Apesar de não ser consensual o facto de a Europa estar já a sofrer uma segunda vaga da pandemia provocado pelo novo coronavírus, o número elevado de novos casos em vários países parece apontar para um inevitável agravamento da situação. Com a abertura das escolas e o regresso ao trabalho presencial, em conjunto com os surtos de gripe que ocorrem no Outono que se avizinha, governos e entidades de saúde pública tentam antecipar um cenário que poderá ser catastrófico. Num extenso documento publicado pela McKinsey, apela-se às lições já aprendidas ao longo dos últimos sete meses, as quais devem ser adaptadas a populações e cenários específicos

POR HELENA OLIVEIRA

 

Na reunião que ocorreu no início da semana sobre a evolução da Covid-19 em Portugal e que juntou políticos, peritos e parceiros sociais, concluiu-se que só se a sociedade reduzir para metade os contactos existentes no período pré-pandemia – e os alunos os reduzirem para um terço nas escolas – é que será possível conter uma potencial segunda vaga. Adicionalmente, o primeiro-ministro foi peremptório ao afirmar que um novo confinamento não será “sustentável”, mensagem reforçada igualmente na apresentação das regras que terão de ser cumpridas no novo estado de contingência que vigorará a partir de 15 de Setembro. Todavia e depois de sete meses de resposta à pandemia, existem já várias coisas que aprendemos. E como refere um extenso artigo publicado pela McKinsey, há também um conjunto de lições que podem e devem ser aplicadas.

Apesar de um significativo número de mortes a lamentar, as expectativas mais catastróficas não se vieram a registar, não porque a doença seja menos letal do que o previsto, mas sim porque se subestimou a capacidade das pessoas para aprender e alterar os seus comportamentos. É verdade que continuam a existir bolsas de resistência contra a utilização de máscaras em conjunto com o cumprimento de outras medidas, mas a resposta global em termos de saúde pública salvou, sem dúvida, milhões de vidas. 

Todavia e como sabemos, a ameaça persiste e se todos esperam pela vacina que pode salvar o mundo, também é verdade que serão necessários muitos meses até que a mesma seja aprovada e distribuída massivamente. Como também foi notícia esta semana, a farmacêutica AstraZaneca anunciou a suspensão dos testes à vacina que está a desenvolver com a Universidade de Oxford, o que comprova a impossibilidade de se fazerem previsões no que a esta matéria diz respeito.

Todavia e no entretanto, o mundo não se pode voltar a isolar dada a disrupção sem precedentes que a pandemia causou nas economias, nos sistemas educativos e no quotidiano de todos nós. 

Assim e embora haja muito mais a aprender, a Mckinsey tentou resumir um conjunto de considerações específicas para os que procuram adoptar e adaptar as melhores práticas à sua gestão da pandemia da COVID-19. Dado o papel de grande dimensão que as empresas estão a assumir na resposta à crise em inúmeros países, muitas das ideias são tão relevantes para os líderes do sector privado como para os do sector público. As intervenções estão divididas em três categorias – detecção de doenças, redução do número de novos casos e limitação da mortalidade – e podem ser adaptadas a populações e cenários específicos. E é sobre estas categorias que versa o presente artigo. 

Detectar precocemente a doença é crucial para uma resposta mais adequada

De acordo com a McKinsey, a capacidade de se detectar os novos casos de COVID-19 é um pré-requisito crítico para programas de saúde pública eficazes. Um programa abrangente pode incluir a vigilância tradicional de doenças, a análise de agregados para compreender os padrões locais de transmissão e também a vigilância de águas residuais para o alerta precoce de “hotspots” da doença.

Na medida em que a capacidade de recolher, analisar e interpretar dados é fundamental para a gestão de doenças infecciosas, é também sabido que mesmo sete meses após o desencadear do surto pandémico, existe ainda um nível surpreendente de desacordo sobre questões tão básicas como o número real de pessoas infectadas com o SRA-CoV-2 e o número de mortes atribuíveis ao mesmo. Continuar a expandir os testes, como é descrito mais adiante, constitui uma grande parte da melhoria da vigilância. Importante também é o facto de os sistemas de vigilância combinarem sem problemas os dados provenientes de fontes tradicionais com conjuntos de dados mais recentes, como o rastreio de mobilidade anónima, e fazerem-no quase em tempo real, proporcionando um elevado nível de detalhe e transparência em torno das características e localização dos infectados, protegendo ao mesmo tempo a privacidade individual. Em Portugal (e em muitos outros países) e na medida em que a COVID-19 pode ser transmitida pela proximidade estreita de pessoas infectadas, é crucial notificar rapidamente as pessoas caso tenham sido expostas. A aplicação Stayaway Covid, oficialmente lançada na passada semana e que assenta em notificações de exposição, “produz” alertas que as pessoas podem receber nos respectivos telefones para ficarem a saber que estiveram expostas a alguém que foi diagnosticado com a COVID-19. Para já, e segundo os números divulgados, a aplicação foi já descarregada por cerca de 600 mil pessoas, tendo contudo registado apenas sete infecções e 18 notificações em três dias. Ou seja, o seu sucesso depende obviamente do número de pessoas que a adoptarem e que, de forma anónima, confirmem o diagnóstico positivo da doença.

Por outro lado, e apesar de a comunidade médica já ter aprendido muito sobre de que forma a Covid-19 é transmitida de pessoa para pessoa, muito mais há a saber sobre a natureza específica desta mesma transmissão em determinadas geografias. O exame de cadeias de transmissão de doenças infecciosas, ou a análise de clusters, ajuda os profissionais médicos a compreender como, quando, onde e entre quem ocorre a transmissão. E como sublinha a McKinsey, a informação localmente relevante pode ajudar na aplicação mais eficaz de medidas de saúde pública. Como refere o artigo em causa, um estudo de mais de 3.000 casos em 61 clusters no Japão, por exemplo, identificou as instalações de saúde e os lares de idosos como estando entre os centros de transmissão mais importantes. Do mesmo modo, foram identificados clusters no Reino Unido em torno de lares de idosos, em hospitais, e em fábricas de embalamento de carne – sendo estes últimos também uma fonte de transmissão na Alemanha.

Esta análise de clusters revelou a importância e as características dos chamados “super disseminadores” (indivíduos infectados que transmitem a doença a muitos outros), sendo que uma compreensão mais profunda da dinâmica de transmissão pode permitir que algumas regiões sejam alvo de intervenções mais direccionadas. 

A McKinsey chama igualmente a atenção para a importância da vigilância das águas residuais, cuja amostragem foi utilizada durante décadas para monitorizar a poliomielite. No caso da Covid-19, esta amostragem parece detectar níveis de aumento virais até seis dias antes dos testes de diagnóstico dos indivíduos e apesar de alguns locais como Queensland, na Austrália, Ashkelon, em Israel e Boise, nos Estados Unidos, estarem a implementar esta abordagem-piloto para monitorizar a COVID-19, as águas residuais continuam a ser uma ferramenta subutilizada a nível global.

Reduzir o número e a migração de novos casos

Como também já é sabido, a prevenção de novos casos assenta na redução da oportunidade de indivíduos infectados transmitirem a doença a outros, o que pode ser feito através da identificação e isolamento dos que foram infectados ou que apresentam um risco elevado de o ser, assegurando a distância física necessária e reduzindo a migração de casos em áreas de maior prevalência. As medidas básicas e supostamente já apreendidas por todos incluem o cancelamento de eventos com um elevado número de pessoas, a restrição da “socialização”, em particular em ambientes fechados, a par da implementação de medidas de confinamento ou de cercas sanitárias. Todavia, e como alerta o artigo da McKinsey, existem outras lições já aprendidas às quais não se tem dado a devida atenção, tais como a identificação e isolamento dos infectados no menor período de tempo possível. 

Desta forma, os programas de teste e rastreio de contactos generalizados, precisos e geridos com eficiência permitem aos países isolar aqueles que têm ou estão em alto risco de contrair a COVID-19. Por exemplo, os testes e o rastreio desempenharam papéis importantes na resposta bem-sucedida a várias fases da pandemia em vários países, incluindo a Áustria, a Islândia, a Nova Zelândia e a Coreia do Sul. Todavia e apesar da aparente simplicidade dos testes e do rastreio, muitos passos errados foram dados ao longo destes meses, o que representa mais um conjunto específico de lições já identificadas e que devem ser tidas em conta. 

A redução da migração dos casos é outra componente importantíssima. Países de todo o mundo adoptaram e continuam a adoptar abordagens diferentes para restringir a importação de casos de Covid-19. Desde a proibição total de viagens internacionais e proibições específicas de deslocações a partir de locais com um elevado número de casos, a par do rastreio e requisitos de quarentena para os viajantes que chegam, têm sido várias as medidas implementadas. Por seu turno, as empresas e outras instituições estão igualmente a apostar em políticas próprias para além das que são exigidas pelos governos, com a McKinsey a sublinhar que as medidas baseadas em critérios consistentes e de fácil compreensão são mais susceptíveis de manter níveis elevados de adesão e participação do público. 

Adicionalmente e como também todos nós já testemunhámos, uma resposta bem-sucedida à actual pandemia exige que se convença o maior número de pessoas a alterar os seus comportamentos. Alguns países têm testemunhado uma resistência significativa a um conjunto de mudanças, particularmente as que estão relacionadas com medidas de distanciamento físico e com a utilização de máscaras, sendo que a falta de confiança nos governos, a sobrecarga de informação e o envio de mensagens inconsistentes ao longo do tempo contribuíram significativamente para essa mesma oposição. Uma comunicação eficaz em matéria de saúde pública pode acelerar a adopção de novos comportamentos.

A aplicação do “modelo de influência” às comunicações relacionadas com a COVID-19 é uma área em que a colaboração pode ajudar. São muitos os locais que estão a recrutar a ajuda de parceiros, celebridades e influenciadores para amplificar as suas mensagens. Por exemplo, nos Estados Unidos, a estrela do basquetebol Stephen Curry fez perguntas ao especialista em doenças infecciosas Anthony Fauci ao vivo na Instagram, o que serviu para levar informação de saúde pública baseada em provas a audiências menos susceptíveis de aceder a fontes oficiais.

Importante é igualmente o facto de esta pandemia ter um impacto desproporcional nos segmentos populacionais mais vulneráveis. Estes grupos incluem pessoas cuja idade ou saúde as coloca em maior risco e aquelas que se encontram em situação de maior fragilidade devido a factores socioeconómicos. De acordo com a McKinsey, as comunidades com graves problemas de habitação, taxas de desemprego elevadas, em situação de encarceramento ou com níveis de pobreza e de insegurança alimentar sofrem 1,4 a 4,0 vezes mais mortes relacionadas com a COVID-19 do que outras comunidades, ao que se junta o facto de as populações vulneráveis terem menos probabilidades de aceder aos cuidados de saúde na maioria dos países e serem mais propensas a sofrer de outro tipo de doenças. 

Desta forma e para além de se avaliar e acompanhar o impacto da pandemia COVID-19 nas populações mais fragilizadas, a concepção de intervenções de protecção requer a identificação do que torna esses grupos mais vulneráveis à infecção. As abordagens podem incluir a prioritização do acesso aos testes, o direccionamento das comunicações e a prestação de apoio adicional para os períodos de quarentena e de isolamento. 

Antecipar, planear e gerir para limitar a mortalidade

Para além de limitar o número de casos, a redução da mortalidade associada à COVID-19 é, obviamente, um elemento chave na luta contra a doença. Clínicos e líderes de sistemas de saúde aprenderam muito sobre a gestão clínica específica da COVID-19 e como preparar os sistemas de saúde para gerir os surtos, mantendo simultaneamente, e tanto quanto possível, os serviços essenciais.

Depois do primeiro embate, sabemos agora que os sistemas de saúde – pelo menos em qualquer país desenvolvido – devem ser capazes de antecipar, planear, gerir, e navegar de forma adequada na pandemia, e tanto para doentes com COVID-19 como para pessoas com outras doenças. Alguns requerem uma acção focalizada, especialmente quando são obrigados a lidar com surtos, disponibilidade de oferta, prontidão da força de trabalho, processos de operações clínicas, estrutura para a governação de casos COVID-19 e resiliência financeira.

Já no que respeita à procura de terapias eficazes e, até agora, não existiu nenhum avanço suficientemente eficaz para limitar o número de casos, apesar de a Dexametasona, um corticosteróide injectado, ter reduzido, de acordo com um estudo publicado no New England Journal of Medicine, a mortalidade em 35% nos doentes que necessitavam de ventilação mecânica e em 18% naqueles que precisavam apenas de oxigénio. Já o também falado Remdesivir demonstrou, num outro estudo da mesma entidade, ter reduzido o tempo de recuperação dos doentes infectados numa média de quatro dias. 

Ambos os medicamentos surgiram do foco inicial da comunidade médica na reutilização de medicamentos já aprovados ou em fase final de desenvolvimento para o tratamento de outras doenças. Neste momento, os esforços centram-se na investigação e desenvolvimento de novas terapias baseadas em outros antivirais e anticorpos monoclonais. Para além da terapêutica específica para a COVID-19, registaram-se avanços na gestão “não farmacêutica” da doença. Por exemplo, existem algumas evidências que colocar os doentes virados para baixo pode reduzir a necessidade de ventilação mecânica.

Como remata o artigo da McKinsey, as medidas de saúde pública para controlar a pandemia da COVID-19 serão relevantes enquanto o seu risco continuar. Muitos países e regiões enfrentaram o desafio combinando múltiplas medidas de saúde pública, algumas com sucesso, apesar de subsistir ainda muito espaço para melhorar. Ao considerarmos o que será necessário para responder às ondas actuais e futuras da COVID-19, podemos pelo menos confiar no facto de se saber muito mais sobre o controlo do SRA-CoV-2 do que há sete meses. E cabe a todos nós aprender, adaptar, e aplicar essas lições de forma eficaz.

Editora Executiva