POR HELENA OLIVEIRA
Ao longo de 17 anos que o denominado Edelman Trust Barometer avalia a percepção de milhares de pessoas em dezenas de países no que respeita ao seu nível de confiança nas empresas, nos media, nos governos e nas organizações não-governamentais. E também foram já diversas as vezes que o VER tem vido a divulgar os resultados deste e de outros inquéritos que avaliam a confiança nas instituições, alertando, a cada ano que passa, para o declínio contínuo e persistente dos resultados, em particular para as empresas – o “alvo” que mais nos interessa – mas bendizendo, quando existem razões para tal, as instituições que vão alcançando “melhores notas”.
Todavia, e ao longo de todos estes anos, é a primeira vez que o estudo revela uma quebra de confiança em todas as quatro instituições analisadas, o que não pode, de todo, ser descurado por ninguém, muito menos por parte dos responsáveis das instituições que são avaliadas. É que, e só para dar um indício do quão mal vai a nossa credibilidade no mundo que nos rodeia, em quase dois terços dos 28 países auscultados, a generalidade da sua população não acredita que estas quatro instituições “façam o que é certo” – sendo que a média de confiança total em todas elas está abaixo dos 50%.
[pull_quote_left]Em quase dois terços dos 28 países auscultados, a generalidade da população não acredita que estas quatro instituições “façam o que é certo” – sendo que a média de confiança total em todas elas está abaixo dos 50%[/pull_quote_left]
Uma radiografia geral do Barómetro da Confiança indica que a confiança nos media – a mais afectada este ano pelos motivos que todos conhecemos e que deram já origem a uma “era da pós-verdade” – foi a que mais a pique desceu – 43% – sofrendo a mais baixa das avaliações de sempre em 17 países; os governos não se estão a sair muito melhor, pelo contrário, registando uma queda de 41% em 14 mercados e ganhando o “prémio” da instituição que menor confiança merece por parte dos inquiridos em metade dos 28 países inquiridos.
A juntar a todo este descrédito, está também a credibilidade dos líderes, tanto governamentais como empresariais, com 71% dos entrevistados a declararem que aqueles que os representam politicamente merecem pouca ou nenhuma confiança, e com 63% a fazerem o mesmo tipo de avaliação face aos CEOs. Na verdade, a credibilidade daqueles que têm nas mãos o leme das grandes empresas decaiu 12 pontos a nível global para 37% – “despenhando-se” em todos os países inquiridos e atingindo, também, o nível mais reduzido de sempre, apesar de os líderes governamentais manterem a proeza de serem os recordistas da desconfiança, atingindo apenas 29% de credibilidade. Por último e apesar de representarem uma quebra menos acentuada, apesar de não deixar de ser significativa, estão as organizações não-governamentais que atingiram, no geral, 53% de confiança, mas decaindo em cerca de 10 pontos percentuais no geral.
De acordo com o barómetro em causa, 53% dos respondentes acreditam que o “sistema” geral em que actualmente vivemos (lhes) falhou – sendo injusto e oferecendo pouca esperança para o futuro – com apenas 15% a acreditarem que o mesmo está a funcionar e os restantes, cerca de um terço, a demonstrarem “incerteza” sobre a natureza da sua resposta [destes, 58% elegem as empresas como as instituições em que mais confiam]. E, como é sublinhado na introdução do estudo, até as elites confessam a sua falta de fé no sistema, com 48% dos que pertencem ao quartil superior de rendimentos, 49% dos que têm formação universitária e a maioria dos “mais informados” (51%) a manifestarem que o “sistema falhou”.
[pull_quote_left]71% dos entrevistados declaram que aqueles que os representam politicamente merecem pouca ou nenhuma confiança[/pull_quote_left]
Assim e neste caso em particular, é possível afirmar que o colapso da confiança “está mais além” do que uma simples batalha entre as “classes e as massas”, tendo-se transformado numa ameaça sistémica. Mais de 75% dos respondentes, em ambos os “públicos” concordam que o sistema está “enviesado”, favorecendo os ricos e os poderosos em detrimento dos pobres. E numa análise mais “fina” aos resultados do estudo e na medida em que foram atingidos níveis sem precedentes no que respeita ao gap de confiança entre o “público informado” e as “massas”, e que rondam os 20 pontos percentuais em potências como os Estados Unidos, o Reino Unido e a França (rondando os 10 pontos em economias fortes como a Índia ou a China), a verdade é que os que se posicionam no “topo” da sociedade estão, também, a fazer parte da “onda de fúria” traduzida por uma substancial falta de confiança no sistema.
Sabendo-se que esta agudização da crise de confiança nas instituições teve origem na Grande Recessão de 2008 e que as réplicas deste devastador terramoto económico e financeiro se continuam ainda a sentir hoje, Richard Edelman, o presidente e CEO da empresa de comunicação e marketing global responsável pela realização deste inquérito, considerado com um dos mais credíveis do mercado, opta pelas duas metafóricas ondas do tsunami que se seguiu ao tremor de terra em 2008, elegendo a globalização e as mudanças tecnológicas como os grandes responsáveis por este enfraquecimento significativo da confiança nas instituições globais. E isto porque as pessoas acreditam que seria dever das mesmas protegerem-nas dos efeitos negativos destas forças devastadoras.
Como declara, “os benefícios celebrados do comércio livre – produtos acessíveis para o consumo de massas e o retirar de cerca de mil milhões de pessoas da pobreza – foram subitamente suplantados pelas preocupações no que respeita à deslocalização dos postos de trabalho para mercados com salários mais reduzidos”. Complementarmente, e como o VER tem vindo a alertar, o impacto da automação já está a ser sentido, em particular nos trabalhadores com baixas competências e à medida que começam a circular nas estradas camiões sem condutor ou que as lojas de retalho deixam de ter necessidade de contratarem trabalhadores humanos para registarem as suas contas e, a breve trecho, para atenderem os seus clientes.
[pull_quote_left]A credibilidade daqueles que têm nas mãos o leme das grandes empresas decaiu 12 pontos a nível global para 37%[/pull_quote_left]
A verdade é que já ultrapassámos o ponto em que a confiança servia apenas como um factor importante para comprarmos determinado produto ou para a selecção de oportunidades de emprego. Pelo contrário, a confiança transformou-se no factor decisivo do funcionamento da sociedade. E à medida que a erosão da confiança nas instituições é cada vez mais visível, as noções básicas de justiça, valores partilhados e igualdade de oportunidades, tradicionalmente assumidas como garantias do “sistema”, deixaram simplesmente de o ser.
Como reforça também Edelman, a inexistência de salvaguardas sociais e institucionais serve como terreno fértil para o aumento do medo, o “combustível” preferido dos populistas. Juntamente com o facto de a corrupção (40%) e a globalização (27%) serem considerados como questões de topo, com cerca de dois terços dos inquiridos a manifestarem-se preocupados e um terço muito preocupado com ambas, existe também um sentimento significativo de insegurança face à segurança pessoal ou à vida familiar, à erosão dos valores sociais (25%), à imigração (28%) e ao ritmo acelerado da mudança (22%).
Complementarmente, os países que combinam uma ausência de confiança no sistema com medos societais profundos, são também aqueles que mais probabilidades têm de eleger candidatos populistas. Nesta questão em particular, os Estados unidos, o Reino Unido e a Itália já deram provas desta combinação explosiva com a eleição de Donald Trump, com o voto a favor do Brexit e com o fracasso que caracterizou o referendo italiano. Adicionalmente, metade dos países auscultados revela uma falta de confiança no sistema, sendo esta liderada pela França e pela Itália, ambas com 72%, seguindo-se o México (67%), e a África do Sul e a Espanha, ambas com 67%.
Governos “incompetentes, corruptos e divididos” e o grande trambolhão dos media
Igualmente devastadores são os níveis de confiança depositados nos líderes, não só políticos, como empresariais (v. intertítulo abaixo sobre a confiança nos negócios), e que prejudicam seriamente as estruturas que lideram. Como já anteriormente referido, mais de dois terços dos entrevistados não confiam que os actuais líderes consigam lidar com os desafios que se colocam aos países que governam. E se a queda dos líderes empresariais, a nível global, regista um valor de 37% – menos 12 pontos percentuais face ao ano passado e, no Japão, menos 18 – ainda assim, é neles que se coloca uma réstia de esperança futura, sobre a qual escreveremos mais à frente.
[pull_quote_left]Os líderes governamentais continuam a ser os recordistas da desconfiança, atingindo apenas 29% de credibilidade[/pull_quote_left]
Os líderes governamentais, acompanhados pelos reguladores, pertencem ao clube dos que menor credibilidade têm junto do grande público. E, uma das tendências para a qual se chama particular atenção reside no facto de “uma pessoa como você” ser agora tão credível quanto um académico ou um especialista de qualquer área, e muito mais confiável do que um CEO ou um funcionário do governo, o que indica que o principal eixo de comunicação na era actual é horizontal, ou peer-to-peer, evidenciando uma dispersão da autoridade para os que nos são mais próximos, sejam amigos ou família.
Richard Edelman alerta também para a grande “demissão dos governos” em matéria de responsabilização e força efectiva para gerirem a mudança. Depois de uma posição exacerbada de “salvadores” na sequência da crise financeira, os governos são, no geral e agora, percepcionados como incompetentes, corruptos e divididos e levam a medalha de a “instituição menos credível” a nível global.
Já os media, celebrados como a “quarta força” na governança global, mergulharam em águas demasiado turvas, em particular no ano que agora terminou, registando uma quebra de confiança similar à dos governos e em mais de 80% dos países auscultados. Os media são agora encarados como politizados, incapazes de cumprir as suas responsabilidades devido às pressões económicas e reféns do que é “tendência” nas redes sociais. Como não poderia deixar de ser, a “estrela” deste “jornalismo pós-verdade” é Donald Trump e a sua badalada conta no Twitter, sendo que a tecnologia tem vindo a permitir crescentemente a criação de “câmaras de ressonância”, que permitem o reforço de pontos de vista ao invés do seu debate construtivo e genuíno. Um dos dados sublinhados pelo responsável por este barómetro diz respeito ao facto de 59% dos inquiridos acreditarem mais nos motores de busca do que nos editores humanos (41%), ao que se junta a tendência, quatro vezes mais provável, de ignorarem qualquer tipo de informação que possa apoiar/explicar uma posição na qual não acreditam.
Edelman acrescenta ainda que “as pessoas vêem agora os media como parte de uma elite”, o que resulta numa propensão para a “auto-referenciação” e para uma enorme dependência entre pares. A inexistência de confiança nos media deu também origem ao fenómeno das “notícias falsas” e, é claro, aos políticos que falam “directamente” com as massas.
Crise de confiança nos líderes empresariais é séria, mas é neles que recai ainda o ónus da esperança
Apesar de a credibilidade nos CEOs ter caído 12 pontos face ao último Trust Barometer, cifrando-se agora em 37% a nível global, a instituição “empresa” é a segunda “melhor” qualificada, com apenas um ponto a menos face à classificação das ONG (que figura em 1º lugar, mesmo que menos credibilizada face a anos anteriores).
[pull_quote_left]53% dos respondentes acreditam que o “sistema” geral em que actualmente vivemos (lhes) falhou – sendo injusto e oferecendo pouca esperança para o futuro – com apenas 15% a acreditarem que o mesmo funciona[/pull_quote_left]
Todavia, tal não significa – como a acentuada (e persistente) queda de confiança demonstra – que estes resultados sirvam para deixar satisfeitos os líderes empresariais, muito pelo contrário. Em termos absolutos, a “performance da confiança empresarial” é preocupante. Apenas 52% dos respondentes do inquérito afirmaram confiar nas empresas para fazer o que está certo; em 13 dos 28 países que fazem parte do universo da pesquisa, a instituição é alvo de significativa desconfiança e os respondentes foram claros ao referir a urgência de “uma grande reforma” nos negócios com, e por exemplo, 82% dos respondentes a nível global a afirmarem que a indústria farmacêutica precisa de níveis muito mais elevados de regulação.
Como escreve Matthew Harrington, um dos responsáveis pelo Edelman Trust Barometer e que assina um artigo sobre o tema na Harvard Business Review, o factor mais preocupante desta edição talvez seja o facto de “as empresas estarem a contribuir para o medo sentido pelas pessoas e a fomentar estes níveis de desconfiança”. No inquérito, escreve, 60% do total dos inquiridos demonstra estar preocupado com a possibilidade de vir a perder o seu emprego graças aos impactos da globalização, enquanto metade dos mesmos considera que esta está a conduzir a sociedade na direcção errada e 53% referem que o ritmo de mudança nas empresas e nos sectores em geral está a ser demasiado rápido.
[pull_quote_left]60% do total dos inquiridos demonstra estar preocupado com a possibilidade de vir a perder o seu emprego graças aos impactos da globalização[/pull_quote_left]
Já o próprio Richard Edelman acrescenta que “os negócios têm muito que temer no contexto presente”. Quase um em cada dois inquiridos concorda que os acordos de livre comércio são prejudiciais aos trabalhadores nos seus países, enquanto 72% são a favor da protecção dos empregos e das indústrias locais por parte dos governos, mesmo que tal signifique um menor crescimento económico. Um outro dado importante está relacionado com a arena ambiental, na medida em 52% dos entrevistados afirmaram que os esforços das empresas para proteger e melhorar o ambiente constituiriam um importante estímulo para aumentar a sua credibilidade e os seus níveis de confiança.
Já Matthew Harrington interpreta estes resultados como uma verdadeira chamada de atenção para a comunidade empresarial, que pode seguir um de dois caminhos: ou continuar a concentrar os seus esforços na performance financeira dos seus negócios – e mantendo o argumento de que essa é a sua principal responsabilidade – ou comprometer-se com o “exterior” para fortalecer a sua “licença para operar”.
[pull_quote_left]75% dos entrevistados concordam com a ideia de que “as empresas podem levar a cabo acções específicas que permitam, em simultâneo, aumentar os seus lucros e melhorar as condições económicas e sociais das comunidades onde operam”[/pull_quote_left]
Harrington reforça ainda a ideia de que independentemente desta desconfiança alargada no que às empresas diz respeito, existem expectativas elevadas – por parte da população no geral – de que estas podem fazer mais e melhor: 75% dos entrevistados concordam com a ideia de que “as empresas podem levar a cabo acções específicas que permitam, em simultâneo, aumentar os seus lucros e melhorar as condições económicas e sociais das comunidades onde operam”. E, de acordo com as respostas dos entrevistados, a melhor maneira de fazer com que as empresas aumentem os seus níveis de credibilidade no futuro prende-se com o pagamento de salários mais justos, com a oferta de melhores benefícios e com a criação de mais postos de trabalho; pelo contrário, o caminho mais rápido para aumentar (ainda) mais a desconfiança no sector empresarial reside nos subornos dos funcionários governamentais, no pagamento de compensações absurdamente exageradas aos gestores seniores e na evasão fiscal.
O também responsável pelo barómetro de confiança deixa ainda um recado para os líderes empresariais: “o colapso recente da confiança nos governos e nos media deverá servir como uma poderosa lição do que pode acontecer quando as instituições ‘se desligam’ dos interesses e opiniões das pessoas que servem”.
E é esse “desligar” que parece explicar a queda abrupta da confiança nas quatro grandes instituições analisadas.
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