“Por que raio decide um jornal de economia publicar uma edição especial sobre Cultura? Estão parvos? Estão lúcidos?” É provável que perguntas como estas lhe tenham passado pela cabeça. Não estranhe: a nós também passaram. E não, a resposta não é “porque não?”. É mesmo porque sim A nossa economia não faliu sozinha, apesar da sua sobranceria. Mas faliu no isolamento ebúrneo dos economistas. Hoje, como ontem, como sempre, a sociedade é mais que um somatório de fluxos mais ou menos previsíveis. Recorro a um economista, Augusto Mateus: “a economia não é um caminho entre matérias-primas e produtos acabados; é uma mistura explosiva de diferenciação e inovação”. Passemos do problema para a solução. Isto é, para a cultura. Augusto Mateus não caiu aqui do céu. Ele é, possivelmente, o economista que mais estudo tem dedicado à (chamemos-lhe assim) “importância económica” da cultura. Na conferência realizada há mês e meio em Lisboa onde fez a afirmação supra citada, o economista acrescentou: “É uma loucura. A competitividade da Europa não provém dos baixos custos, provém da diferenciação”. Da cultura, portanto. É por isso que, na Europa, “todas as indústrias serão culturais – ou não serão indústrias”. A visão económica é, pois, diferente da sua versão financeira ou, podemos dizer, orçamentalista. Se se juntar um “economista” e um “agente cultural” numa sala, depois da fase dos salamaleques chega-se a dificuldades de linguagem. Não parece exagerado afirmar que os preconceitos são recíprocos, que um vê quem (não) gasta e outro quem (não) paga. Para mais, a falta de prática (de cultura?) de financiamento privado torna ainda mais precária a exiguidade do Orçamento do Estado para a Cultura, pelo que o diálogo converge rapidamente no “quem paga?” – e porquê? É também por isso que, nesta edição, o secretário de Estado da Cultura define que um financiamento do Estado tem de implicar uma métrica e um retorno. Mas qual, o número de espectadores? A taxa de substituição por receitas próprias? A discussão não é diletante: a inabilidade “financista” já produziu aberrações, tais como impor modelos de gestão que atrofiaram mais que disciplinaram, por exemplo, os teatros nacionais. Ou o que dizer do ridículo “retorno mediático”, com que a administração de Guimarães Capital da Cultura decidiu estupidificar o país (critério segundo o qual estas meia dúzia de linhas “dão” um retorno para aí de cem euros à coisa)?
Um agente cultural não é um subsídio com pernas nem um pedinte com penas, é também uma “proposta de valor”, como gostam de dizer os economistas que exigem convites para a Ópera, como parte do regime que, ao mesmo tempo, faz de artistas de vanguarda os artistas à sua guarda. Joana Vasconcelos é ora o caso – e assim seja. Mas que não seja só assim. Tino tem o estudo recente de Serralves, por exemplo, mas é preciso que sirva para mais do que concluir que “a cultura tem retorno económico positivo”. Claro que tem. Mas e daí? Como se convence alguém a investir? Esse é o ponto. O mesmo estudo, através de um inquérito de rua, mostra por exemplo a importância da Casa da Música no Porto. E como está ela? Com um novo “modelo de governação” que procura não fazer da quebra do financiamento o declínio da programação. Economia, portanto. O discurso do novo Papa, Francisco, sobre a “igreja pobre” tem sido frequentemente lido como a apologia à pobreza, o que parece abusivo. Ninguém quer empobrecer um país (nem, cremos, os economistas…) nem esperar que de pedras nasçam árvores. Pelo contrário. É precisamente na cultura que se encontram as maiores expectativas de criação de emprego qualificado, de exportações, de afirmação de marca – da economia portuguesa. Porquê uma edição sobre cultura num jornal de economia? Claro: porque é preciso. |
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Director do Jornal de Negócios