As maiores dificuldades que as PME portuguesas enfrentam “estão na acessibilidade a mercados e a financiamento”. Para João Pedro Tavares, as empresas devem ter a “ambição de redefinir estratégias, rompendo com as rotinas do passado para se adaptarem aos desafios do futuro”. O vice-presidente da Accenture, que dirigiu ontem um seminário dedicado ao reposicionamento estratégico das empresas, aponta, em entrevista, soluções chave que os líderes devem adoptar, se quiserem integrar “a premente e necessária mudança”
POR GABRIELA COSTA

O ciclo de seminários para 2013 dedicado ao “Reposicionamento Estratégico das Empresas”, integrado no Programa AconteSer – Liderar com Responsabilidade, teve o seu arranque a 21 de Fevereiro, em Aveiro e em Mafra. Partindo da premissa de que “no actual contexto, e diante da fortíssima contracção do mercado, as empresas são chamadas a um esforço suplementar para encontrar novas formas de se posicionarem e de responderem às suas necessidades”, a iniciativa visa “sensibilizar para esta questão que afecta as empresas e toda a sociedade”, propondo medidas concretas para que as empresas consigam reposicionar-se no mercado.

No contexto do objectivo primordial do Programa da Associação Cristã de Empresários e Gestores – contribuir para o combate à falta de competitividade das micro, pequenas e médias empresas em Portugal, através da partilha de boas práticas que potenciem a acção empresarial – estes seminários permitem aos líderes das PME (a quem se dirigem) adoptar ferramentas e estratégias para a implementação de novos procedimentos na sua empresa.

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Um desafio à capacidade de liderança
Não baixar os braços e procurar alternativas para a sobrevivência da empresa é o mote para uma sessão de formação que propõe medidas concretas e inovadoras para que as empresas ultrapassem as dificuldades actuais, a partir de uma metodologia assente na realidade do tecido empresarial e em exemplos práticos orientados para a experimentação, por parte dos participantes.

A formação dedicada ao Reposicionamento Estratégico (que decorre ao longo de 2013 paralelamente a seminários sob as temáticas Conciliação Família/Trabalho; Desenvolvimento Pessoal e Profissional, Gestão de Incertezas; e Liderança Empresarial), está a cargo de João Pedro Tavares.

Consciente que o maior desafio “está na prioridade que a sustentabilidade representa para os gestores”, o vice-presidente da Accenture defende que os gestores devem ter “a audácia” de se reposicionarem, com vista à diferenciação da oferta. Um verdadeiro “desafio à capacidade de liderança”, como sublinha, em entrevista ao VER.

Entre as várias estratégias-chave que os líderes devem adoptar, se quiserem integrar “a necessária mudança”, o gestor considera que o posicionamento “não deve ter como foco uma prestação de serviços low cost, mas actuar em nichos que valorizem a relação preço/qualidade e o nível de serviço, por exemplo. E afirma que “é essencial não perder de vista que o trabalho em rede é determinante” para que os líderes consigam reposicionar os seus negócios.

E se, num contexto global, as empresas enfrentam grandes desafios provocados pela crise financeira, esse contexto “conduz a uma maior consideração da sustentabilidade como uma fonte de eficiência e crescimento de receitas, para além de ser um elemento fulcral para o crescimento em novos mercados e para a recuperação económica” das empresas.

Aliás, como conclui um estudo recente da Accenture, a esmagadora maioria dos CEO acredita que, dentro de uma década, se assistirá a um ponto de inflexão através do qual a sustentabilidade passará a integrar o core business das empresas. E quando tal acontece, os principais impactos são “maior valor económico e o reconhecimento de todos os stakeholders”, conclui João Pedro Tavares.

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João Pedro Tavares
Vice Presidente da Accenture
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Face à forte contracção do mercado, que esforços devem as empresas (PME, em particular) envidar para encontrar novos posicionamentos que permitam dar resposta às suas necessidades, no actual contexto socioeconómico?
O que as empresas devem fazer no tempo presente não é distinto daquilo que deveriam ter feito no passado, e que passa por um exercício de reposicionamento, a partir de um contexto interno e de outro externo.

Relativamente ao contexto interno, devem partir da base do que é a sua oferta tradicional de produtos e serviços, os factores que a diferenciam e tornam única. Por outro lado, numa análise externa, devem conhecer as motivações e intenções dos seus clientes, em particular daqueles a quem servem historicamente e, a partir daí, entender de que forma poderão, com eficiência e eficácia, proporcionar novas ofertas.

Para além disto, as empresas devem analisar as geografias por onde se poderão expandir. Outra componente a considerar é que outros competidores ou potenciais parceiros devem ser considerados. As maiores dificuldades estão na acessibilidade a mercados e a financiamento…

Na sua opinião, até que ponto têm as empresas consciência da premência de procederem a um reposicionamento estratégico, encontrando rapidamente alternativas para a subsistência do seu negócio?
Têm toda a consciência, até pelas dificuldades que estão a passar. O problema não é de consciencia mas de audácia, de ambição, de redefinição estratégica. É saber até que ponto estão em condições de romper com as rotinas do passado para se adaptarem aos desafios do futuro.

Trata-se de um desafio à capacidade de liderança, e de saber sonhar com um futuro distinto. Qualquer exercício envolve riscos e sabemos que nem todos sobrevivem. Mas parar é morrer, pelo que a urgência e a importância da mudança é uma premência.

Que medidas concretas devem os líderes empresariais adoptar, no seu entender, para se reposicionarem num mercado condicionado pelas novas regras ditadas pela crise? Que estratégias-chave propôs ontem aos líderes das PME presentes nos seminários que dirigiu?
O que propomos resulta, como complemento, de um estudo efectuado em conjunto pela AESE e pela Accenture. Nada melhor do que ouvir os lideres empresariais, tomar o pulso, sistematizar e expor.

Mais do que nunca, deve haver lugar à inovação, à busca de formas distintas de actuar e de as empresas se posicionarem. Outro desafio é o de tomar todas as medidas necessárias para que a actual operação seja rentável e auto-sustentável, portanto, com enfoque na rentabilidade (operação mais eficiente, melhoria na oferta).

“Mais do que nunca, deve haver lugar à inovação e à busca de formas distintas de as empresas se posicionarem” .
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Buscar novos mercados para exportação é uma grande oportunidade – ainda que em segunda prioridade -, desde que não signifique o desvio de capitais imprescindíveis à operação actual. Aliás, é um erro partir-se para uma forte expansão internacional sem garantir a sustentabilidade da operação actual, no que seria uma estratégia em “modo sobrevivência” com elevado risco e nível de incerteza.

Um dos factores que mais penaliza as empresas portuguesas é a dimensão, pelo que é importante explorarem-se potenciais parcerias (na origem ou no destino) que possam tornar o efeito escala mais atractivo.

O posicionamento não deve ter como foco uma prestação de serviços low cost mas actuar em nichos que valorizem os aspectos diferenciadores da oferta (relação preço/qualidade, nivel de serviço). É essencial não perder de vista que o trabalho em rede é determinante e que os líderes poderão ter de fazer parcerias ou acordos que lhes permitam reposicionar os seus negócios.

Por outro lado, deve conhecer-se a base de clientes e explorar outras bases, onde os valores de aquisição sejam similares. O mesmo acontece na análise da base de fornecedores e na exploração de outras formas de colaboração.

Finalmente, os líderes empresariais devem valorizar a confiança crescente nas suas próprias capacidades.

De que modo servem estes seminários para dotar as empresas de ferramentas estratégicas que aumentem a competitividade na gestão de forma sustentável, como é desígnio do Programa AconteSer?
Estes seminários, no contexto do Programa Aconteser, são de grande importância, ainda que sejam apenas um dos vectores, e complementares a outras ferramentas disponibilizadas ao abrigo do Programa.

Normalmente, as empresas estão presentes através dos seus líderes, gestores ou accionistas. Os conteúdos apresentados são suficientemente gerais mas de aplicabilidade prática, pelo que se poderá inferir como aplicá-los a cada caso. Por outro lado, o kit Aconteser é uma ferramenta metodologica que permite aos líderes a aplicação de novas técnicas e abordagens que permitam o reposicionamento estratégico das empresas.

Que expectativas tem face à adesão e interesse pela implementação de novos procedimentos de gestão, por parte dos líderes empresariais que irão participar nestes primeiros seminários do ano dedicados ao “Reposicionamento Estratégico das Empresas”?
No passado a adesão foi muito significativa. Mas depende em muito da dinâmica de liderança, da abertura à mudança, do envolvimento dos stakeholders. Os seminários são, tão só, um ponto de partida.

O recente estudo que a Accenture realizou junto de 250 executivos de topo dos EUA, Japão, principais economias emergentes e vários países da Europa dita que a maioria das empresas se encontra verdadeiramente comprometida com a sustentabilidade enquanto estratégia para o crescimento. Em Portugal, a sustentabilidade começa também a ser encarada como um activo chave para a geração de receitas e para o crescimento das áreas de negócio na empresa?
Apesar do actual clima económico, a esmagadora maioria dos CEO’s (93%) considera que a sustentabilidade será fundamental para o futuro sucesso das suas organizações. Para além disso, acreditam que dentro de uma década, podemos assistir a um ponto de inflexão através do qual a sustentabilidade passará a integrar o core business das empresas, ou seja, as suas competências, processos, sistemas, toda a cadeia de abastecimento global e filiais.

Quais são ainda os principais entraves à integração efectiva da política de sustentabilidade na gestão empresarial, principalmente ao nível das PME?
Será necessária uma nova visão, mais ampla e integrada e a mais longo-prazo. O valor económico não se pode medir apenas pelo lucro (finalidade primária e historica na gestão) mas englobará várias componentes, não só financeiras como também sociais e ambientais (reduzir, reciclar, reutilizar), que constituem os vários pilares da sustentabilidade.

O relatório conclui também que em várias economias a estagnação económica está a resultar numa necessidade urgente de identificar novas formas de receitas, com algum relevo para a procura de novos produtos e serviços sustentáveis. Acredita que em Portugal também se verifica um incremento dessa procura?
De acordo com o estudo “A Nova Era da Sustentabilidade”, a crise económica mundial não fez com que as empresas colocassem a sustentabilidade para segundo plano. Na verdade, parece ter provocado o efeito contrário: 80% dos CEO dizem que a crise veio reforçar a importância da sustentabilidade no mundo empresarial.

As empresas enfrentam grandes desafios provocados pela crise financeira, o que conduz a uma maior consideração da sustentabilidade como uma fonte de eficiência e crescimento de receitas, para além de ser um elemento fulcral na condução do crescimento em novos mercados e na sua recuperação económica.

Em Portugal verifica-se uma crescente apetência, disponibilidade e interesse para a vertente da sustentabilidade. O desafio está na prioridade que representa para os gestores, em particular em termos de crise, em que se activa o “modo sobrevivência”.
Os resultados do inquérito realizado indicam que as empresas estão a encarar a sustentabilidade como um assunto cada vez mais preponderante.

A grande maioria dos decisores inquiridos pela Accenture, neste estudo internacional, confirma que a sustentabilidade é crítica para o sucesso de negócio. Que caminho falta ainda percorrer para que esta visão estratégica domine no mercado nacional?
Quando, daqui a alguns anos, se tiver um benchmarking do percurso e resultados obtidos por empresas que adoptaram estratégias de sustentabilidade, estou certo de que a adesão poderá ser massiva. De momento é algo que depende da apetência, interesse e disponibilidade dos líderes, accionistas ou gestores.

Quais são, na sua perspectiva, as motivações mais fortes para as empresas fazerem investimentos em iniciativas sustentáveis: exigência dos consumidores, preocupações ambientais e sociais, reconhecimento da marca, ou expansão no mercado através da aposta em novas áreas de produto e em novos mercados geográficos?
Uma estrategia de sustentabilidade não é uma opção táctica nem irá conduzir, obrigatoriamente, à melhoria do lucro no curto-prazo. Mas seguramente que conduzirá à obtenção de maior valor económico no longo-prazo.

As motivações que estão por detrás de uma estratégia destas são muito distintas, sendo as principais as que estão invocadas na pergunta. Mas a definitiva adopção deve ser uma resposta estratégica, a prazo, e conduzida com firmeza e persistência. Os principais impactos serão um maior valor economico e o reconhecimento de todos os stakeholders.

Jornalista