modo suficientemente constante. É pouco … isso é sucessão, não alcança o núcleo do ‘ser causa’.
Noutro estrato, encontramos Kant. Depois, Newton. Com este, entrou no auditório o desconcerto que precede a descoberta.
[quote_center]Para os cientistas do ‘risco’, a verdade que procuram não é uma construção e menos ainda uma invenção do sujeito cognoscente[/quote_center]
Descartes rejeitava por princípio tudo o que pudesse ser mesmo que remotamente duvidoso, ainda que não lhe fosse possível descartar que até pudesse ser verdadeiro. Kant seguia o mesmo protocolo com os juízos e representações decorrentes da experiência. Ambos eram pelo ‘rigor’: um exigia certeza, e o outro evidência, para dar qualquer passo em frente. Estavam obcecados pela segurança e isso leva a ficar encerrado no baluarte do ‘eu’, das próprias certezas e evidências. A verdade alcançada não pode ser mais segura do que os procedimentos utilizados para a alcançar.
Mas alguma vez se demonstrou que há incompatibilidade entre a dúvida ou a falta de evidência e a verdade? Isaac Newton aceitava como verosímeis conteúdos confusos e obscuros. ‘Deu por boas’ – ainda que não por definitivas – leis que só se tinham podido comprovar num número limitado de experiências e observações. Mas, se acolheu nas suas teorias elementos que eram até certo ponto inseguros, obviamente não o fez por serem incertos ou pouco evidentes, mas porque, apesar desses defeitos, continuavam a ser os ‘melhores candidatos disponíveis’ para a verdade de que estava à procura. Portanto, certezas e evidências eram para ele qualidades subsidiárias, serviam como critérios auxiliares para discriminar entre conteúdos que possuíam outras qualidades para serem ‘candidatos’.
Newton aceitou o ‘risco’: o risco de conjecturar estruturas que, objectivamente consideradas, deveriam ser muito mais seguras e mesmo necessárias do que ele próprio era capaz de vislumbrar. Conseguiu investigar à intempérie da contingência e da procura não garantida a priori, porque confiou na consistência e fecundidade do terreno que pisava. Porque sabia que a firmeza da verdade não se constrói, pressupõe-se: ela descansa sobre si mesma e não sobre expedientes de validação externos a ela. Tendo abandonado a segurança do ‘rigor’, foi capaz de não cair numa espécie de ‘anarquia epistemológica’, numa contingência do ‘tudo vale’, porque tinha dois fortíssimos contrapesos teóricos: o realismo ontológico e a comunidade histórica dos investigadores como sujeito do saber.
Para os cientistas do ‘risco’, a verdade que procuram não é uma construção e menos ainda uma invenção do sujeito cognoscente. Estão persuadidos de que, mais além da vontade e da aptidão crítica do investigador, há uma realidade que não é muda nem carece de transparência – transparência com repercussões na sua fachada fenoménica, que só engana quem não sabe interpretá-la.
E como aprender a decifrar essa suposta ‘fachada’ da realidade? Sobretudo, como continuar a aprofundar a partir dela para alcançar níveis de realidade mais profundos? Newton ofereceu uma série de critérios pragmáticos; por exemplo, a natureza ama as simetrias, é parca nos seus dispêndios, procura a beleza através da simplicidade. São critérios vagos, não fundamentam uma epistemologia do rigor, mas bastam para quem não se assusta perante as perspectivas de uma epistemologia do risco.
Na paragem na oficina, descobri que as rodas motrizes estão no eixo de trás. Embora haja excepções, os ‘novos paradigmas’ ainda estão muito presos por uma epistemologia do rigor: a busca permanente da maximização, exacta, matemática, como fundamento para as decisões ‘racionais’. Aposto nos ‘fundamentos’, com um argumento extra encontrado na Wikipedia: raramente carros potentes utilizam a tracção dianteira; em veículos voltados ao desempenho a tracção traseira é a adequada.
Cátedra de Ética na Empresa e na Sociedade AESE/EDP