«Aprender a surfar» é a constante da vida. Estamos sempre a aprender, independentemente do nível em que estamos. E, por isso, é preciso surfar, é preciso trabalhar, muito. Tenho um treinador que me diz «podes até vir aos treinos, mas se depois não vais fazer free surf, não vais evoluir». É preciso trabalhar, ser constante e fiel ao trabalho se queremos ver os frutos
POR MARGARIDA TEIXEIRA DE SOUSA

Há quase dois anos juntei-me a um grupo de surf, uma das minhas grandes paixões desde os 14 anos. Por razões diversas, mas também profissionais, estive sem praticar durante muito tempo.

Uma das particularidades deste grupo, no início quase fatal para a minha adesão, foi o horário dos treinos: sete da manhã aos dias de semana; eu sou noctívaga. Porém, e surpreendentemente, bastaram-me umas idas para ficar completamente convencida e apaixonada pelo mar matinal.

Outra particularidade deste grupo de surf é facto de num dos dias da semana acolher e treinar colaboradores de empresas, sendo que a empresa X tem um acordo com o clube e que no dia Y os colaboradores possam ter treinos também à mesma hora. É previsível o meu rumo neste texto, não é?

Há uma grande diferença entre ter treinos às 7 h, sair da praia às 9 h e tentar estar pronta às 10 h para uma call vs. ter treino às 7 h, o meu manager e colegas saberem, a minha empresa ter tido a iniciativa e promovê-la junto dos colaboradores, e tentar estar pronta às 10 h para uma call.

Quando olhamos para estes dois exemplos é óbvio o que lado em que queríamos estar. Porque no nosso interior a pergunta parece ser «mas o que é que realmente importa?», que muitas associações e empresas não colocam. Ou têm receio ou nem sequer têm noção dela.

O que é que realmente importa e garante a produtividade (já sabemos que está ligada à satisfação e motivação) dos meus colaboradores? Em que é que os posso ajudar a serem mais fiéis e comprometidos no seu tempo laboral? Quais são as necessidades particulares de cada um e em que eu posso fazer efectivamente a diferença? Oiço-os atentamente? Se o maior activo das empresas são os seus colaboradores, para que horizonte estou a traçar os meus objectivos? Ou estou a fazer contas com colaboradores-robôs?

São estas e tantas mais as perguntas que certamente devem ocupar lugar no plano estratégico de uma empresa, dando espaço a que se viva uma saudável cultura organizacional, ou, por outras palavras, que a empresa seja socialmente responsável (não obviamente que o faça para que seja uma bonita campanha de marketing, mas que o faça com o coração centrado na responsabilidade pelo outro).

Passadas estas marés mais desordenadas e ventos fortes, de facto o surf ensina-nos muito para a vida e para o trabalho.

O outro motivo que me fez mergulhar neste tema são as inúmeras metáforas que vou encontrando relativamente ao surf. Em primeiro lugar, saber ler a onda. Qual é a direcção do vento? Qual a direcção do mar? A maré está a vazar? A encher? Onde está a onda a rebentar? Está a fechar? Tem parede para a esquerda, para a direita? É preciso saber ler a realidade que temos diante nós, neste caso o mar. O mesmo se aplica a quem trabalha no mundo empresarial: a reunião vai ser presencial, online? De que material preciso? Em que timing farei a minha apresentação? Qual o tema da reunião? O rumo da reunião está a ir ao encontro dos objectivos?

Saber ler a realidade é cruzar a minha expectativa com a verdade; é saber estar preparada, antecipando e acolhendo as necessidades existentes.

Em segundo lugar, a confiança. Quem surfa ou faz outro desporto no mar, sabe que os surfistas não controlam nada. O surf implica um despojamento muito grande dos medos e a tremenda aceitação da realidade. Aprendi também, que quando estou no mar, e reforçando a confiança, se deve ter um ponto fixo em terra (um bar, um sinal, um desenho na parede) como referência. Como na vida de cada um, nós não controlamos nada, e a confiança cresce das nossas referências pessoais, das nossas crenças, daquilo que nos move.

Em terceiro lugar, a importância dos treinadores. É essencial o papel de quem nos guia, não só obviamente pela maior experiência que têm, mas porque são eles que, conhecendo as limitações de cada um, acreditam em nós e nos dão feedback.

Quantas vezes achei que estava a surfar bem e depois vou à areia ver as filmagens e estou a surfar pessimamente? Ou que o mar está super difícil e saio do treino desolada, com 2 ou 3 ondas feitas, e os meus treinadores dão-me óptimo feedback? Ou que estou no mar cheia de medo de apanhar ondas maiores, mas acabo por apanhá-las porque o meu treinador está aos berros na água, a motivar-me e a dizer que eu consigo?

Também nas empresas precisamos de líderes assim. Que acreditam em nós e que nos ajudam a ser a melhor versão de nós próprios. Chefias e colegas dão-nos o feedback que nos ajuda a melhorar, são sensíveis às nossas limitações e vêem mais além do que às vezes vemos nós em nós próprios (e se não é, devia!).

Em quarto lugar, o trabalho. «Aprender a surfar» é a constante da vida. Estamos sempre a aprender, independentemente do nível em que estamos. E, por isso, é preciso surfar, é preciso trabalhar, muito. Tenho um treinador que me diz «podes até vir aos treinos, mas se depois não vais fazer free surf, não vais evoluir». É preciso trabalhar, ser constante e fiel ao trabalho se queremos ver os frutos.

Acho que a nível empresarial sabemos disto, muitas vezes pelo seu excesso, infelizmente, sem o devido respeito pela conciliação trabalho-família.

E por último, o mais importante: o divertimento! Se não é para se divertirem, então nem sequer entrem no mar. Se nos divertimos muito ou pouco, não interessa, divirtam-se, só isso. «Mas o mar está pequeno, o vento terrível…». Divirtam-se na mesma!

O surf tem reforçado exactamente isto em mim: independentemente das condições do mar, eu vou tirar proveito. Como na vida ou no trabalho, vou disponibilizar-me para ler a realidade; ser consciente que preciso dos outros para ganhar forma daquilo que eu sou; confiante em Deus, que fez de mim criatura, e que me dá a natureza, neste caso o mar, para desfrutar e pôr os meus talentos a render; e que, independentemente da realidade que estiver a viver na minha vida, sou convidada a festejar.

Porque a vida é-nos dada, e sabermos ser agradecidos é perceber que o essencial da vida é grátis.

MARGARIDA TEIXEIRA DE SOUSA

Licenciada em Gestão e Mestrado em Empreendedorismo e Inovação Social. Trabalha na ACEGE